Funâmbulo viver

Jean de Florette e Manon des Sources são dois filmes combinados de Claude Berri baseados nos dois tomos da obra L'Eau des collines, de Marcel Pagnol, publicada em 1963.


Uma estória excelente, sugestão de um amigo que deixou uma cópia do filme em minha casa. Uma trama, não sei se comparável à magia de Les Enfants du Paradis, de Marcel Carné, mas ainda assim um filme memorável, uma estória emocionante que combina hábil e poeticamente otimismo e esperança  com os sentimentos mais mesquinhos e obscuros da alma humana.
Jean de Florette é uma estória que começa quando Ugolin Soubeyran (Daniel Auteuil)  retorna da I Guerra à sua vila na região de Provence. Ugolin é um homem feio e sonhador. Seu tio César Soubeyran, conhecido como Le Papet (Yves Montand) é uma espécie de coronel de um minifúndio. O plano de Ugolin, ao retornar, é plantar cravos. Seu tio, a princípio, vê aquilo com certo ceticismo, mas decide estimular seu único herdeiros assim que se certifica que as flores alcançam um bom preço no mercado. Entretanto, os dois tem um problema comum à maior parte das pequenas propriedades européias, a falta de um rego. Decidem então visitar o vizinho Pique-Bouffigue, com uma proposta de compra. Pique não sabe, mas em sua propriedade há uma nascente – fato conhecido pr Papet. Pique é intratável, odeia aos Soubeyran, e na discussão é morto por Papet. Em vez de remorsos, Papet, que escapa as pressas com o sobrinho, vê no assassinato a grande oportunidade de conseguir a terra a preço irrisório.
Entretanto, Pique-Bouffigue que é irmão de Florette de Berengere, amiga de infância de Papet. Por um amigo comum, Papet  recebe em carta a notícia que também Florette morrera naqueles dias, mas que tinha um filho, coletor de impostos, que decidira vivar na casa. Antes que Jean (Gérard Depardieu), o sobrinho, chegasse, Ugolin vai até a casa e quebra suas telhas na tentativa de desencorajar os futuros residentes. O nome paterno de Jean é Jean Cadoret, mas Ugolin o chama de Jean de Florette, sem conhecer ao certo sua ascendência. Jean, logo de cara deixa claro que não quer vender a propriedade e que tem planos para tornar a terra produtiva, criando coelhos e plantando abóboras. Jean desconhece a nascente e de fato, nem poderia pois Ugolin e Papet cimentam o olho d’água. Papet, agindo como ogro, aconselha ao sobrinho se tornar amigo de Jean, ganhar sua confiança, dar-lhe conselhos desafortunados, agir de maneira que sua miséria se torne previsível. Aconselha-o a buscar àgua numa cisterna, dusa milhas distantes montanha abaixo. Um sacrifício impensável para a irrigação da terra. A princípio Jean tem sucesso, mas o estío chega e sua terra se torna seca, sua plantação mirra, seus coelhos morrem. O quadro desolador. Ugolin sabe que Jean está endividado, e gradualmente passa a beber demasiado. Aconselhado pelo tio, oferece-lhe dinheiro na tentativa de que a dívida se torne insustentável e que assim consiga a propriedade da terra. Jean então decide comprar dinamite e escavar um poço artesiano, maior e mais profundo. Na explosão Jean morre atingido por uma pedra.
Aimee e Manon são forçadas a deixar a fazenda que é comprada por Papet. Enquanto mãe e filha estão arrumando as malas, a filha pequena vê Papet e Ugolin desbloqueando a àgua do manacial. Ela desesperada grita. Os dois homens pensam se tratar de um pássaro. A primeira parte da ótima novela acaba, com todas as questões em suspenso.
Na segunda parte da obra, Manon des Sources, Manon  - já é Emmanuelle Béart, não preciso dizer mais nada -  está vivendo perto chácara Les Romarins, que tivera sido de seu pai. É uma criadora de cabras e passa parte de seu tempo lendo e aprendendo com o antigo casal de italianos, donos do poço onde o pai ia buscar àgua, como lidar com a terra. Ugolin Soubeyran é um próspero, rude e inculto produtor de flores. César continua manipulativo e agindo como ogro. Ela pastoreia pelas montanhas, dorme ao relento, caminha pelo campo com intimidade.
Ugolin, a vê banhando-se num rio. Certo dia, a moça banhava-se num córrego, secava-se ao sol tocando sua gaitinha e dançando, enquanto as cabras balindo ruminavam ao seu redor. Os seres são e nada mais. Ugolin compreensivelmente, fica alterado com os atributos poéticos daquela Alberto Caeiro de saias. O rapaz fará de tudo para conquistar o coração da moça que certa vez, procurando por um de seus ruminantes perdidos ouve a conversa de dois caçadores sobre as tramóias de Papet e Ugolin, e a omissão e o silêncio de toda a cidade sobre a morte de seu pai. Ugolin, com o apoio do tio,  faz de tudo para conquistar a moça, mas esta se recusa, pois já há um professor de cidade que anda arrastando sua asa para ela. A moça então revolta-se contra os Soubeyran e fecha a passagem subterrânea de àgua que irriga a vila e boa parte das propriedades da região. As plantações secam. A seca leva a todos o desespero. As pessoas chegam a pensar que aquilo seria um castigo da Providência pela omissão no caso do pai de Manon. Pedem-lhe que participe da procissão que o cura organiza para pedir àgua ao firmamento. Manon participa da procissão, não sem antes acusar publicamente César e Ugolin pela morte de seu pai. A cena humilhante que se segue, Daniel Auteuil prova que é um grande ator. Ele faz uma última tentativa de pedir sua mão em casamento. Odiado e humilhado, Ugolin se enforca “terminando” com as esperanças de continuação da descendência dos Soubeyran.
Os quinze últimos minutos desse filme são de uma grandiosidade dramática sem igual. A morte de Ugolin destruiu Le Papet. Delphine, uma ansiã cega, que conhecera Florette, retorna para a vila. Descobre-se então que Le Papet tivera um romance com Florette antes de ir servir ao exército na Africa. Ela escrevera-lhe uma carta, nunca recebida por ele. Sem resposta ela se casa já grávida com um homem de Créspin. Delphine revela a Le Papet que Jean era seu filho. Numa incrível inversão do destino, Jean seria o filho que Papet sempre quisera. Consumido pelo remorso e desespero, Papet morre e deixa todas as suas propriedades para Manon, sua neta.
Conclusão. Um filme sem muitas inovações fílmicas. Diría até, uma forma de narrar bastante conservadora. Um novelão bem construído, bem amarrado do início ao fim. O fim conciliador, é bem verdade. Mas, um estória belissimamente contada.

Nenhum comentário: