Missivas I

Em 1996 o José Guilherme Merquior escreveu "De Anchieta a Euclides" e dedicou a Aluizio Azevedo uma página não muito digna. Disse, mais ou menos, com palavras muito mais rendadas e bizantinhas, que Azevedo, depois de conquistar uma prebenda do Estado - sob o cargo de diplomata - abandonou a literatura.
Desde a morte do pai, em 1879, Aluizio se sustentou com seus desenhos, o que o levou de volta ao Maranhão. Depois de 19 livros, centenas de artigos e caricaturas, ele se mostrou frustrado com a literatura. Sem dar maiores explicações aos amigos, trocou as noitadas, bebedeiras e a inquietação dos autores russos pela tranqüilidade e o conforto de um emprego público. O Livro de uma sogra, último trabalho do escritor, foi escrito em 1895 - exatamente no mesmo ano em que ingressa na carreira diplomática.
Pode parecer uma pergunta ingênua... mas minha única pergunta é... se um escritor com apenas 38 anos - ele é de 1857 - , cria uma obra tão volumosa, com alguns escritos consagrados clássicos, e sabendo que a produção literária não segue uma linha evolutiva, o que o impede de dar seu ponto final na carreira com o Livro de uma sogra?
Além do mais quem disse que em suas missivas não há algo de literario? Pois até agora não descobri o “segredo da caixa”...
Napoles, 19 de Dezembro de 1908

Ilustre e querido mestre Sr. Dr. [ ]

Estava para escrever-lhe, comuicando que já lhe havia remetido para ahi a caixa do nosso amigo Ferreira da Costa, como verá na cópia que a esta junto, quando tive a satisfação de receber a sua estimável carta que o próprio Costa diz ballotée de Herodes para Pilatos, tem já sua história: um bello dia, 14 de agosto deste anno, ella me surgio aqui no consulado sem vir acompanhada de aviso ou declaração de espécie algumaç ao fim de um mês, em 16 de setembro, receiando em que tivesse havido algum engano na remessa, mesmo por que havia ainda na tampa da caixa mal obliterado o endereço do cônsul em Gênova, escrevi aos agentes que a expediram de Roma, e por estes vim a saber que o remetente da caixa era o Ferreira da Costa, a quem logo escrevi igualmente, dizendo sobre a mysteriosa caixa; só em 28 de setembro recebi um bilhete postal do Costa, dirigido de Berlim, dizendo que eu tivesse paciencia e esperasse mais uns dias pelo “segredo da caixa”, que acrescentava ele, teria de ser expedida para o Rio de Janeiro e a encantada caixa foi ficando por ali no Consulado, até que ultimamente em 14 de novembro, o Costa me escreveu de novo, agora de Varsovia, com outra carta dentro, datada de S. Petersburgo, mas ambas num envelope sellado e carimbado em Roma, declarando que a caixa deveri ser remetida ao Sr., a quem ele me pedia para escrever, perguntando se o Sr. queria que ella seguisse por grande ou pequena velocidade; em fazer a pergunta e receber a resposta se perderia mais tempo talvez do que a differenca entre as duas velocidades. Eu nesse momento estava muito acabrunhado com a sorte de meu irmão e, em vez de fazer a consulta como queria o Costa, tratei logo de despachar a caixa para ahi por pequena velocidade, antes que o Costa me telegraphasse de Yokuhama ou de Honolulu, dizendo que dera a ella a outro destino e a mim novas ordens, reservando-me eu, está claro, para escrever ai Sr., explicando a remessa ao Costa não escrevi já, por não saber ao certo para onde dirigir a correspondencia, é difícil escrever-lhe com segurança, por que as suas cartas são datadas sempre de um novo ponto. A sua legação é em S. Petersburgo, mas ele, creio eu, reside em Roma, e escreve de Berlim e de Varsovia, sem nunca declarar para onde deve ser dirigida a resposta.

Agradeço-lhe do fundo d’alma as palavras de pesames que em mandou pela morte d meu querido Arthur, e desejo ao Sr. o mais feliz anno bom.

Amigo grato e contado
Aluizio Azevedo

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