WANDER PIROLI

 

Título: Wander Piroli
Dimensões: 9x9cm
Técnica: Xilogravura
Data: Janeiro 2022
 
Wander Piroli nasceu em 1931, em Belo Horizonte, e pode-se dizer que Piroli foi um desses mineiros radicais: nasceu e viveu a vida toda em Belo Horizonte. Dali tirou todos os seus contos. Sua mãe morreu quando tinha um ano, e acabou sendo criado, então, pela avó italiana Giovanna e pelo pai operário pintor de máquinas, na Lagoinha, um bairro que era reduto de famílias italianas. Bairro proletário, o Lagoinha também era o lar de marginais, bêbados, vagabundos e criminosos, arquétipos que habitaram a maioria de seus livros. Ao contrário de como Otto Lara Resende definia o típico mineiro, Wander Priroli não falava baixo nem cobrava juros altos. Cursou Direito na Universidade de Minas Gerais e chegou a trabalhar como advogado de causas trabalhistas, mas segundo ele, não tinha coragem de cobrar os honorários dos trabalhadores que defendia. Ainda durante a faculdade, participou de concursos literários em Belo Horizonte, chegando a vencer um deles em 1951 com o conto "O Troco", ganhando alguma fama nas redações dos jornais.

O trabalho em redações jornalísticas apareceu como uma forma de sustentar a família, mas se tornou uma das partes principais de sua vida. Trabalhou incansavelmente como repórter em dezenas de publicações mineiras entre jornais alternativos e da grande imprensa, como Estado de MinasSuplemento LiterárioÚltima HoraO Sol e Binômio. Aliás, como jornalista uma série de episódios folclóricos o cercam. Dizem que nunca faltava uma garrafa de agusrdente Claudionor debaixo da mesa. E que escrevia fora dos padrões jornalísticos: contava as coisas como as coisas realmente tinham acontecido, sem leads ou subleads. Era inimigo da objetividade e compunha matérias e títulos extraordinários como “Cada brasileiro nasce devendo sete salários mínimos”. Isso, em plena Ditadura.

Anos mais tarde, ficaria conhecido como um dos símbolos do boom dos contistas nos anos 1970. Os críticos o incluíram nessa chamada Geração de 1970 que logo cambalearia, como todas as categorizações do tipo. Entre os mortos e feridos dessa geração, alguns como Sergio Sant’Anna, Antônio Torres, Luiz Vilela, chegaram a sobreviver. Outros como João Antônio e o próprio Piroli, caíram em injusto anonimato. Estamos carecas de saber que cada caso é um caso, mas a opção pelo conto, a visão tosca do Mercado que prioriza a novela, mesmo que ruim à narrativas curtas, por considerarem o conto um gênero menor, e a própria necessidade de pagar as contas no fim do mês, dividindo o tempo entre a literatura e o jornalismo, aumentaram a pena de esquecimento desses malditos.

Piroli gostava de cachaça Claudionor, cigarro de palha, briga de galo, pescaria e roda de amigos. Alguns dizem que por isso tinha uma relação descompromissada com a literatura. Como se a lida do jornal, as contas a pagar, e dar de comer a quatro filhos, fosse tarefa fácil para um cidadão saído da Lagoinha.  Publicou seu primeiro livro A Mãe e o Filho da Mãe, aos 35 anos em 1966. E somente foi publicar o seguinte O Menino e o Pinto do Menino, 9 anos depois.

Só quase dez anos depois, o escritor publicaria O Menino e o Pinto do Menino, em 1975 e Os Rios Morrem de Sede, em 1976. Talvez seus trabalhos mais conhecidos, ambos infanto-juvenis, viraram sucesso de público ao propor, pela primeira vez, uma espécie de realismo para crianças.

Seus textos eram tomados por personagens vivendo vidas ordinárias, comuns. Eram os trabalhadores de sol a sol, os malandros, as prostitutas e os “náufragos da noite”, como caracterizava os tipos com que conviveu na infância e juventude. Foi um mestre em criar diálogos secos, diretos e cheios de sensibilidade - e diga-se de passagem, escritores brasileiros não criam diálogos convincentes. Em se tratando de livros infantis, não fez concessões nem ao mercado nem ao gosto da classe média. Quebrou cânones de uma literatura infantil bem-comportada de personagens anódinos, bruxas babacas, duendes chatos, capaz de servirem de modelos bem-comportados. Narrou o que nunca havia existido. Em seus livros infantis, por exemplo, o pai para, toma uma cachaça num botequim, e segue com o filho para casa, já meio cambaleante.

Em vida, Wander ainda publicou cerca de sete títulos, entre infantis, de crônica e contos, como A Máquina de Fazer Amor e Minha Bela Putana. Um tipo alegre, vivia sem chamar atenção, mesmo que corpulento, e que seus blusões largos parecerem já ter vindo com defeito de fábrica: sempre com dois ou três botões da gola para baixo, abertos. Era visto por seus contemporâneos como um Hemingway brasileiro, seja pelo modo de viver, seja pelo estilo seco dos textos. Aliás, crítica nunca chegou a um consenso se Wander Piroli era um João Antônio ou um Hemingway mineiro. Quando morreu, descobriu-se que o descompromissado Piroli tinha mais 18 livros inéditos.


LIMA BARRETO

 





Título: Lima Barreto

Dimensões: 9x9Cm

Técnica: Xilogravura

Data: Janeiro 2022

Filho da professora Amália Augusta Barreto e do tipógrafo da Imprensa Nacional João Henriques de Lima Barreto, Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Nasceu numa sexta-feira 13. Mês de maio de 1881. A propósito, o mesmo ano da publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, 7 anos antes da Lei Aurea. O bairro: Laranjeiras. A casa, na rua Ipiranga nº 18, não existe mais.

Aprendeu a ler em casa com a mãe, que mantinha um pequeno colégio para meninas, o Santa Rosa, no mesmo bairro das Laranjeiras. O menino Lima, assim como Machado de Assis, ficou orfão cedo. Com a morte da mãe, aos 7 anos, entrou numa escola pública, na rua do Rezende, passando pelo Liceu Popular Niteroiense - um dos mais conceituados estabelecimentos de ensino da época, dirigido pelo educador inglês, Mr. William Cunditt. Os seus estudos eram, então, bancados pelo Visconde de Ouro Preto, padrinho de batismo do escritor. Depois de prestar os exames de preparatórios no então Ginásio Nacional, nome que a República tentou colar no velho Colégio Pedro II, para se desfazer dos vultos do período Imperial, Lima Barreto ingressou na Escola Politécnica. O futuro parecia promissor. Dali, sairia engenheiro civil, de minas, industrial, mecânico ou agrônomo. Entretanto, estudou apenas até o terceiro ano. Não dava mais. Não havia maneira de fazê-lo aprovar numa disciplina de nome tão irônico quanto redundante, Mecânica Racional. Tinha sido reprovado diversas vezes - e isso, creiam-me, enche o saco de uma pessoa. 

Alguns outros fatores mais profundos faziam com que Lima Barreto não se concentrasse na Politécnica. O fato de ser o único aluno negro da turma, aliado ao baixo desempenho na Mecânica Racional, por dois anos seguidos, podem ter influenciado para o desânimo do rapaz. Mas, um episódio específico determinou um certo rumo que sua em sua vida iria tomar, a partir dali:  o pai enlouqueceu quando Lima Barreto tinha apenas 22 anos.

Assim, ele interrompeu os estudos, para encarregar-se da numerosa família, composta agora pelo pai e os irmãos mais novos. Para ganhar a vida, Lima Barreto trabalhou como professor particular e depois, com a abertura de vaga para amanuense na Diretoria do Expediente da Secretaria da Guerra, presta concurso e se classifica em segundo lugar, com uma diferença mínima de pontos para o primeiro colocado. Mesmo assim foi nomeado, começando a trabalhar no mesmo ano.

Nos primeiros anos como amanuense foi procedimentalmente humilde.  Não faltava, não chegada atrasado, e tratava a todos com deferência. As semelhanças biográficas do início de carreiras entre Machado e Lima, param por aqui. Sendo preterido mais de uma vez em promoções, foi ficando negligente e relapso. Nesse processo de transformação pessoal, virou um habitual nas rodas de café e de bares, frequentadas por Olavo Bilac e Emilio de Menezes. Foi provavelmente nestas rodas que descobriu os benefícios de uma boa Parati. 

O convívio dos cafés e botequins, que o romancista acabou frequentando dioturnamente, o tornaram conhecido, gerando contatos no meio jornalístico. Em 1905, Lima Barreto iniciou-se na vida literária com reportagens para o Correio da Manhã, preparando uma serie de textos sobre a derrubada do Morro do Castelo. Paralelamente, foi colaborando em jornais e revistas estudantis, como A Lanterna e A Quinzena Alegre, todos de curta duração. Mais tarde, em 1907, quando Mario Pederneiras fundou o Fon-Fon, chamou-o para a redação, mas ficou pouco tempo. Saiu para lançar com um grupo de amigos uma pequena revista, a Floreal, que apesar de quatro números apenas, mereceu do sempre meio mal-humorado José Verissimo, crítico exigente, uma surpreendentemente simpática acolhida. Inclusive, seu primeiro romance, Recordações do Escrivão Isaias Caminha, começou a ser publicado na Floreal, em 1907, mas só veio aparecer em livro dois anos mais tarde, editado em Portugal. Seu biógrafo definitivo, Francisco de Assis Barbosa, chegou a entrevistar Antônio Noronha Santos, Manoel Ribeiro de Almeida, Mario Tibúrcio Gomes Carneiro, companheiros de Lima Barreto na Floreal, revelando-nos detalhes fundamentais de sua biografia.

Quando em 1909, finalmente, o romance foi editado em Portugal, Lima Barreto marcou sua presença no ambiente intelectual, para o bem e para o mal. O livro bancado com os seus limitados recursos próprios, seria venerado e odiado de maneira desproporcional. Por um lado, foi venerado pelos pares e por uma certa parcela da intelectualidade, mas o problema é que o ódio vinha de cima, principalmente da parte de Edmundo Bittencourt, o todo poderoso dono do jornal Correio da Manhã, que não gostou nada nada do tom de sátira que assemelhava o autoritário e fictício Ricardo Loberant, dono do jornal “O Globo”, com sua pessoa.   

O problema estaria resolvido se apenas as portas do Correio se fechassem. Caso acontecesse, poderia arrumar  emprego, por exemplo,  no jornal do desafeto do ex-chefe, certo?  Entretanto, Bittencourt pode ter intercedido para que outras portas se fechassem. E no fundo havia um outro problema. Lima foi além. Não se contentou apenas a atacar o ex-chefe. No rol de personagens caricatos, havia profissionais influentes e cheios de amigos, com amigos em outros jornais. Por exemplo, o escritor João do Rio era descrito como o  “efeminado” Raul Gusmão, uma “mistura de porco e símio, adiantado";  Pacheco Rabelo do jornal fictício, era Gil Vidal, redator-chefe do Correio da manhã; o advogado e futuro jurista Vicente Piragibe, filho de médico da academia imperial e neto de general do exército, era o Leoprace, de ascendência boa mas que não passava de um pobretão sem talento; o paranaense, da família de diplomatas e sacerdotes, Joâo Itiberê da Cunha era o personagem Floc, crítico literário que julgava originais nao pela qualidade, mas pelo sobrenome e ascendência do autor. Ou seja, mesmo que Ricardo Loberant, nem tivesse passado pelas páginas de Isaias Caminha, todos os outros ilustres desafetos influentes estavam ali retratados de forma caricata. Todos tratados como pessoas superficiais, toscas, antiéticas e interesseiras, desejosas de apenas obter benefícios próprios, aproveitando-se dos colegas.  E para piorar, eram facilmente identificáveis numa leitura rápida, à época.

O livro não trouxe nem sucesso, nem o mínimo suficiente para o sustento. Mas dois anos mais tarde publicou o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, nas páginas do Jornal do Commércio, mais uma vez, pagando do próprio bolso pelo espaço da publicação. A obra sairia publicada em livro apenas em 1915. O atraso pode ter sido causado por vários fatores, desde a falta de recursos econômicos, até as próprias bebedeiras que se tornavam cada vez mais constantes. Durante a gestão e revisão da obra, tornaram-se mais agudas as crises de alcoolismo e depressão do escritor.  Esmagado pela tragédia doméstica da infância, pelo peso dos cuidados com o pai enlouquecido, vivendo ao lado de seu quarto, oprimido pela angústia da responsabilidade no suporte financeiro da família, juntava-se a isso o peso do preconceito racial. A birita, a princípio, certamente foi um suporte na convivência alegre da boêmia, e ao mesmo tempo uma fuga dos problemas que o esperavam em casa. Entretanto, as alucinações decorrentes do excesso de álcool, que o levaram ao hospício, certamente não estavam nos planos.  

Independente da bebida, a saúde de Lima Barreto sempre foi frágil. Aos vinte e poucos anos tinha fraqueza generalizada em decorrência de um reumatismo de infância que iria acompanha-lo toda a vida.  Aos 29 anos contraíra pela segunda vez maleita, ou impaludismo, doença contraída por mosquitos, e que ataca os glóbulos vermelhos do sangue gerando febres terçãs fortíssimas. O abuso do álcool, certamente agravara esse quadro clínico de fraqueza. Como também agravaria a sua depressão e a crise de neurastenia, que o levou a ingressar pela primeira vez no Hospital Nacional de Alienados em 1914, local que tinha sido definido por ele como "frio, severo, solene, com pouco movimento nas massas arquiteturais"

E veja bem, estamos no ano de 1914. Escravos tinham liberdade há menos de 26 anos. Mesmo para um escritor com relativa fama, a história pessoal parecia replicar o que as teorias raciais da época prognosticavam. A grosso modo, os defensores da intervenção clinica com reclusão nem sequer se esforçavam em frisar que não se escapava da origem racial, nem dos seus estigmas. As diversas teorias da degeneração social, afirmavam que indivíduos miscigenados carregavam o "vício" das duas raças que os formavam. Daí para se estabelecer uma relação direta entre raça, doença mental e alcoolismo, e que negros e mestiços estavam mais predispostos a ela, era plenamente consensual na teoria médica da época. Nesse sentido, considerar que indivíduos com essas características eram entendidos como intelectualmente inferiores, era uma conclusão nefasta que os eugenistas nem se esforçavam para justificá-la.

Nesse calvário de porres e não-ditos, o pingente Lima Barreto, aos trinta e um anos, já acumulava uma respeitável lista de problemas clínicos.  Com os sintomas da dependência alcoólica, passa a ter problemas cardíacos. Aos trinta e três anos, depressão e neurastenia. Aos trinta e cinco, anemia pronunciada. Aos trinta e sete, quebra a clavícula.  E nessa época tem o primeiro ataque da epilepsia -  que diga-se de passagem era tratada com choque e porrada. Considerado “inválido” para o serviço público, é aposentado, em dezembro de 1918. Em 1919, é internado pela segunda vez no Hospital Nacional de Alienados. A essa altura tinha cinco livros publicados:  Recordações do Escrivão Isaias Caminha, O Triste fim de Policarpo Quaresma, As aventuras do Dr. Bogoloff (publicado como folhetim), Numa e a Ninfa e Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá. Sem dinheiro, sem conseguir lutar contra o vício, e fisicamente aparentando ter vinte anos mais, sua saúde se deteriorava rapidamente. Tido como louco e irascível por alguns, afastou-se de muitos, e muitos se afastaram dele.

Chovia no bairro de Todos os Santos, no dia de todos os santos. Aos 41 anos, consumido pelo parati e pela miséria, com o pai louco no quarto ao lado, ele morreu supostamente de ataque cardíaco, no dia 1 de novembro de 1922, abraçado a uma revista. O velório na sala era interrompido pelo barulho da chuva e, de quando em quando, pelos gritos do pai, que, no quarto ao lado, morreria horas depois. Em volta do caixão de terceira, os irmãos e a gente modesta do subúrbio, que Lima conhecia dos botequins e das ruas enlameadas e tristes.

Ao contrário de Machado de Assis, teve um enterro muito simples acompanhado por gente humilde como ele, os amigos do subúrbio, mulambentos, cheirando a cachaça e com os pés descalços. Quis ser enterrado em Botafogo - que ele detestava e criticara a vida toda. Pouco mais de dez pessoas assistiram a seu sepultamento, entre eles, o piauiense Félix Pacheco, a essa altura já imortal da ABL, o diplomata Olegário e José Mariano - sendo que este pagou as despesas do enterro.

Morreu sem nenhuma repercussão nos jornais. Não deixou viúva. E ao contrário do que falam as más línguas sobre Machado de Assis, Lima Barreto nunca teve filhos. 

 


PAULO LEMINSKI

 


Título: Paulo Leminski

Dimensões: 9x9Cm

Técnica: Ponta seca em acrílico

Data: Janeiro 2022

 

 

PAULO LEMINSKI

Leminski é transparente. É exatamente isso que é visto e lido. Um maldito queridinho. Óculos, bigode, e peito aberto. Pouco de sorrisos. E com as poucas palavras de seus haicais desconstruía mundos e erguia imagens. Era músico, compositor, escritor, tradutor, crítico literário, e lutador de judô. Além disso, atuou profissionalmente como professor de história e redação em cursos preparatórios, também participou como diretor de criação e redator em algumas agências de publicidade. Como tradutor trabalhou com obras de autores como James Joyce, John Fante e Samuel Beckett.

Paulo Leminski Filho nasceu em agosto 1944. Se orgulhava de sua ascendência polonesa e africana, e assim como Snege era curitibano, poeta maldito profissional, e também amador.

Em 1958, aos quatorze anos, foi para o Mosteiro de São Bento em São Paulo estudar para ser padre, ou algo similar, e a experiência não foi das mais empolgantes, retornando um ano mais tarde para Curitiba e terminando seus estudos num colégio estadual. Anos mais tarde participou do I Congresso Brasileiro de Poesia de Vanguarda em Belo Horizonte, onde conheceu Haroldo de Campos, amigo e parceiro em várias obras.

Com a também poetisa Alice Ruiz, casou-se em 1968. Recém casados, Leminski e Alice foram morar com a primeira mulher do poeta e seu namorado, em uma espécie de comunidade hippie, num apartamento em Curitiba.  Ficaram lá por mais de um ano, e só saíram com a chegada do primeiro filho. Miguel Ângelo, o primogênito, viria a falecer com dez anos de idade, vítima de um linfoma. E até recentemente, sabia-se que Leminski e Alice, casados por mais de 20 anos, também tiveram duas meninas, Áurea e Estrela Ruiz Leminski. Casado, com filho pequeno e contas a pagar, entre 1969 a 1970, Leminski decidiu morar no Rio de Janeiro retornando a Curitiba para se tornar diretor de criação e redator publicitário.

Detentor de uma poesia marcante, jogava com a linguagem usando trocadilhos, ditados populares e influência de haicais, além de abusar de gírias e palavrões. Estudioso da cultura japonesa, chegou a publicar uma biografia do poeta japonês Matsuo Bashô. Como ele mesmo se definia, considerava-se um “anarquista zen”, um “bandido que sabia latim”, um “canalha erudito”.

Leminski, como letrista, teve parceiras variadas com músicos de diversos matizes. Escreveu letras com Caetano Veloso, o grupo A Cor do Som, conviveu com Gilberto Gil, Moraes Moreira, Itamar Assunção, Jose Miguel Wisnik, dentre muitos outros. Apenas no fim da vida, 1987 e 1989 foi colunista do Jornal de Vanguarda na rede Bandeirantes de Televisão.

Pode-se dizer que a carreira começou nos anos de 1970, quando teve poemas e textos publicados em diversas revistas - como Corpo EstranhoMuda CódigoRaposa.  Leminski publicou o seu primeiro livro - o romance Catatau - em 1976. Também lançou algumas poesias na revista Invenção, do movimento concretista. A partir de então a sua produção literária seguiu de vento em popa. Mas nesse mesmo ano acontece um dos episódios mais obscuros de sua biografia.

Em 2001 foi lançada uma das mais completas biografia de Leminski, O Bandido Que Sabia Latim, do biógrafo Toninho Vaz. Sua esposa Alice Ruiz boicotara sua reedição, ainda que feita com auxílio das informações da própria Alice, e a ela dedicada. A viúva e as duas filhas se opunham à publicação da biografia de um Leminski real. Alcoólatra como o pai, mal asseado, dentes estragados, nu e constantemente atormentado pelo suicídio do irmão e pelas ameaças de separação de Alice. Além disso, a biografia revela os detalhes de um filho bastardo que Leminski chegou a registrar com a mãe, mas que misteriosamente, no ano de 1976 passou a se chamar Luciano da Costa.  

Como a vida imita a arte, talvez, não à toa, Leminski tenha escrito, em poema musicado para Itamar Assunção, “um homem com uma dor é muito mais elegante, como andando assim de lado, chegasse mais adiante.” Alma feita de dor e de poesia. 

Leminski disse
Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Andasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

[…]

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra (Por favor, por favor)
Ela é tudo que me sobra (Sofrer vai ser a minha última obra)
Sofrer vai ser a minha última obra (Ela é tudo que me sobra)

 

A dor do agravamento de uma cirrose hepática que o acompanhou por anos cessou no 7 de junho de 1989.

 

JOÃO ANTÕNIO




Título: João Antônio

Dimensões: 9x9Cm

Técnica: Xilogravura

Data: Janeiro 2022

 


Filho de pai português, dono de botequim, e mãe mulata batalhadora, semi-analfabeta, João Antônio em nasceu em Presidente Altino, distrito de Osasco, na grande São Paulo, em 1937. Seu pai era um português atípico. Falava francês e tinha sido caminhoneiro, auxiliar de contador, e dono de armazém de secos e molhados.  Era violonista e bandolinista auto-didata. Levava o filho para as noites de seresta nos interiores de São Paulo -  sem a aprovação da mãe. Segundo palavras do próprio autor, cresceu criado na rua, vendo prostitutas, batedores de carteira, malandros em geral que nos seus futuros livros ganhariam uma dimensão existência. Ainda jovem descobriu os benefícios do conhaque, da cerveja, das mulheres e das mesas de sinuca, que o acompanharia por todas as suas andanças em São Paulo, Rio de Janeiro, e o interior de todos os lugares por onde passou. Aliás, dizem as más línguas que era mulherengo e mão-de vaca.

Jornalista conhecido por sua participação na imprensa alternativa nos anos 1970, desde jovem mostrou talento para a escrita. Sempre escreveu à mão, e somente depois datilografava seus textos. Depois os lia, e ria sozinho na varanda da casa, igual maluco. O jovem João Antônio Ferreira Filho trabalhou em empregos mal remunerados antes de lançar seu primeiro livro de contos, Malagueta, Perus e Bacanaço, em 1963. Com este primeiro livro, ganhou os prêmios Jabuti e o Prêmio Fábio Prado e o Prêmio Prefeitura Municipal de São Paulo.

Este livro, a propósito, é fruto de um grande trauma em sua vida de escritor. Em 12 de agosto 1960 um incêndio, por conta de um ferro elétrico que deixaram ligado, destruiu a casa em que vivia com sua família.  João Antônio perdeu os originais deste seu primeiro livro Malagueta, Perus e Bacanaço neste incêncio. Anos mais tarde, diria que aquela era uma data absolutamente inesquecível em sua vida, porque ficou traumatizado durante muito tempo, chegando mesmo a se recusar a entrar em livrarias, por reviver a memória da perda de seus originais.  Este seu livro de estreia seria reescrito em menos de dois anos, valendo-se de cartas e rascunhos enviados a amigos e de suas memórias, publicado finalmente em 1963 pela Editora Civilização Brasileira.

O sucesso literário conduziu-o à atividade jornalística. Entre a estreia em 1963 e o segundo livro, Leão de chácara, passam-se 12 anos. Nesse meio-tempo, João Antônio, aos 27 anos foi convidado para ser repórter do Jornal do Brasil e se mudou para o Rio de Janeiro, cidade que escolheu como residência fixa. Foi da equipe fundadora da Revista Realidade, na qual publicou o primeiro conto-reportagem do jornalismo brasileiro, Um dia no cais em 1968. Trabalhou, ainda, na revista Manchete, no jornal O Pasquim, além de diversos órgãos da imprensa alternativa, de oposição ao regime militar. Foi de cunho de João Antônio a famosa expressão “imprensa nanica” para designar os jornais alternativos do período da Ditadura Militar que se instalou no Brasil em 1º de abril de 1964, que eram vendidos clandestinamente em bancas de jornais.

Com o filho pequeno, trabalhando feito louco em seis anos de trabalho ininterrupto por longas horas à frente da máquina de escrever, mais as noites de boemia e as andanças pelas ruas do Rio de Janeiro, renderam ao autor uma crise nervosa - talvez catalisada pela birita.

No começo de 1970, essa crise o obrigou a se internar por dois meses em uma instituição psiquiátrica. A passagem pelo Sanatório da Muda, na Tijuca, em maio e junho, rendeu a João Antônio não apenas a oportunidade de se restabelecer, como também dois textos que se tornariam centrais para entender a relação de João Antônio consigo mesmo e com o seu escritor de predileção: Lima Barreto. 

Nesta fase de sua vida, João Antônio escreveu dois de seus grandes livros. Um deles é a crônica de João Antônio sobre o próprio sanatório, que dá título a seu quarto livro, Casa de loucos, de 1976. Numa espécie de livro-reportagem, entrevista psicografada ou crônicas surrealistas dos encontros que o autor teve com personagens históricos tais como Darcy Ribeiro, Nelson Cavaquinho e Noel Rosa.  

O outro livro trata-se de nada menos que “Calvário e porres do pingente Afonso Henriques de Lima Barreto”, um roteiro dos bares, restaurantes, cafés, ruas, redações e livrarias que Lima frequentava, onde bebia e encontrava amigos e conhecidos. A reconstituição foi feita a partir do relato que João Antônio ouviu de um colega de sanatório já senil, o professor Carlos Alberto Nóbrega da Cunha, 72 anos, que conviveu com Lima na década de 1910. O escritor chega a afirmar em uma nota que nenhuma palavra na obra é sua e que seu trabalho foi o de um “montador de cinema”. No livro João Antônio mapeou os trajetos que o escritor fazia de casa, no subúrbio do Encantado, para o Centro do Rio, bem como as andanças e as tertúlias de que fazia parte. Apesar nenhuma palavra na obra ser sua - como ele próprio sempre afirmou – o toque de devoção de João Antônio a Lima Barreto, está nos cortes e colagens que ele faz no texto de história oral, narrado por Carlos Alberto Nóbrega, pontuando episódios, amigos e personalidades históricas citadas, com passagens dos diversos livros de Lima Barreto.  

Assim o relato não é uma biografia de Lima, mas uma espécie de perfil do escritor feito da colagem de muitas vozes. São numerosos os trechos do autor que João Antônio reproduz, pontuando passagens escolhidas de obras como Recordações do escrivão Isaías Caminha, Triste fim de Policarpo Quaresma, Clara dos Anjos, Feiras e mafuás, Os Bruzundangas, Diário íntimo, Correspondência, entre outros.

Se não fosse por João Antônio, jamais saberíamos que Lima fumava cigarros Elite 18, da Sousa Cruz, e que jamais saía de casa sem chapéu, mesmo que sempre suado e com os paletós poidos. Não saberíamos que guardava seu dinheiro, com as notas enroladas em tubinhos, no bolso do lencinho do paletó. Nem saberíamos de sua enorme sabedoria etílica em evitar a mistura de fermentados e destilados, quando se trata de bebida alcoólica. Jamais tomava nada que não fosse Parati - a nossa mais que conhecida aguardente de cana. E mesmo com muitas doses, jamais apresentava momentos de embriaguez, ficava apenas sorumbático, tendendo à “melancolia”. Sem esse livro de João Antonio, jamais saberíamos que Lima Barreto era um homem bem humorado, pelo menos entre os seus, amigos de subúrbio.

Nesse compasso, produziu quinze livros, mas sempre se recusava a participar de cerimônias e de se vincular a grupos e academias literárias. Aceitava apenas convites para palestras em escolas e universidades.

Como a maioria dos escritores retratados nessa coleção, João Antônio retratou essencialmente os oprimidos. Operários, bichas, picaretas, prostitutas, otários e malandros, que disputam o jogo onde seja para ganhar um trocado, faturar um almoço, uma dose grátis, uma ronda a dinheiro, uma mulher alheia, o troco do café, ou um pouco de droga, significa muito para própria sobrevivência da espécie.

Mas não somente os oprimidos eram retratados em sua narrativa. O amor espúrio está na narrativa de maridos desnorteados, mulheres de 50 desesperadas de amor e rapazes bonitos que pelas circunstâncias viram gigolôs.  Narrativas onde há bipolaridade, tiroteio em disputa por mulheres, tentativas de suicídio, e atrações inesperados que explodem em paixões. Enredos que facilmente, dependendo do grau de distração, poderiam ser piegas, mas que na mão de João Antônio viram uma realidade muito próxima do leitor.

Sempre retratando o calvário de pingentes, desde o início da leitura de cada um - digo, cada um – de seus contos, temos a sensação que o protagonista pode se transmutar em qualquer ser, seja, um burro-sem-rabo andarilho, um publicitário fracassado, um antropólogo com câncer, uma prostituta apaixonada, burguês falido, juiz de futebol ladrão, ou até mesmo um guardador de carros poeta. A curva da sua trajetória literária que principia lírica e melancólica, com Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), acaba raivosa, indignada e ressentida, em Dama do encantado (1996).

Essa fase magoada começa nos anos 1980. Talvez o ressentimento fosse com ele mesmo, vindo de um desconforto de não se achar em lugar nenhum. Nesses anos deambulou São Paulo, Rio de Janeiro, Amsterdã e Berlim, onde viveu por mais de um ano, ao ganhar uma residência literária (aliás, a mesma vencida por Rubem Fonseca e Ignácio de Loyola Brandão). Tinha se afastado da malandragem, e já não se identificava nem com os pingentes, nem como um falso figurante na desdenhada classe média, que ele sempre atacou. Esse despertencimento gradual foi mexendo com sua cabeça. 

A desigualdade aumentara no Brasil na mesma proporção da inflação e das trocas de moeda. O Botecos, antes xexelentos, com seus mictórios encardidos, agora tinham televisão que passava o futebol, e o abismo formado entre as classes, roía sua lírica da miséria. Alguns críticos diziam com certa leviandade, que ele tinha perdido a mão, repetindo o enredos e  anedotário em seus últimos livros. Entretanto, paradoxalmente, era e permanece um escritor atual. Passados 60 anos, temos em seus contos um projeto de país, que com muito jeitinho e antropofagia, descambou em uma nação dividida, violenta e proto-fascista.

Seria leviano dizer que João Antônio morreu esquecido. Sua morte foi noticiada em jornais e revistas de circulação nacional como O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Isto é e Caros Amigos. O sepultamento se deu com honras municipais. Também seria leviano dizer que morreu respeitado. Naquela década o escritor publicou os livros Zicartola e que tudo vá pro inferno, Dama do Encantado, Patuléia: gente de rua. Além disso, o livro Guardador recebeu o prêmio Jabuti em 1993.

A indiferença da crítica literária e da mídia em relação ao escritor, essas sim, provavelmente catalisaram desilusão do próprio. Mesmo que os críticos estivesses corretos sobre sua frouxidão nas rédeas da escrita dos últimos anos, jamais abandonara sua ênfase como porta-voz dos marginalizados.

JAMIL SNEGE





Título: Jamil Snege

Dimensões: 9x9Cm

Técnica: Xilogravura

Data: Dezembro 2021


Mais um da extensa lista que o Brasil fez questão de esquecer, é Jamil Snege. O escritor do Sul do Brasil, vem de uma família de descendentes árabes, por parte de pai, e italianos, por parte de mãe. Cresceu no elegante bairro da Água Verde na Curitiba dos anos 1940, e como todo o menino da sua idade, queria ser jogador de futebol. Felizmente, por inabilidade ou pura incompetência, e para felicidade de seus leitores, por volta dos 17 anos, sua paixão não foi correspondida e abandonou o sonho de ser jogador, ingressando logo em seguida no serviço militar.  

Prestou serviço militar nos anos 50, no Centro de Operações de Oficiais da Reserva (CPOR), e para felicidade de seus leitores, foi logo expulso por “falta de idoneidade moral”, como dizia o seu boletim de expulsão da época.

Após uma série de pequenos deslizes disciplinares, ele acabou provocando um incêndio num exercício de tiro. Participava de um exercício com peças de morteiro e começou imprudentemente  “levianamente”, em suas próprias palavras – a encostar a brasa do seu cigarro nas cápsulas auxiliares da munição dos morteiros dos companheiros de tropa, em Campo Largo da Roseira, colocando em risco a vida de toda a tropa. O incêndio se alastrou, pois havia um vento muito forte no momento, e todos tiveram uma tarde de muita fumaça, muito fogo e perigo de vida.

Além de escritor trabalhou com publicidade e marketing político. A propósito, formou-se em Sociologia e Política pela Pontífica Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), e destacou-se na publicidade pela ousadia e irreverência na criação de campanhas comerciais, políticas e educativas de grande êxito.  

Pode-se dizer que o “Turco”, como era chamado pelos amigos, como publicitário, ganhou a vida em sua agência de publicidade sempre promovendo os outros. Participou de diversas campanhas politicas de sucesso como a de José Richa e Roberto Requião. Richa foi eleito governador do Paraná em 1982. E no mandato, Snege desenvolveu projetos sociais de marketing, engajando-se também na campanha das Diretas Já, para a Presidência da República.

No campo literário, além da reconhecida qualidade de sua obra ficcional, notabilizou-se por recusar sistematicamente as propostas recebidas de grandes editoras, optando por financiar com recursos próprios a publicação artesanal de seus onze livros.

Alguns dizem que Snege define melhor a alma curitibana que o próprio Dalton Trevisa. Entretanto Jamil Snege sempre recusou o rótulo provinciano de escritor regionalista, com o argumento de que quando se olha para a literatura americana ou latino-americana, não existe a literatura da Carolina do Norte ou a literatura da California.

Dono de uma ironia sarcástica, enxuta, corrosiva, uma forma de heroicizar as misérias com um lirismo negativista, Snege tinha um olhar impiedoso sobre a condição humana. A diferença é que sempre escrevia com algo de auto-biográfico. Escritor reconhecido pela classe literária, publicou, entre outros, “O Jardim, a Tempestade” (minicontos, 1989), “Como Eu Se Fiz Por Si Mesmo” (memórias, 1994) e “Os Verões da Grande Leitoa Branca” (contos, 2000).

Deixem-me arder
……..Deixem-me queimar as asas
nesse vela,
nesse sol, nesse leiser que envenena
as couves embrutecidas
pela treva.
…….Deixem-me arder.
…….Se ofendo sua lógica,
sua prosódias, seus anéis
de sempre elegante curvatura,
esmaguem minha musculatura
e os ossos que a sustêm.
…….Mas me deixem arder
…….Deixem-me arder de infinito
nesse iníquo delíquio
de existir.
…….E se os ofendo,
soprem minhas cinzas,
derramem minha lixívia,
mas me deixem auferir
as estrelas como o úmero roto
açoita o músculo que seu vôo
desencanta.
…….Deixem-me luzir
definhar meu luminoso espanto
onde só lhes é permitido
sobraçar espasmos
e guarda-chuvas.
…….E seu eu venha a ferir,
opacos, o lusco-fusco
de seus baços,
o hálito de hortaliças,
o bolor de queijo
que amadurece em seus
atrios
absteçam-me de mil insultos
…….
Mas me deixem incender.

SABOTAGE



Título: Sabotage

Dimensões: 9x9Cm

Técnica: Drypoint, Etching

Data: Dezembro 2021



Mauro Mateus dos Santos nasceu na periferia de São Paulo 3 de abril de 1973 e morreu assassinado na mesma cidade a 24 de janeiro de 2003.  Nestes breves 29 anos de vida, o poeta ficou conhecido pelo seu nome artístico Sabotage, Mauro Mateus fez de tudo um pouco. Foi poeta, traficante de drogas, rapper, cantor, compositor, e ator brasileiro. A origem do apelido Sabotage deu-se por ter quase sempre conseguindo burlar as normas com algum êxito, como entrar em bailes, festas e boates sem permissões, e sair ileso de inúmeras confusões e brigas. Artista que combina raramente fineza e simplicidade numa prosa agilíssima, Sabotage foi criado na favela do Canão, capital paulista. Cresceu e viveu numa cidade que mata em média mata 700 pessoas por ano, em meio à criminalidade, à fama, o descaso, à morte e o sucesso. Começou a trabalhar aos 8 anos em seu primeiro emprego, como “olheiro” - nome dado aos que trabalham do tráfico de drogas avisando aos chefes locais quando a polícia se aproxima. Filho mais novo de 3 irmãos, teve um dos irmãos mortos, após fugir da cadeia, e outro, dominado pela loucura do alcoolismo. Mauro, pai de 2 filhos, nasceu na Zona Sul de São Paulo, onde, depois de ter sido assaltante e gerente de tráfico encontrou a saída no rap, entrando na música e percebendo o seu verdadeiro dom. 

Sabotage fez um único disco solo, o “Rap é Compromisso!”, e participou de vários CDs com grupos como  RZO, SP Funk e outros. Seu único disco, de 2001, é um marco na historia da poesia Hip-Hop brasileira. Considerado uma lenda na Zona Sul, ele inspirou vários rappers, como Rhossi, Pavilhão 9, além de ter ensinado Paulo Miklos, cantor de ascendência húngara da banda de rock Titãs, como ser um malandro de verdade, no filme "O Invasor", de Beto Brant, com quem escreveu até uma música.

Sua música, mistura letras inteligentes, frases contundentes e rimas ágeis, com ritmos que não necessariamente são apenas de rap, mas também gêneros como o Samba, Rock, e Música Eletrônica.

Também fez parte de dois filmes, o já citado "O Invasor", e o premiado "Carandiru", além de ter recebido vários prêmios, como personalidade, revelação e outros no Hútus, o grande festival de premiação de rap no Brasil. Vale ressaltar que Sabotage era o próprio compositor e cantor de suas músicas. Em toda sua carreira, compôs dezenas de trabalhos e alguns deles se tornaram uma espécie de hino para jovens da periferia. Para muitos, Sabotage é uma rica expressão da constante luta que o pobre enfrenta diariamente para viver dignamente e isso fez com que vários outros artistas usassem suas obras como samples, colagens e scratches de seus trabalhos".

Na manhã do dia 24 de janeiro de 2003, em frente ao número 1877 da avenida Professor Abrão de Morais, no bairro da Saúde, próximo a sua casa, Sabotage levou sua mulher, Maria Dalva da Rocha Viana, ao ponto de ônibus. Na despedida, disse à esposa que iria para o Fórum Social Mundial, na cidade de Porto Alegre. Após entrar no carro, segundo testemunhas, foi abordado por um homem que disparou 4 tiros: dois na coluna vertebral 1 na mandíbula e 1 na cabeça. Encontrado horas depois, aos seu lado havia uma máscara preta. Muito se especulou, maliciosamente, à época sobre algumas possíveis causas de seu assassinato, entre elas, o envolvimento do rapper com o mundo do crime quando era mais jovem. A falsas acusações, entretanto, são veementemente negadas por seus amigos e familiares, haja visto que Sabotage tinha desistido da vida criminosa por volta de 10 anos antes de sua morte.

 Em 2016, 13 anos após sua morte, o álbum que leva o mesmo nome do cantor foi lançado no serviço de streaming Spotify. Nele estão diversas canções feitas na semana em que o rapper foi assassinado.

Sai da Frente 

Sai da frente, o mar, não tá pra peixe, entende?

Minha gente, quem não for do corre, sai da frente
As águas, sei, tão turvas, aqui ou no Oriente
A fome em Sampa arruína, esmagadora, brava gente
Click-clack-bang
Sai da frente, gente
Bala perdida é igual cadeia, a dor ardente
Me disseram: "O sol nasceu pra todos"
Pra quem será que dizem, mano?
Pra nós os pobres ou pro simples tolo? "