Sunset Park


Terminada a leitura do último livro de Paul Auster, Sunset Park – ainda sem tradução par ao português -, é minha vez de dizer que é impossível transmirtir o que eu também senti, não apenas às primeiras páginas, mas nos seus capítulos seguintes que percorrem, esmiúçam, radiografam a alma de uns dez personagens em quase todas suas poucas grandezas e muitas misérias.

O livro centra-se na estória de Miles Heller, um jovem de 28 anos, e que aos vinte rompeu todos os laços o ligavam a familia e a Nova Iorque. Deixou a universidade e embrenhou-se pelo meio dos Estados Unidos, deixando uma breve e enigmática nota de despedida aos pais. Por muito tempo ninguém ouviu falar dele. Desde então peregrinando de cidade em cidade, fixou-se na Flórida, dedicando-se a trabalhos pesados, de baixa qualificação e baixo soldo. Vive uma vida simples trabalhando como “trashing out,” o único trabalho que parece prosperar num país afetado brutalmente pela crise da bolha imobiliária. Seu trabalho consiste em limpar os imóveis liquidados – outrora pertencentes a pessoas que não puderam arcar com suas hipotecas - prestes a retornarem aos bancos.

Solitário e deslocado em qualquer dos mundos que possa habitar, Miles, para além de limpar e pintar as casas desapropriadas, fotografa-as, retendo em suas máquina digital as pistas das vidas dispersas que um dia pertenceram àquele lugar, os fantasmas de pessoas que ele nunca conheceu ou conhecerá e que estão presentes nos objetos dessas casas, agora, vazias e abandonadas. Dos restos do desespero do pouco que ficou para trás, abandonados na solidão silenciosa de uma casa cheirando a mofo, suas fotografias não servem para nada. Seus anos de estudo na universidade, menos ainda. É um cara sem ambição, que vive com o mínimo necessário para viver e que mantém relações escassas com o mundo. Miles encontra o conforto para esse mundo em desolação na sua máquina digital, nos livros, que compra em edições baratas em sebos, e evidentemente, nos braços de Pilar Sanchez, sua namorada latina, com certos traços de Lolita, a quem conheceu exatamente quando ela lia, pela primeira vez, o The Great Gatsby num parque. Ele, já na terceira leitura, já que o pai o presentara quando tinha 16 anos, lançou toda a sua lábia literária para conquistar a moça de generosas ancas.

Miles, se apaixona por Pilar, mas como ela é menor, passa a ser chantageado pela irmã da moça para que roube objetos das casas nas quais ele trabalha, caso contrário ela o denuncia à polícia como um pervertido. Sem escolha, Miles retorna para NY a convite de seu amigo Bing, que vive numa casa abandonada no Brooklyn, em Sunset Park.

Na casa vivem Bing, um cara que se dedica a consertar objetos obsoletos, tais como relógios, máquinas de escrever e aspiraradores de pó; Alice, uma estudante de doutorado que prepara uma tese sobre o filme de William Wyler, The Best Days of Our Lives, como a síntese da história recente americana; e Ellen, que trabalha ironicamente numa agência imobiliária enquanto tenta sua carreira de pintora. Todos têm um quê de frustração. Todos, em certa medida, precisam uns dos outros naquela casa.

Juntar-se aos companheiros de Sunset Park, é tentador. Mas tem um preço alto para Miles que é o de reencontrar a cidade e a família que deixou para trás. Nesse estranho retorno ao passado Miles reencontrará o pai - um dos temas recorrentes na literatura de Auster – Morris, o um dia bem sucedido editor independente que agora vive as consequências da crise financeira que abate o mercado editorial; a madrasta, que o responsabiliza pessoalmente pela morte de seu filho; a mãe, Mary-Lee, uma atriz auto-centrada, sedutora – jogando com o próprio filho - com algo de beckettiana, que nunca deu muita atenção para o guri; e o padrasto, que tem de se sujeitar a dar aulas na Universidade da California por ter tido sua carreira de cineasta independente frustrada pela crise.

Confesso que me assustei, pois para um escritor americano que, ainda que escreva de NY – ou seja, um lugar que não pertence aos Estados Unidos -, escreve para um público alérgico a personagens derrotados, pior, avesso a personagens que não se redimem do meio para o final, o livro deixa falsas pistas. Auster, nesse livro, resvalou. Quase me deixou a sensação que iria usar do artificio baixo de justificar a fuga de Miles expondo desde o começo as premissas examinadas para compor sua ‘fuga’: ou seja, a morte acidental de seu meio-irmão, na qual ele esteve envolvido.

Me assustei mais ainda com a tentativa de Auster impor uma relevância política à voz dos subalternos, num esforço de engajamento no mundo em recessão. Felizmente essa segunda impressão foi logo desfeita pelos fetiches do próprio escritor que sempre cria um oprimido, para além de outsider, sempre com algum traço artístico.

Desaponta, sem dúvida, a falta de profundidade psicológica de personagens tão interessantes como Bing, Elen e Alice. A insistência nos detalhes sobre a história do Baseball, como amálgama da relação entre pai e filho, por vezes também se torna enfadonha. Mas em todo o caso, não deixa de ser um livro sobre a inocência da juventude, sobre a estranha sensação de estar vivo, como algo desconfortável.

Marota tradução do primeiro parágrafo...
"Por quase um ano, ele vem tirando fotos de coisas abandonadas. São pelo menos duas ordens de serviço por dia, e as vezes seis ou até mesmo sete, e a cada vez que entra numa casa, se depara com as coisas, com os inumeráveis objetos deixados para trás por famílias que partiram. Os ausentes fugiram com pressa, envergonhados, confusos, e certamente onde quer que vivam agora (se é que encontraram um lugar para viver e não estão vivendo nas ruas) seus lares são menores do que perdido. Cada casa é uma estória de fracasso – de falência, de inadimplência, de dívida - e ele assumiu que deveria documentar os últimos e persistentes traços dessas vidas para demonstrar que essas famílias desaparecidas estiveram ali uma vez, que os fantasmas dessa gente que nunca verá e que nunca conheceu, estão ainda ali, presentes nos restos de coisas desfeitas de suas casas vazias[...].”

"For almost a year now, he has been taking photographs of abandoned things. There are at least two jobs every day, sometimes as many as six or seven, and each time he and his cohorts enter another house, they are confronted by the things, the innumerable cast-off things left behind by the departed families. The absent people have all fled in haste, in shame, in confusion, and it is certain that wherever they are living now (if they have found a place to live and are not camped out in the streets) their new dwellings are smaller than the houses they have lost. Each house is a story of failure — of bankruptcy and default, of debt and foreclosure — and he has taken it upon himself to document the last, lingering traces of those scattered lives in order to prove that the vanished families were once here, that the ghosts of people he will never see and never know are still present in the discarded things strewn about their empty houses."

Nota. Foto. Casa Abandonada. Barrio de Campos. Galiza/Janeiro/2011.
Música do dia. Barracão. CD. Brasileirinho. Grandes Encontros do Choro Contemporâneo.

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O Lugar dos Zé Manés no Mundo do Trabalho

Um dos grandes dilemas do homem que trabalha, que se esforça numa jornada de 8, 9, 10 horas por dia e volta para a casa esperando no fim do mês por um salário que muitas vezes, simplesmente, não dá, não é mais o cerne da questão no mundo do trabalho. Não, não é. O que nos torna reféns do devir, hoje, é o medo de perder o emprego num mundo do trabalho sem ética.
Para Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova Iork e da London School of Economics e autor também do ensaio Carne e Pedra, O Declínio do Homem Público e The Hidden Injuries of Class, estamos imersos numa nova face do capitalismo que afeta o caráter de indivíduos em seus mais sutis detalhes na vida pessoal. E um dos pontos de partida, para que Sennett sustente seu argumento, reside exatamente a falta de condições para que o homem contemporâneo construa uma narrativa linear de sua vida profissional e pessoal, sustentada na experiência - como a daqueles dos anos que o Fordismo vigorava.

A “CORROSÃO DO CARÁTER – conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo,” lido em português, afanado por meu caráter corroído, da casa de minha prima, é trabalho muito bom, dividido em oito didáticos breves capítulos, onde se define a nova idéia de tempo capitalista, e se mostra as dificuldades de se compreender as novas relações de trabalho num mundo onde as referências e a ambição individual – ou a muitas vezes confundida, luta pela sobrevivência - é cada vez mais anti-ética. Além disso, o livro trata dos aspectos mais psicológicos dessa diluição do caráter. Os sentimentos despertos nos indivíduo como o fracasso, o desnorteamento, e a decorrente depressão.

O livro, apesar de ser anterior à bolha imobiliária que afetou Estados Unidos e União Européia de maneira violenta, é muito atual com até um certo ar de saudosismo. O autor começa a exemplificar seu argumento logo nas primeiras páginas com a estória de Enrico, um imigrante que fundou uma família e a sustentou com os esforço – sem querer ser piegas – de seu trabalho e seu suor. Enrico era o típico exemplo de trabalhador fordista. Tinha um emprego rotineiro e repetitivo, baseado no uso disciplinado do tempo. Através de seu salário, sustentava sua família e mesmo sem grandes perspectivas de ascensão profissional – devido à sua condição de imigrante e baixa escolarização – sentia-se à vontade em seu trabalho baixamente qualificado mas relativamente estável, pois contava com uma rede de proteção sindical bastante eficiente. Através desse trabalho Enrico podia contruir uma narrativa composta de estórias cumulativas de vitórias e até mesmo derrotas em sua vida. Já com seu filho, Rico, e com sua nora, a estória é outra. Ambos são profissionais qualificados num ambiente de crise econômica, o que os obriga muitas vezes a term empregos em cidades distintas, obrigando-os a viajar de avião pendularmente. Ou seja, Rico se esforça para não demonstrar nenhum laço ou vestígio com o universo do trabalhado braçal ao qual o pai pertencia. No novo Sonho americano Rico quer fugir da rotina. O grande problema é que esta rotina baseada no tempo linear foi substituída por novas formas de domínio e controle, mas Rico não se dá conta disso. Rico, com um trabalho muito mais intelectualizado que o pai, e educado para ser um trabalhador muito mais competitivo, tem uma rotina de incertezas e mudanças constantes.

Sennett compara, não por acaso, esse dois modelos de trabalhadores. O trabalhador fordista, burocratizado e rotinizado, que planeja sua própria vida familiar e suas metas se baseando em um tempo linear, cumulativo e disciplinado, e que constrói sua própria história e expectativas a partir de uma perspectiva de longo prazo. E o trabalhador flexibilizado do capitalismo das últimas décadas, que muda de endereço freqüentemente, que não estabelece laços duráveis de afinidade com os vizinhos, muda de emprego e de casa constantemente, ou seja, vive uma vida de incertezas e descartável, mas acima de tudo de laços frágeis. O trabalhador flexível não possui laços duráveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, a dificuldade de se estabelecer laços duráveis está corrompendo o caráter e como isso acontece é demonstrado ao longo do ensaio.
Neste sentido, Sennett considera que a sociedade se depara com a ponta de um dilema. O problema do antigo trabalho rotineiro com o da reestruturação do tempo implicam em instituições mais flexíveis, criando novas formas de poder e controle. Essas novas formas de flexibilização geram um movimento estrutural de reinvenção institucional, de ruptura do presente com o passado de forma a minar a burocracia aumentando o grau de especialização, num mercado que ocupa apenas temporariamente um nicho de consumidores.

Com isso as formas de controle do RH mudam também. O trabalho em casa, o chamado teleworking, toma o lugar do trabalho no escritório; “o controle face-aface” cede ao controle eletrônico de troca de emails e mensagens diretas. Isso, espelhado num trabalho em equipe, parece dar mais libertade ao trabalhador, ludibriado pela falsa idéia de que a concentração de poder sem centralização dá ao trabalho em equipes, maior controle sob o trabalho que se desenvolve. Grande balela! Sennett afirma que isso é conversa pra boi dormir, pois na verdade quem decide o que fazer e quando, ainda é o capitalista, restando aos trabalhadores apenas o refugo das decisões de como realizar as suas atividades ASAP, ou seja, “rapidinho mermão senão você roda.”

A aparente liberdade dada ao trabalhador através do trabalho em equipe, sem o patrão por perto para vigiá-lo, na verdade colocou o trabalhador ainda mais sob o jugo do capitalista, já que a atomização cada vez maior das suas tarefas fez com que este não se precisasse mais de tanto treinamento. Como conseqüência, deixou de possuir o domínio sobre seu emprego, por isso ele sempre está mudando de área, e como já não possui vínculos fortes com suas tarefas na empresa, muda de função e até mesmo de emprego de manaira mais fácil e rápida.

Toda essa flexibilização aparentemente positiva tem uma outra face que afeta o indivíduo, conceito que sociológicamente poderia ser descrito como o “Zé Mané”. O Zé Mané é esse cidadão que se mata de trabalhar no mundo flexibilizado e que não se dá conta de uma coisa muito grave.... a corrosão de seu prórpio caráter.

Segundo Sennett, o caráter é mais ou menos algo que lembra vagamente, na ética aristotélica, “o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros, ou se preferirmos ... são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem.” Buscar essa coesão de significado é algo que era possível no mundo de Enrico, mas não no de Rico, seu filho. Por que?

Bom, primeiro por que o trabalho flexível leva a um processo de degradação dos antigos profissionais de ofício (o velho trabalho do técnico, do especialista em alguma àrea...), à degradação das metas de longo prazo, à tolerância, e por fim a flexibilização do caráter também. A nova ordem do mundo da produção concentra-se na capacidade imediata, não leva em conta que acumulação da experiência. Daí a preferência do capitalismo pelos mais jovens, como Rico, por serem mais adaptáveis às formas flexíveis de trabalho.
A questão é… até então, na crista da onda, Rico se sentia afetado por isso?
Claaaro que não. Rico não passa de um Zé Mané.

Um Zé Mané de classe média não conseguia ver os riscos desse mundo com o qual corroborou, pois mesmo com seu caráter, cheio de grafite, já mais oxidado que uma canalização de ferro fundido, só via que no jogo capitalista atual todos acreditam ser potenciais vencedores, e sabem que os vencedores fazem parte de um minúsculo grupo, e que portanto não se mexer é condenar-se ao fracasso. Mas tem gente que fracassa e Rico ainda não era um destes.

Ele acrditava que o trabalho em equipe gera um novo tipo de caráter, onde o homem motivado é o homem irônico, que ganha prosélitos nas esferas superiores, e em decorrência de viver em um tempo flexível, sem padrão de autoridade por perto e com responsabilidade voláteis, não consegue se reconectar com a ética e o respeito ao próximo.Mas tampouco isso é algo que o afete tão profundamente. O Zé Mané de Rico estava na crista da onda. O problema é como construir essa nova história de vida sem valores muito sólidos, e em um capitalismo em que as pessoas estão nesse mesmo barco à deriva. A resposta para esse estado de natureza, esse salve-se quem puder, esta na maneira como as pessoas enfrentam o fracasso.

Para Rico, a resposta veio com o sentimento de esvaziamento, frente ao medo de perder o emprego. Até aí tudo bem, pois esse era um medo do seu pai também, e de qualquer outro homem e mulher com ou sem juízo – como eu ou você, meu caro leitor. Mas, em Rico foi mais profundo pois numa dessas fases de desemprego sentiu mais dificuldade em se recolocar no mercado percebendo que perdeu o contato com a moral social e cultural. Caiu na real pois seu pai frequentava um clube de imigrantes onde ele tinha amigos com os quais ele conversava sobre os mesmo temas. Rico, forçado a constantes viagens e a muitas horas de trabalho, não tem vida social. Portanto, percebe que não tem com quem dividir seu drama.

Fracassar é ruim. Lógico. E como diria Alvaro de Campos, “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.” Mas o fracasso é algo que atinge as pessoas e para superá-lo é necessário compartilhar a experiência do fracasso com um grupo ou uma comunidade para que este adquira um senso de coerência coletiva e não passe apenas como uma injustiça sofrida por um indivíduo. Isso o pai de Rico tinha esse senso. Rico, não, mas como é um Zé Mané, ainda estava jovem, na crista da onda, com os filhos relativamente pequenos, só se deu conta do buraco em que estava mais tarde.

O grande mérito de Sennett foi o de aproximar a teoria sociológica do leitor comum. Ele consegue demonstrar como esta corrosão acontece gradativamente utilizando exemplos reais, de operários, prestadores de serviço, e desempregados da IBM, ao optar pela narrativa e não puramente o uso de estatísticas e tabelas. Sennett consegue dar vida as hipóteses de planilha mostrando que as novas relações do novo capitalismo flexível corromperam e corrompem o caráter do ser humano. Mais ainda, ao demonstrar esses exemplos reais de atomização das relações humanas e trabalhistas, Sennett mostra que o homem do novo milênio sofre com a própria construção de sua narrativa de vida e narrativa histórica pois o cabra fica impossibilitado, sem padrão e nem responsabilidade.

Hipóteses como a de um Rico em dois tempos, em duas entrevistas, uma anos atrás e uma recente, Sennett descobriu duas pessoas. Dois Ricos. O primeiro arrogante, sentado ao seu lado num vôo local pelos Estados Unidos. No outro, um Rico mais modesto, workaholic sem tempo para se dedicar à educação dos filhos, sem saber se os filhos estão na escola ou se estão o dia todo zanzando pelos shopping centers ao arbítrio dos perigos que rondam adolescentes num país onde tudo é muito fácil se conseguir, e mais fácil ainda se corroer. O trabalhador flexível não possui laços duráveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, a dificuldade de se estabelecer laços duráveis, num universo onde o poder existe mas onde a autoridade é invisível, está corrompendo o caráter. Ou seja, um Rico menos Zé Mané... mas, devido ao seu isolamento, seu caráter completamente enferrujado, chega um pouco atrasado para pegar a tempo seu bonde na História.


A questão mais profunda para um Zé Mané como Rico é... "Que lugar ocupo eu, no Mundo do Trabalho?"



Música do dia. Roda Viva. Chico Buarque.
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Caminho Noturno

Ludwig Hohl é um autor suiço que viveu no século XX, e que em seu tempo foi completamente outsider. Viveu a maior parte de sua vida em extrema miséria, miséria suiça obviamente. Estudante problema, largou a escola e se bateu boa parte da vida contra o problema do alcoolismo. Consta que recebeu uma herança e casou cinco vezes, perdendo a herança e as cinco mulheres, gradualmente, no decorrer da vida. Na vida, deixou uma filha e ao que me consta pouco mais de meia dúzia de livros entre contos, poesia e aforismos.




Um desses livros é o ótimo Camino Nocturno, traduzido para o espanhol pela editorial minúscula. Um pequeno livro com nove contos enigmáticos, escritos entre 1931 e 1937, com temas que giram em torno ao desamparo do ser humano, os diversos graus de incomunicabilidade do dia-a-dia e, obviamente à miséria e o egoísmo humanos. Os seis primeiros contos, são uma espécie de parábola de difícil penetração em sua moralidade, algo que me deixou com a meditação sobre a condição da nossa miséria e dos nossos ao nosso redor. Como no conto El erizo, um animal meio mutante, que é criado com todo o carinho por um casal que o trata com todo o carinho como se tratara de um bebê, logo quando de sua chegada, e que aos poucos vai crescendo em formas disformes e bizarras, detido no sótão da casa, transformando-se numa espécie de javali ou fera que na mínima oportunidade é capaz de devorar os pais adotivos. O mesmo hermetismo encontra-se em La hoja, quando um homem se vê impedido ou adia voluntariamente uma decisão em virtude da contemplação de uma folha que se cai de uma àrvore. Proposital ou acidentalmente, a série de eventos em volta de um ponto de fuga, determina a procrastinação do protagonista desse conto que é brev[issimo mas de um profundo significado para aqueles que acreditam que acima de tudo há metafísica suficiente, mais em não fazer nada que em não pensar em nada! Já a partir do sétimo conto, Hohl deixa a contemplação de lado e parte para o lado prático da vida com protagonistas mais tangíveis como é o caso de La borracha, que em tradução para um português mais erudito poderia ser expressa por A Manguaça, uma mulher que trabalha com seu marido num pequeno bar, mas que em virtude das constantes crises e recaídas, torna a vida dos fregueses e do próprio marido um inferno com cheiro de gin e cebola.


Como deduzível, o trabalho de Hohl nunca foi comercial, e por vezes para um leitor brasileiro que confunde o Espírito hegeliano com os batuques de um cambono no fundo do terreiro, pode até sentir uma certa aversão à profundidade e à falta de humor. Mas é um escritor que de alguma maneira se torna necessário nos dias de hoje, quando tudo é tão prêt-à-porter.

Música do dia. Luar do Sertão. Catulo da Paixão Cearense.Paulo Tapajós e Coral do Joab da Turma do Sereno.

os culpados pela música brasileira ser o que é...


Brasileirinho Encontros do Choro Contemporâneo
Lida - Yamandu Costa
Yamandu Costa + Dominguinhos
Violão Brasileiro - Rogério Souza
Brasilianos 2 - Hamilton de Holanda
Intimo - Hamilton de Holanda

Orlando Henriques:Gaudí, una altra mirada


 Fotografia é realmente algo que me atrai, e quando associada a uma web ou um blog, mais ainda. E numa cultura onde o texto vale cada vez menos, o sujeito como eu que se dedida diletantemente a ambas formas de comunicação que estão a caminho do fim da linha, encontra consolo no fato de que o mundo da web e da imagem digital sejam facilmente redutíveis ao texto e à vã prevalência daquela sobre o texto. Orlando resiste e esconde narrativas de amor a suas imagens em suas images TIFF e JPEG.

Orlando Henriques

Os Dragoes Escandinavos


É provável que a minha simpatia pela trilogia de Stieg Larsson tenha sido reforçada pelo meu caro apreço compartilhado pelo universo que raquers e que o uíquilíqui mostrou em toda a sua extensão nessas semanas – aliás, sem trocadilho, tá engraçado pra caramba ver todo mundo tentando explicar o embaraço causado pelo lEiTe DerRRaMadO, após Rílari ter ignorado o presbiterianismo intenacionalista dos 14 pontos do camarada Woodrow Wilson - falo do que ninguém fala, aquela espionagenzinha boba na ONU, tipo assim, aquela que fizeram na época para invadir um determinados país vizinho de um outro país que ao que tudo indica sera a bola da vez....


Por mais ridículo e cambaio que tenha sido meu mês de novembro, dividindo meu tempo entre a abrasiva realidade da violência no Rio de Janeiro e a leitura de uma trilogia sobre um jornalista oportunista fazedor de chalchichas e uma haker débil mental, valeu a pena. Afinal, citando Pessoa, tudo vale apenas quando a alma não é de menas.


Não se trata de literatura, longe disso. As mais de 2100 páginas da trilogia escrita pelo sueco são um puro entretenimento que nos leva a crer que - citando Hamlet, obviamente - há algo de podre no reino da Suécia. Mesmo assim há técnica narrativa. Acho que é isso. Trata-se de uma técnica de não deixar espaços vazios ou fios do enredo soltos, muito mais que uma preocupação com o texto. Para preencher esses espaços vazios ele evoca os fatos, apenas fatos.


O primeiro livro (Men Who Hate Women) talvez seja mesmo o melhor da trilogia. Como nos melhores contos policiais, pouco dos investigadores-protagonistas e muito do enredo é revelado. O livro começa com uma intrigante cena. Henrik Vanger, um empresário aposentado, desses podres de ricos, recebe um quadro com uma flor. No seu escritório há 43 dessas flores secas. As sete primeiras foram dadas por sua sobrinha Harrier Vanger. As demais são enviadas anonimamente todo o ano de diferentes parte do mundo, certificadas pelo carimbo dos correios, sempre no dia do aniversário da sobrinha, que desapareceu há mais de trinta e seis anos da ilha onde a família Vanger vive até hoje. As investigações policiais nunca deram em nada. Jamais conseguiram chegar a uma conclusão sobre seu assassinato pois nunca encontraram seu corpo. No dia em que ela desapareceu havia uma celebração cívica e um acidente, e a única ponte que ligava a ilha ao continente estava interditada. O que eliminava a hipótese de que o suposto assassino tivesse sumido com o corpo. Desde então, o tio Henrik Vanger é obcecado pela solução deste caso.

Mikael Blomkvist é um jornalista de meia-idade que anda na lona após ter denunciado, difamado e caluniado um empresário, meio no estilo Veja, sem ter provas – mais tarde acaba-se sabendo por um enredo secundário que o tal de Hans-Erik Wennerstrom é verdadeiramente um mau caráter que se dedica à lavagem de dinheiro. Mas nessa altura, Blomkvist ainda é um jornalista desacreditado e sem muitas opções profissionais, por esse motivo ou apesar dele, acaba por aceitar o convite de Henrik para desvendar o desaparecimento de sua sobrinha.

Henrik contrata a empresa de investigações de Dragan Armanskij para fazer um levantamento da vida de Blomkvist. Na empresa trabalha uma das investigadora esquisitona chamada Lisbeth Salander, uma moça meio punk, meio pan, meio cheia de peircings e tatuagens, meio totalmente anti-social, meio toda magrela e vista assim a distancia meio retardada. Ela é a responsável pelo dossie a respeito de Blomkvist que Dragan entrega ao advogado de Henrik antes que este o contrate.

Por conta dessa investigacao, os dois acabam se encontrando. Ou melhor, Blomkvist descobre que havia sido investigado por Salander por encomenda de Henrik. Fica indignado, mas como eh compulsivo e nao consegue mais se livrar da investigacao, que se entranhou em seus poros, nao desiste do caso. Ainda assim vai ateh a casa de Lisbeth para tirar uma saxtixfacao com a moca. Os dois acabam se entendendo e vindo a trabalhar juntos. Ela com suas habilidades de haker vai a procura dos detalhes que Blomkvist não consegue desvendar apenas com a lógica.

Evidentemente que não vou revelar os detalhes mais importantes da trama que é otima, mas depois desse livro, quando você vir um Volvo passando pela rua ou uma estante da Ikea, você vai ficar pensado nas, vamos chamar assim, virtudes da convivência familiar escandinava. E olha, meu amigo, a família Vanger e podre. Mas como no meu caso, tendo Nelson Rodrigues, Carlos Zéfiro e acima de tudo Jenival Lacerda como figuras tutelares para minha moral - em lugar de Lia Luft - nem fiquei tão impressionado assim com o livro.

The Girl with the Dragon Tattoo, o segundo livro da série, é mais centrado em Lisbeth Salander. Ela agora vai ganhando contornos mais humanos e percebe-se mais seu entorno e suas reações. Acima de tudo, descobre-se sobre seu passado e sobre o acerto de contas com seus, diríamos assim, fantasmas.

No início da estória Lisbeth desapareceu. Com a grana que ‘ganhou’ em suas atividades de ráquer no caso Hans-Erik Wennerstrom, se mandou da Suécia para esquecer a relação com Blomkovist. Está numa praia do Caribe curtindo a vida, estudando equações matemáticas – coisa boba, puff, tipo teorema de Fermat e aritmética de Diofantos. De quebra ajuda uma mulher a se livrar, ainda que acidentalmente, do marido canalha, durante um furacão e usa o tempo livre para fazer operções finaceiras on-line.

Mikael Blomkvist, livre da cadeia, tendo desvendado o paradeiro de Harrier Vanger, e tendo seu nome limpo ao desvelar a verdadeira face criminal de Hans-Erik Wennerstrom, volta à Millenium fortalecido. Nas mãos tem uma reportagem sobre tráfico de drogas (que na Suécia, ainda é um escândalo!) e prostituição de mulheres procedentes do Leste Europeu. O responsável pela investigação jornalística é Dag Svensson, um jovem jornalista, e sua esposa Mia Bergman, especialistas em criminologia.

O aprofundamento das investigações jornalisticas levam a uma máfia encabeçada por um homem misterioso chamado Alexander Zalachenko, ou apenas Zala, um ex-dissidente soviético, que pediu asilo político na Suécia nas vésperas do Social-Democrata Olof Palme deixar o poder. Meio X9, meio alcaguete, Zalachenko, a princípio, seguindo-se a linha de investigação de Blomkovist, acredita-se que ele só tenha alguma conexão com a investigação de Dag Svensson sobre prostituição e cafetinagem. Entretanto, há muito mais coisa feia. Várias vezes há insinuações sobre a suposta relação da chegada de Zalachenko à Suécia e o assassinato de Palme – principalmente no terceiro livro, quando ele está na berlinda e começa a ameaçar Säpo, a puliça secreta sueca, com a velha máxima “vô contá tudo que eu sei”. Fato é que a Zalachenko, não apenas por ter vindo de onde veio, numa época que um comunista e soviétivo era mais temido que um javali contrariado, mas por que trouxe com ele segredos, já que era da inteligência militar russa, contava com uma proteção especial.

Neste terceiro e último volume da série, The Girl Who Kicked the Hornet's Nest. Lisbeth está chumbadona. Literalmente. Tomou um monte de tiros e um deles justo na cabeça. Está entre a vida e a morte internada num hospital. No quarto ao lado, seu maior inimigo, Zala – não posso revelar por razões ético-carnavalescas quem é o tal de Zala pois e nesse fio que se sustenta tuda a trama do segundo volume. A moça está em apuros. Está internada, e assim que sair do hospital – se sair – deve responder por um processo de tentativa de triplo assassinato de Zalachenko.

Mikael Blomkvist evidentemente não crê nas acusações e vai a procura de respostas para limpar o nome da moça. Para isso, conta apenas com a ajuda da equipe de Millenium - agora sem sua editora chefe, centrada em sua ambição, que foi para outra revista maior –; de Annika Giannini, irmã de Mikael, advogada especializada em defender vítimas de crimes contra a mulher; e o inspetor Jan Bublanski, que começa a investigar o caso seguindo uma linha distinta da promotoria liderada por Eriksson se eu não me engano, já que a quantidade de personagens nos três livros deve ser duas vezes maior do que o número que pessoas que já passaram pela minha vida, contando aí o seu Bijú, temido inspetor do CEFET, o mudinho Hélio com quem eu trabalhei muitos anos, e muitos outros.

Enquanto Erika Berger está totalmente imersa numa luta pelo poder e estratégias comerciais em seu novo jornal, o Svenka Morgon-Postenm Mikael está só e desorientado na investigação daquilo que começa a se conigurar como um complô contra Lisbeth. Confiar no Estado – no Aparelho do Estado como diria o bão e véi Althussé – não é uma saída muito lógica, já que as acusações que pairam sobre Lisbeth são graves.

O segredo comercial de Stieg Larsson? Para mim são dois, além do talento apenas de ser um bom e competente contador de estórias. Primeiro, os desdobramentos a trama principal. São inúmeros (perdão da má palavra!) sub-plots, que ele vai abrindo e fechando com precisão milimétrica. Ele absolutamente não deixa nada de fora, mesmo criando uma in-fi-ni-da-de de personagens que circundam a trama principal. O cara se dá ao luxo até de tornar um faxineiro, um neuro-cirurgião, e um cidadão com síndrome de imunidade a dor, personagens fundamentais em determinada parte da trama. Segundo, os detalhes. Mesmo com essa quantidade imensa de personagens, ele detalha-os de maneira precisa, dando-lhes individualidade. E as sequencias de fatos, sem divagações sobre a psicologia dos personagens, afinal cada livro tinha apenas 700 páginas. Não dá tempo...

Ontem também, assisti o terceiro filme da série. TODOS os três. Péssimos. A impressão que tive em todos os três é que os diretores – diferentes em cada um deles – foram incompetententes e desleixados, deixando um monte de detalhes fora da narrativa filmica. Enfim, acabou.

Filmes de 2010

Lista Parcial dos Filmes, Operas e Documentários de 2010.


The Life of Emile Zola


Orlando


The Girl Who Played with Fire


Greenaway: The Shorts


H

Memories of Murder


The Girl with the Dragon Tattoo


The Secret of the Grain


Cria Cuervos


Henry & June


Henri Cartier-Bresson: The Impassioned Eye


Lady Vengeance


El Bola


Sympathy for Mr. Vengeance


Camille Saint Saens: Samson et Delila


Mamma Roma


Le Corbeau


Elling


Army of Shadows


Il Posto


The Sorrows of Gin


Les Miserables


Elegy of the Land


Sanshiro Sugata


The Men Who Tread on the Tiger's Tail


The Bothersome Man


Golden Door


Junebug


Love and Anger


Disgrace


The Station Agent


Hawaii, Oslo


Fedora (Metropolitan Opera)


Cavalleria Rusticana / Pagliacci


A Girl in Black


Samson et Dalila


Ernani


Thais


Rossini: La Cenerentola


Otello


Donizetti: L'Elisir D'Amore


Don Carlos


Nabucco


Inglourious Basterds


Lucia di Lammermoor


Julia


Adaptation


The Little Foxes


Bye Bye Brazil


Cet Amour-La


Of Human Bondage


To the Left of the Father


Flame and Citron


Blind Chance


Children of Heaven


Ikiru


Grupo Corpo: Dance Theatre from Brazil


The Night of the Shooting Stars


You Laugh


Elective Affinities


The Barbarian Invasions


The Decline of the American Empire


Ginger & Fred


City of Women


Thirst


Quiet Days in Clichy


Orchestra Rehearsal


Crisis


The 3 Penny Opera: Bonus Material


Torment


The Prefab People


Autumn Sonata


Family Nest


Werckmeister Harmonies


Hour of the Wolf


The 3 Penny Opera


Almanac of Fall


The Outsider


Children of a Lesser God


Damnation


Children of Paradise


Therese Raquin


Wagner: Siegfried

As UPPs de Frederick Wensley contra a preguiça Serpico


Sem desconsiderar Scarface e o próprio Poderoso Chefão, ainda penso que Serpico é um dos melhores filmes onde assisti Al Pacino atuando. O Filme é de Sydney Lumet – um dos mais irregulares monstros sagrados do cinema americano de quem Hollywood quase não fala. Nos dividendos de Lumet estão o Assassinato no Expresso do Oriente (uma bomba de filme!), mas no saldo estão obras primas como o 12 Angry Men, com o Henry Fonda, e o The Pownbroker, com o Rod Steiger. Em suma, Lumet tem uma qualidade essencial: sabe escolher a dedo seus protagonistas. Em Serpico, não é diferente.

Hoje, vendo essa realidade do Rio de Janeiro, um filme oportuno para nos fazer refletir sobre o caráter corrosivo da corrupção policial no Rio de Janeiro. O filme é atual, mas  nem é um grande filme, pois é bastante biográfico e linear. Fato é que Al Pacino empresta à pele de Frank Serpico, da Polícia de Nova Iorque, toda a angústia, o desespero e o estoicismo de um policial honesto cercado por corrupção e desonestidade por todos os lados. O filme começa com Serpico coberto de sangue, com as sirenes ligadas e chegando ao hospital. Acabava de ser baleado na cara. O resto do filme conta a história de Serpico, um policial que recusa se misturar com a banda podre da polícia... e por isso paga um preço caro.

O jovem policial é idealista e extremamente frustrado com a política. Sua vida pessoal, por estar sempre meio que exilado de seu meio, acaba por torná-lo um cara meio evasivo até mesmo para a noiva. Ele tem um pouco dos hippies. Carrega todo o peso da aura contracultural, se veste de maneira extravagante, mora no Greenwich Village, num bairro artístico, tem a barba sempre grande e sempre está rodeado de hippies e amigos ligados a movimentos de esquerda. Ou seja, um cara meio maconheiro, mas meio esquisitão. Ao se negar a receber propina e participar dos pequenos esquemas de corrupção, ele passa a se tornar um estranho no ninho do NYPD, levantando a desconfiança de seus companheiros de farda. Em pouco tempo está depondo na temida Knapp Commission, uma comissão de investigação no esquema de Corregedoria policial com o aval do Juiz Percy Whitman Knapp, que apurava casos de corrupção policial na NYPD.

Ainda por conta do teatro mediático dos últimos dias no Rio de Janeiro, eu, um quase agnóstico militante, fiquei pensado em Tomé,  o apóstolo. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Ele apenas disse que precisava tocar nas chagas para crer na ressurreição. Muito incauto pensa que tocou pois ficam vendo essas telas do Caravaggio e passam a acreditar que tocou e que a partir daí é que passou a crer na existência da vida nova. Tocou nada! Tomé acreditou na palavra. Imagine, se ia trocar o único bem que tinha - o do benefício da dúvida - pelo bem que imaginava obter - uma hipótese insustentável. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra, que gera o benefício da dúvida.

Crer cegamente é confortável. Crer que a polícia está do lado do bem os bandidos do lado do mal, é reconfortante. Folheava eu hoje pela manhã um livro interessante chamado The Scotland Yard Files de Allan Moss. Evidentemente não li o livro todo, pois acho esse assunto para lá de enfadonho, mas de saltos em saltos pude constatar que a história da Scotland Yard, assim como a história da polícia do Rio de Janeiro, está cercada de brutalidade e corrupção. Mas tudo bem, pois o pensamento sempre foi o de: se está funcionando, deixa como está.

A chamada Polícia Metropolitana de Londres surge em 1829 pela aprovação do Metropolitan Police Act. As atribuições dessa nova polícia eram as de prestar proteção a personalidades públicas, comunidades, patrulhas e todas as demais atribuições de uma polícia do século XIX. A partir de 1842 parte da Scotland Yard passa a andar à paisana. Ou seja, os policiais que já não tinham boa fama fardados, não podiam mais reconhecidos. E em poucos anos, a polícia já era um exemplo do que uma polícia não deveria ser. O naipe de irregularidades ia desde a asociação com máfias irlandesas, prostituição, jogo, até crimes de gênero.

Em 1877 a instituição era tão corrompida e desacreditada que 4 de 5 elementos que ocupavam os postos de mais alto escalão na hierarquia são julgados e acusados de conspiração e formação de quadrilha. Dez anos mais tarde acontece o famoso “Bloody Sunday” - imortalizado na música de uma banda que ”existiu” na década de 90, chamada U2 – quando 2000 policiais avançam contra uma manifestação pacífica de trabalhadores da Social Democratic Federation matando 100 trabalhadores.

Foi necessário quase 50 anos para chegar um cara chamado Frederick Wensley. O apelido dele, provavelmente dado por seus detratores, era weasel, ou furão ou fuinha, uma espécie de rato dentuço. Fato é que o homem ficou à frente da Scotland Yard por mais de 40 anos. Foi ele quem implementou a transformação radical da instituição. Primeiro, mudou de prédio de lugar. Segundo, aumentou o número de policiais. Só para se ter uma idéia, em 1890, o número de policiais subiu de 1000 para mais de 13000. Ou seja, injetou uma tropa com sangue novo e transferiu todos os corruptos para funções burocráticas, longe das ruas e portanto longe das atividades ilícitas. Em duas décadas, conseguiu "limpar" a polícia londrina.

Bem, mas resta saber se toda essa política de reestruturação da polícia do Rio de Janeiro, baseada na tomada de territórios, armas e drogas dos traficantes será acompanhada por uma reestruturação geracional da polícia. Sabe-se, por leitura de jornais, que as UPPs usando “mão-de-obra fresca“ procuram suprir e substituir com novos e entusiásticos policiais, uma tropa já viciada em velhas práticas.

Sou muito cético em relação a isso, pois há um componente histórico nisso tudo -  e por favor vejam os trabalhos do historiador Marcos Bretas da UFRJ sobre a formação da Polícia Militar e a história de como se formou a Guarda Nacional do Império.  Curiosamente, a nossa polícia era tão corrupta e brutal quanto a Scotland Yard, e mais curioso ainda é que a nossa, formou suas primeiras tropas incorporando justamente milícias estaduais. Milícias de homens armados que trabalhavam para grandes proprietários de terras, ou o grande capital urbano.

Mas concentrando-se apenas nos fatos... O governo fala de 40 UPPs, ou seja, mais 28 unidades nos próximos quatro anos. Com base em critérios técnicos da Secretaria de Segurança Pública, eles alegam que isso seria suficiente para ocupar todas as comunidades que são controladas pelo poder paralelo.

Um conhecido meu que entende muito desse negócio de UPP, me diz que cada UPP tem atualmente uma média de 150 PMs, o estado precisará de mais 4200 soldados nos próximos quatro anos. No seu argumento, o governo acaba de ampliar a capacidade de formação da academia da PM, que agora poderá recrutar e formar 20 mil soldados no próximo mandato.

Ainda seguindo seu argumento, a média de PMs que deixam a corporação por aposentadoria ou por mudança de profissão mantiver-se constante, ou seja, pouco acima de 1000 ao ano, o Estado vai perder menos de 5 mil PMs nos próximos quatro anos. Assim, o saldo em 2014 pode ser superior a 15 mil novos PMs, bem mais do que suficiente para as UPPs e para o patrulhamento das ruas. Mesmo que as próximas unidades exijam efetivos bem maiores, como será o caso do Complexo do Alemão e da Rocinha, PMs não será um problema.

Essas são as contas deste conhecido, douto em políticas públicas.... ou seja, uma pessoa muito inteligente!

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Agora, eu mostro as minhas contas...

Fazendo uma matemática rápida em cima de uma entrevista recente do recente Secretário de Segurança para a recente Revista Epoca, para 10 comunidades, a polícia precisaria de 1880 homens. Ou seja, ele precisa de quase 200 homens para cada favela - dependendo do tamanho de cada uma, obviamente.

No fundo, estamos falando de mais de mais ou menos 800 favelas no Rio de Janeiro, mais de 1.5 milhão de pessoas morando em comunidades pobres. 1.5 milhão de pessoas é mais ou menos 10% da população do estado do Rio de Janeiro. Você pode até discordar do meu ceticismo e das minhas conclusões, mas você há de convir que é gente pra dedéu.

Bom, mas ainda baseado na entrevista do Secretário, para pacificar 800 favelas, ele precisaria multiplicar 188 homens x 800 favelas. No fundo ele precisaria de mais de 150 mil soldados para cobrir todas as favelas. E ele diz que a ACADEPOL pode formar 4000 por ano. Ou seja, o plano é bom mas é eleitoreiro exatamente nesse ponto, pois em 4 - 5 anos ele somente poderá colocar no máximo 20 mil soldados em UPPs. Vamos ser sinceros, isso vai cobrir mais ou menos 15% do total de favelas do Rio de Janeiro.

Por isso, a impressão que me passa é a de que o atual Governador – por mais bem intencionado que esteja e digo desde já que só em ter tocado nesse vespeiro já ganha minha simpatia - está combatendo com recursos parcos e limitados apenas o varejo. O atacado da droga e da arma, não é abalado pois depende de combate nas esferas federais.

Somente para concluir... do que eu estava falando mesmo... ah sim, do filme Serpico.... penso que o atual governo do Estado está incorporando ar proselitista desde que assumiu, dizendo que não pode prender o traficante x y z por preservar vidas… pode ser. A atuação no Complexo do Alemão provou isso. E alguma coisa mudou desde que ele asumiu. Pois o Alemão já tinha sido invadido em meados do primeiro mandato do atual Governador. E foi aquele desastre com 30 mortos repercutindo mal pra caramba - com os traficante trazendo os corpos em carrinhos de mão para a entrada da favela para a policia recolher.

Ainda há as contas que um outro amigo que não entende nada de nada, mas é engenheiro e tem MBA nos Estados Unidos, ou seja, entende de matemática. Ele acaba de me passar dados baseados no blog do Luis Nassif.... e cá pra nós, assustam mais:

[ Fiquei curioso para saber o preço das armas usadas pelo narcotráfico, como a UZI e a AK-47. Eu imaginava que estas armas custariam milhares de dólares -  mesmo no mercado negro.

Para minha surpresa, descobri que o custo é bastante acessível: vai de $400 a $800. (Fonte:http://www.atlanticfirearms.com)

Assumindo uma média de $500, o custo para armar um grupo de 600 homens é de $300 mil.

Parece muito, mas é o equivalente a apenas 6kg de cocaína ($50/g) ou 300kg de maconha ($1/g).

Só para ter idéia dos números do tráfico, a Secretaria de Segurança Pública do Rio informou que, entre domingo e ontem, foram apreendidos 33 toneladas de maconha e 235 quilos de cocaína no conjunto de favelas do Alemão.

Considerando que a demanda por drogas vai seguir existindo (isto é um fato), todo este dinheiro irá para os traficantes de outros morros. Pior: eles ganharão ainda mais devido à escassez temporária.

Dá para entender por que a guerra contra as drogas não funciona?]

Mas voltando a Serpico. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Acreditam que tocou. Faz bem acreditar. Mas no fundo ele so creu na palavra. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra. Na palavra de honra. Dá pra acreditar? Que dá dá, mas...

En los naufragios, al hundirse la nave, los marineros del Danubio rezaban: “Duermo; luego vuelvo a remar”

Escrevi isso na segunda-feira às seis horas da manhã. Relutei muito em postar isso aqui, por se tratar de um blog de idéias mal alinhavadas sobre literatura e cinema. Mas após assistir a entrevista de Luiz Eduardo Soares no Roda Viva decidi publicar. Afinal, após a entrevista, sempre ponderada, entendo e me certifico de que aquilo que aconteceu na semana passada também é um tipo de ficção. Sendo assim por que não entrar aqui?




Na História da Eternidade, Borges utiliza a metáfora do sono, do sonho, da noite para expressar a idéia da morte – sem obviamente jamais usar a palavra “morte” em sua essência.


En el Antiguo Testamento se lee (I Reyes:2:10): “Y David durmió con sus padres, y fue enterrado en la ciudad de David”. En los naufragios, al hundirse la nave, los marineros del Danubio rezaban: “Duermo; luego vuelvo a remar”. Hermano de la Muerte hijo del Sueño, Homero, en la “Ilíada”; de esta hermandad diversos monumentos funerarios son testimonio, según Lesing. Mono de la Muerte (Affe de Todes) le dijo Wilhelm Klemm, que escribió asimismo: “La muerte es la primera noche tranquila”. Antes, Heine había escrito: “La muerte es la noche fresca; la vida, el día tormentoso...” (…) “Lo que el sueño es para el individuo, es para la especie la muerte” (Weltals Wille, II: 41). El lector ya habrá recordado las palabras de Hamlet: “Morir, dormir, tal vez soñar”, y su temor a que sean atroces los sueños de la muerte. (Borges, 1997:81-82).


Me admirou muito o uso das metáforas nesse episódio lamentável da invasão de das favelas no Rio de Janeiro. Além do uso e abuso das mais ridículas metáforas, me admirou a capacidade de autoridades civis e militares criarem uma espécie de panacéia verbal para contornar as imagens que os canais de tv, com seu sencacionalismo mediático de praxe, exibiam ao vivo.


Mas uma hora tinha que acontecer. A UPP tinha que chegar ao subúrbio do Rio de Janeiro para não se tornar um plano apenas eleitoreiro do governador Sérgio Cabral Filho, que foi empossado em janeiro de 2007 e apenas iniciou o tal plano em fins de 2008. De lá para cá, já há algumas instaladas, evidentemente, mas em comunidades pequenas. O que ainda me fazem desconfiar de se tratarem apenas planos pilotos.


A primeira grande operação começa de forma atabalhoada. Precisava-se dar uma resposta firme à série de ataques a civis na última semana. Uma série de boatos se espalha pela cidade. Alguns dão conta que uma grande quantidade de dinamite estaria em mãos do tráfico e dos paramilitares. E que a ponte Rio-Niterói seria explodida. Outro boato dava conta que a Rede Globo negociara com a Secretaria de Segurança a não divulgação de que o Secretário de Segurança havia sofrido um atentado com carro bomba. Todos boatos, ou não. Então, motivados pela pressão e pela insustentabilidade da situação, a primeira grande operação começa ela Vila Cruzeiro.


Fato. Começa pela Vila Cruzeiro em represália aos mais de 100 veículos queimados na cidade nas últimas duas semanas. Entretanto, há àreas na nesse complexo de favelas que a polícia não conseguia chegar há anos, com barreiras físicas e bélicas que a polícia não conseguia transpor de forma convencional. Precisava-se então de tanques. Aliás, o episódio da entrada das forças armadas nessa ação ainda está MUITO mal contada. A única força que ofereceu apoio logístico inicial foi a Marinha com os Fuzileiros Navais.


“Hora de Show Time”


Entraram os tanques. Tanques de guerra. Tanques que passam por muros de até um metro de altura. Impressiona? Lógico que impressiona! Uma arma que dispara rajadas de balas .50 é algo brutal em zonas urbanas. A expectativa até sábado era a de que haveria um massacre. Constitucionalmente, atirar com um negócio desses em alvos civis em tempo de paz é impossível, ilegal e inconstitucional. Qualquer pessoa sabe disso, até o Governador. Mas os tanques impressionam e geram expectativa.


As imagens de criminosos fugindo da Vila Cruzeiro e migrando para o Complexo do Alemão também impressionou a todos e também está MUITO mal contada. Principalmente pela quantidade. Era muito bandido junto. Por que não havia um cerco esperando? Evidente. Não havia um plano imediato para isso.


Na versão oficial, não havia estrutura para duas operações tão complexas, simultâneas e seguras. E por isso se preferiu a tática de acuamento. Sem dúvida, uma saída negociada, sem sangue, sem perda de vidas. Preferiu-se não quebrar os ovos. No fundo um jogo onde ambos lados ganhavam tempo para minimizar os riscos de mácula nas imagens públicas.


No fundo, o governo do estado do Rio de Janeiro se apóia na errônea idéia de que os recursos do Estado são ilimitados, em comparação com os dos bandidos que sem moeda de troca (que seria na visão do Secretário de Segurança Mariano Beltrame, o território, a arma e a droga) tornam-se frágeis. Errônea idéia, por que: Por que um bandido não deixa de ser bandido da noite para o dia. Por que munição e drogas continuam entrando pela Baía de Guanabara, pelas estradas e pelas fronteiras. Por que já se fala de uma luta de bem contra o mal, como se obtusamente policiais corruptos tenham deixado de existir e de corromper o sistema por dentro.


No fundo, no fundo, a polícia hoje passa e recolhe corpos, bandidos recalcitrantes, drogas e armas. Ou seja, 400 quilos de cocaína, 50 toneladas de maconha e até agora sabe-se muito pouco sobre o armamento apreendido, menos ainda sobre os chefes do tráfico, e menos ainda sobre o apradeiro dos mais de 500 fugitivos. Foi um golpe no tráfico? Claro que sim. Isso deve corresponder a um prejuízo de seis meses nas contas do tráfico. Foi um golpe midiático? Claro que sim, pois cá pra nós, pelas proporções da operação e pelo pequeno número de prisões, tudo não passou de um golpe de vista que durou uns dias e depois será esquecido, pois em fevereiro tem Carnaval, e em dois ou quatro anos temos Olimpiadas, Copa, Visita do Papa, Posse do Sultão da Bessarábia, sem esquecer a Conferência Internacional sobre Entomologia Neurotropical.


O resto são metáforas extemporânea, como a da mãe do bandido Mister M que leva o bandido à delegacia dizendo “Filhinho vamo sintregá cua mamaen” [absurdo: como se isso fosse amor de mãe]; o rapaz da ONG negociadora que se imbui do poder evitar um “extermínio étnico”[absurdo: como se na comunidade apenas negros sofreriam com o desfecho violento]; o Secretário de Segurança chamando o Complexo do Alemão de o “Coração do Mal”[absurdo: como se o coração vivesse sem cérebro]; “vitória da ordem e fim do caos” [absurdo: comos e houvesse dois lados]; a atendente do Disque Denúncia chamando seu serviço de “Bacia das Almas”[ absurso: como se estivessemos esperando apenas os óleos santos]; e a melhor de todas

“Fernand

inho

bera mar” [sic] tatuado no braço de um infeliz.


Nota. Fotografia - Roberto (Bear) Guerra. Complexo do Alemão 2008.

Turn Your Thinking Upside Down

On a very basic level all beings think that they should be happy. When life becomes difficult or painful, we feel that something has gone wrong. This wouldn’t be a big problem except for the fact that when we feel something’s gone wrong, we’re willing to do anything to feel OK again. Even start a fight.

According to the Buddhist teachings, difficulty is inevitable in human life. For one thing, we cannot escape the reality of death. But there are also the realities of aging, of illness, of not getting what we want, and of getting what we don’t want. These kinds of difficulties are facts of life. Even if you were the Buddha himself, if you were a fully enlightened person, you would experience death, illness, aging, and sorrow at losing what you love. All of these things would happen to you. If you got burned or cut, it would hurt.

But the Buddhist teachings also say that this is not really what causes us misery in our lives. What causes misery is always trying to get away from the facts of life, always trying to avoid pain and seek happiness—this sense of ours that there could be lasting security and happiness available to us if we could only do the right thing.

In this very lifetime we can do ourselves and this planet a great favor and turn this very old way of thinking upside down. As Shantideva, author of Guide to the Bodhisattva’s Way of Life, points out, suffering has a great deal to teach us. If we use the opportunity when it arises, suffering will motivate us to look for answers. Many people, including myself, came to the spiritual path because of deep unhappiness. Suffering can also teach us empathy for others who are in the same boat. Furthermore, suffering can humble us. Even the most arrogant among us can be softened by the loss of someone dear.

Yet it is so basic in us to feel that things should go well for us, and that if we start to feel depressed, lonely, or inadequate, there’s been some kind of mistake or we’ve lost it. In reality, when you feel depressed, lonely, betrayed, or any unwanted feelings, this is an important moment on the spiritual path. This is where real transformation can take place.

As long as we’re caught up in always looking for certainty and happiness, rather than honoring the taste and smell and quality of exactly what is happening, as long as we’re always running away from discomfort, we’re going to be caught in a cycle of unhappiness and disappointment, and we will feel weaker and weaker. This way of seeing helps us to develop inner strength.

And what’s especially encouraging is the view that inner strength is available to us at just the moment when we think we’ve hit the bottom, when things are at their worst. Instead of asking ourselves, “How can I find security and happiness?” we could ask ourselves, “Can I touch the center of my pain? Can I sit with suffering, both yours and mine, without trying to make it go away? Can I stay present to the ache of loss or disgrace—disappointment in all its many forms—and let it open me?” This is the trick.

There are various ways to view what happens when we feel threatened. In times of distress—of rage, of frustration, of failure—we can look at how we get hooked and how shenpa escalates. The usual translation of shenpa is “attachment,” but this doesn’t adequately express the full meaning. I think of shenpa as “getting hooked.” Another definition, used by Dzigar Kongtrul Rinpoche, is the “charge”—the charge behind our thoughts and words and actions, the charge behind “like” and “don’t like.”

It can also be helpful to shift our focus and look at how we put up barriers. In these moments we can observe how we withdraw and become self-absorbed. We become dry, sour, afraid; we crumble, or harden out of fear that more pain is coming. In some old familiar way, we automatically erect a protective shield and our self-centeredness intensifies.

But this is the very same moment when we could do something different. Right on the spot, through practice, we can get very familiar with the barriers that we put up around our hearts and around our whole being. We can become intimate with just how we hide out, doze off, freeze up. And that intimacy, coming to know these barriers so well, is what begins to dismantle them. Amazingly, when we give them our full attention they start to fall apart.

Ultimately all the practices I have mentioned are simply ways we can go about dissolving these barriers. Whether it’s learning to be present through sitting meditation, acknowledging shenpa, or practicing patience, these are methods for dissolving the protective walls that we automatically put up.

When we’re putting up the barriers and the sense of “me” as separate from “you” gets stronger, right there in the midst of difficulty and pain, the whole thing could turn around simply by not erecting barriers; simply by staying open to the difficulty, to the feelings that you’re going through; simply by not talking to ourselves about what’s happening. That is a revolutionary step. Becoming intimate with pain is the key to changing at the core of our being—staying open to everything we experience, letting the sharpness of difficult times pierce us to the heart, letting these times open us, humble us, and make us wiser and more brave.

Let difficulty transform you. And it will. In my experience, we just need help in learning how not to run away.

If we’re ready to try staying present with our pain, one of the greatest supports we could ever find is to cultivate the warmth and simplicity of bodhichitta. The word bodhichitta has many translations, but probably the most common one is “awakened heart.” The word refers to a longing to wake up from ignorance and delusion in order to help others do the same. Putting our personal awakening in a larger—even planetary—framework makes a significant difference. It gives us a vaster perspective on why we would do this often difficult work.

There are two kinds of bodhichitta: relative and absolute. Relative bodhichitta includes compassion and maitri. Chögyam Trungpa Rinpoche translated maitri as “unconditional friendliness with oneself.” This unconditional friendliness means having an unbiased relationship with all the parts of your being. So, in the context of working with pain, this means making an intimate, compassionate heart-relationship with all those parts of ourselves we generally don’t want to touch.

Some people find the teachings I offer helpful because I encourage them to be kind to themselves, but this does not mean pampering our neurosis. The kindness that I learned from my teachers, and that I wish so much to convey to other people, is kindness toward all qualities of our being. The qualities that are the toughest to be kind to are the painful parts, where we feel ashamed, as if we don’t belong, as if we’ve just blown it, when things are falling apart for us. Maitri means sticking with ourselves when we don’t have anything, when we feel like a loser. And it becomes the basis for extending the same unconditional friendliness to others.

If there are whole parts of yourself that you are always running from, that you even feel justified in running from, then you’re going to run from anything that brings you into contact with your feelings of insecurity.

And have you noticed how often these parts of ourselves get touched? The closer you get to a situation or a person, the more these feelings arise. Often when you’re in a relationship it starts off great, but when it gets intimate and begins to bring out your neurosis, you just want to get out of there.

So I’m here to tell you that the path to peace is right there, when you want to get away. You can cruise through life not letting anything touch you, but if you really want to live fully, if you want to enter into life, enter into genuine relationships with other people, with animals, with the world situation, you’re definitely going to have the experience of feeling provoked, of getting hooked, of shenpa. You’re not just going to feel bliss. The message is that when those feelings emerge, this is not a failure. This is the chance to cultivate maitri, unconditional friendliness toward your perfect and imperfect self.

Relative bodhichitta also includes awakening compassion. One of the meanings of compassion is “suffering with,” being willing to suffer with other people. This means that to the degree you can work with the wholeness of your being—your prejudices, your feelings of failure, your self-pity, your depression, your rage, your addictions—the more you will connect with other people out of that wholeness. And it will be a relationship between equals. You’ll be able to feel the pain of other people as your own pain. And you’ll be able to feel your own pain and know that it’s shared by millions.

Absolute bodhichitta, also known as shunyata, is the open dimension of our being, the completely wide-open heart and mind. Without labels of “you” and “me,” “enemy” and “friend,” absolute bodhichitta is always here. Cultivating absolute bodhichitta means having a relationship with the world that is nonconceptual, that is unprejudiced, having a direct, unedited relationship with reality.

That’s the value of sitting meditation practice. You train in coming back to the unadorned present moment again and again. Whatever thoughts arise in your mind, you regard them with equanimity and you learn to let them dissolve. There is no rejection of the thoughts and emotions that come up; rather, we begin to realize that thoughts and emotions are not as solid as we always take them to be.

It takes bravery to train in unconditional friendliness, it takes bravery to train in “suffering with,” it takes bravery to stay with pain when it arises and not run or erect barriers. It takes bravery to not bite the hook and get swept away. But as we do, the absolute bodhichitta realization, the experience of how open and unfettered our minds really are, begins to dawn on us. As a result of becoming more comfortable with the ups and the downs of our ordinary human life, this realization grows stronger.

We start with taking a close look at our predictable tendency to get hooked, to separate ourselves, to withdraw into ourselves and put up walls. As we become intimate with these tendencies, they gradually become more transparent, and we see that there’s actually space, there is unlimited, accommodating space. This does not mean that then you live in lasting happiness and comfort. That spaciousness includes pain.

We may still get betrayed, may still be hated. We may still feel confused and sad. What we won’t do is bite the hook. Pleasant happens. Unpleasant happens. Neutral happens. What we gradually learn is to not move away from being fully present. We need to train at this very basic level because of the widespread suffering in the world. If we aren’t training inch by inch, one moment at a time, in overcoming our fear of pain, then we’ll be very limited in how much we can help. We’ll be limited in helping ourselves, and limited in helping anybody else. So let’s start with ourselves, just as we are, here and now.

Poema de Pema Chödrön lido pelo Richard no casamento do Alex.

Laranja Mecânica com tofú

Dias atrás, dois chapa, fanáticos por filmes e literatura, e eu, estávamos numa livraria aqui na capital de Vanuatu. Estavamos zanzando pelas estante de DVDs, falando bem e mal de filmes clássicos. Eu podería até dar o nome deles, dos caras, mas acontece que ninguém acreditaria. E ainda me chamariam de mentiroso, maluco e pústula. Enfim, sem tentar cruzar a linha da cabotinagem, vamos aos fatos.

Na livraria, no setor de cds e dvds, os ilustres me indicaram o filme Park Chan-wook, Oldboy. Um deles, me disse que assitira a este filme em Amsterdã, já que tinha sido o roteirista de um dos filmes brasileiros da mostra. Sendo assim tinha direito a escolher, em exibição privada, qualquer filme do festival. Ele escolheu Oldboy. Depois dessa, comprei na mesma hora. E na mesma noite o assisti. O grande problema deste filme é que se trata de uma trilogia altamente viciante. É simplesmente impossível assistir apenas um. Então, obviamente você desesperadamente procurará logo o primeiro filme da série, Simpathy for Mr. Vengence, e o terceiro, Sympathy for Lady Vengeance. Aconselho-o a assistí-los todos no mesmo dia, de outra maneira, assistindo-os em três dias distintos, como foi meu caso, voce terminará a semana no bagaço, pois é simplesmente impossível dormir após tal obra de arte. Repito: obra de arte cinematográfica.

A trilogia é do diretor sul-coreano Park Chan-Wook. Em cada uma das estórias o diretor costura com os fios da vingança, o amor e o ódio desmedidos. Macbeth dizia que “Eles ardem do desejo de vingança, por que seus mais pungentes motivos moveriam até mesmo um eremita ao mais sanguinário e feroz combate.” A frase de Shakespeare, bem podia ser o prólogo da trilogia. Em todos os três filmes, as tramas permeadas sempre pelo desejo de vingança – ou justiça, agora estou confuso - são sofisticadas. No segundo, Oldboy, há além disso intrincadas viradas psicológicas, imagens inteligentes, apoiadas numa estética absolutamente instigante.

Mas vamos por ordem.
Sympathy for Mr. Vengeance trata exatamente desse desejo desmedido de vingança que leva a um pai às últimas consequências para encontrar os assassinos de sua filha.

Ryu, é surdo-mudo e trabalha numa fábrica para sustentar sua irmã doente e que precisa desesperadamente de um transplante de rim. Cansado de ver a irmã padecer, Ryu tenta doar um de seus rins para sua irmã, mas descobre que seu tipo sanguíneo não é compatível com o da irmã, portanto ele não seria o doador adequado. Após ser despedido da fábrica onde trabalhava, Ryu entra em contato com traficantes de órgãos no mercado negro. Concorda em doar um de seus rins e usar sua indenização para comprar um compatível com o de sua irmã. Os traficantes desparecem com o dinheiro, seu rim e a promessa do rm de sua irmã. Por felicidade ou infelicidade, três semanas mais tarde, Ryu descobre através do médico de sua irmã, que encontraram um doador e que a operação custaria o mesmo valor pago aos traficantes de órgãos que desapareceram.

Cheio de lumbago, sem dinheiro, e meio revoltado com a vida, ele e a namorada, Yeong-mi, uma militante anarquista, resolvem sequestrar a filha dono da empresa. O plano é logo abandonado por perceberem que obviamente as suspeitas recairíam sobre eles. Então decidem sequestrar Yu-sol, a filha do amigo do patrão, Dong-jin, outro executivo da fábrica. A menina fica com a irmã de Ryu, mas que desconhece a origem da menina. Concomitantemente ao pagamento do resgate, recolhido por Ryu, a irmã descobre o esquema e se mata. Ryu, com Yu-sol e o corpo de sua irmã, vão para a beira de um rio enterrar a irmã de Ryu. Enquanto chora Ryu, Yu-sol acidentalmente cai em rio e morre afogada.
Horas mais tarde, Dong-jin vendo o corpo da filha, jura vingança. Enquanto isso, Ryu lança-se numa busca desesperada pelos traficantes de órgãos. Dong-jin, investiga a identidade dos sequestradores e encontra Yeong-mi. Tortura-a até a morte. Antes de morrer, além de se desculpar com Dong-ji, Yu-sol adverte-o que ele está jurado de morte pela sua organização. Ryu retorna para ver Yeong-mi. No prédio, descobre que a polícia retirou de seu corpo em uma maca. (imagem absolutamente impagável quando Ryu, dentro do elevador, pega na mão de Yeong-mi, atada pelos legistas numa maca).

Ryu vai a casa de Dong-jin. Espera. Tocaia-o. Nada. Na verdade, Dong-jin está na casa de Ryu, esperando-o, com um transformador ligado à fechadura. Ryu chega à casa. Abrea porta e recebe uma descarga. Apaga inconsciente. Dong-jin, em seguida, amarra as mãos e pés de Ryu e leva-o para o rio onde Yu-sol morreu. Leva-o par ao meio do rio, com àgua na altura do peito. Dong-jin reconhece que, apesar de Ryu ser um homem bom, ele não tem escolha e deve matá-lo. (imagem absolutamente impagável quando Dong-jin está cara a cara com Ryu, em seguida mergulha, a camera se afasta, Ryu olha ao redor e não entede o que está passando. Por alguns minutos somente a cabeça de Ryu aparece na superfície do rio. Ryu começa a se debater. Dong-jin mergulhou e cortou-lhe os dois tendões de Aquiles de Ryu. A câmera mostra o corte embaixo d’agua com o sangue jorrando aos borbotões). Dong-jin arrasta Ryu até a margem. Cava. Antes de colocar os corpos cortados do irmão e da irmã mantidos em sacos de lixo, o grupo de Yeong-mi chega. Eles cercam e esfaqueam repetidamente Dong-jin, finalmente cravando a nota em seu peito com uma faca. Se identificam como grupo terrorista do qual Yeong-mi fazia parte. O grupo deixa Dong-jin morrer ao lado de seu carro com as ferramentas e os sacos ensanguetados que ele usou para cortar, desmembrar o corpo de Ryu. A nota, by the way, já aparecera numa cena no início do filme, no cumputador de Yeong-mi. Filmaço.

Oldboy talvez seja o mais incrível dos três. Mas vamos por ordem. Fiquei louco pelo Oldboy quando assiti há duas semanas atrás. Com um roteiro primoroso, Oldboy é o melhor dos três.
Um adendo. Sabe aquele pequeno deslize, aquele vacilo cometido com aquele amigo de adolescência? Todo mundo tem um, pelo menos. Pois é. No universo de Park Chan-wook, o amigo vem cobrar a conta 15 anos depois.

Oh Dae-su é um falastrão. Está bêbado e retido numa delegacia, na noite de aniversário de sua filha, esperando pela chegada de seu amigo Joo-Hwan. Após várias horas e o pagamento de fiança é liberado. Oh Dae-su chama à esposa de um telefone público para explicar o acontecido. Quando Joo-Hwan pega o telefone, Dae-su desaparece no meio da noite chuvosa, deixando caídas as asas de anjo que comprara de presente para a filha.

Desde esse dia, fica preso por mais de 15 anos sem a menor explicação. Dae-su nasceu em 1963. Frequentou a escola secundária católica de Sangnok, da qual saiu em 1979. Tornou-se um pequeno empresário. Casado, tinha uma filha, Yeun-Hee. Com os anos tornou-se obeso e alcoólatra. Seqüestrado e confinado, sem nenhuma explicação, a uma espécie de quarto, Oh Dae-su fica alí por tempo indeterminado e incomunicável. A incomunicabilidade é enlouquecedora. Mais enlouquecedora ainda seria a pena. Ele não sabe, mas ficaria preso por 15 anos, sendo alimentado apenas por bolinhos fritos. Suas tentativas de suicídio era contidas com a introdução de gases alucinógenos pelo sistema de ventilação. O contato com o mundo externo é feito apenas através de uma televisão, por onde sabe que sua esposa tinha sido assassinada e que de sua filha se encarragava uma família adotiva. Ele era o principal suspeito do crime.

Um dia Dae-su é subitamente posto em liberdade no último andar de um prédio. Quando ele é liberado, ele é vestido com roupas caras. No alto do prédio há um homem suicida. Ao caminhar pela rua, um desconhecido lhe dá um celular. Ao sair da prisão era um homem revoltado que busca explicações.Ele sente fome e vai a um restaurante local, onde ele encontra a jovem chef Mi-do, que o leva para sua casa e em poucos dias começam um romance. Ela o ajuda a descobrir o porquê de sua retenção e quem era o responsável por sua kafkaniana situação. Tudo ainda parece onírico, ainda, mas Dae-su com a ajuda de Mi-do localiza o restaurante, e por ele o paradeiro de sua prisão. Os dois acabam por se envolverem amorosamente. Dae-su, então, tortura o diretor de informação para obter as gravações de seu raptor, que revelam pouco ou quase nada de sua identidade. Nessa busca, há uma cena interessante, quando os capangas do diretor de informação do cativeiro atacam a Dae-su. Toda a luta se parece a um desses jogos de video-game. Muito bem sacado e irônico nesse contexto do roteiro.

Um homem chamado Woo-jin revela-se algoz de Dae-su e o instrui por telefone que descubra seus motivos para mantê-lo em cativeiro por tantos anos. Woo-jin é aquele amigo que vem cobrar a conta...
Dae-su descobre que Woo-jin e ele freqüentaram a mesma escola e se lembra da relação Woo-jin com sua irmã, Lee Soo. Dae-su, espelhara propositalmente o boato de que os irmãos mantinham uma relação incestuosa. Espalhou o boato antes de se transferir para outra escola em Seul. Durante a peregrinação de Dae-su, Woo-jin mata Joo-Hwan, amigo de infância de Dae-su por este ter insultado sua irmã numa conversa telefônica devidamente grampeada – que havia se suicidado assim que os primeiros sinais da gravidez precoce apareceram.

Dae-su finalmente encontra Woo-jin em seu apartamento. Este lhe dá um álbum de fotos. Dae-su folheia o álbum com retratos de sua própria filha. Ele vê sua filha crescer nas fotos, até descobrir Mi-do. Woo-jin, revela que os eventos em torno Dae-su foram orquestrados com toques de hipnose para provocar Dae-su e Mi-se a cometessem o incesto. Horrorizado, Dae-su implora a Woo-jin para esconder o segredo de Mi-do. Rasteja. Pede perdão, antes de cortar a própria língua como prova de seu sacrifício, oferecendo-a a Woo-jin como um símbolo de seu silêncio. Woo-jin concorda em poupar Mi-do – que naquele instante se encontra sob a guarda de capangas. Ele então telefona para que os capangas a libertem deixando-a em seu apartamento. Sozinho, remoído pela culpa de ter participado no suicídio da irmã – da mesma forma que Dae-su participara na do suicida do alto do prédio -, Woo-jin atira na própria cabeça.

Esgotado, Dae-su se senta num lugar ermo e coberto de neve. Faz um estranho acordo com uma hipnotizadora, para que esta o faça esquecer do segredo. Ela lê uma carta com os fundamentos do esquecimento. Começa o processo de hipnose. Horas depois, Dae-su desperta. A hipnotizadora já se foi. Ele anda sobre a neve. Encontra Mi-do, que diz lhe amar. Eles se abraçam. O filme acaba e não se sabe se Dae-su lembra-se ou não do segredo. Filmaço.

Mas o diretor Park Chan-wook tem outras armas.

Em Sympathy for Lady Vengeance um pequeno coro vestido de Papai Noel espera na saída de uma prisão pela jovem Lee Geum-ja, recém-reformada. Ela tinha sido condenada 13 anos atrás pelo assassinato da menor Won-mo. (corta). O caso, mostrado na televisão, tinha provocado uma comoção nacional, devido à sua pouca idade no momento do assassinato, e a sua aparência inocência. A pena fora reduzida por sua transformação espiritual. Mas isso era apenas uma cortina de fumaça para deixar a prisão.

O crime tinha sido praticado quando ela tinha apenas 19 anos. O país inteiro estremeceu com sua pouca idade e com a brutalidade com que o crime, e os métodos perversos com que fora praticado. Mas o que impressionou mais, foi sua beleza. Alguns diziam que ela se parecia com Olivia Hussey, a Juliete da ópera de Franco Zeffirelli. Um diretor sem escrúpulos disse que tinha planos para filmar a estória de Lee Geum-ja, criando uma reação imediata nos meios de comunicação.

Quando sai da prisão, ela se dirige ao pai, que lhe oferece uma torta de tofú como símbolo de que ela não voltaria a pecar. (corta). Por uma série de flashbacks, sabe-se do processo de arrependimento da moça, dentro da prisão. (corta). Ela derruba a torta de tofú no chão e diz, em coreano, para que o pai fosse tomar no cú, ou enfiasse a torta no orifício supra referido – as legendas em inglês não deixam claras as intenções da moça. O que fica claro é que Lee Geum-ja não está arrependida, que aquele papo de Jesus é pura balela e que ela não vai deixar essa estória barata para com aqueles que a puseram ali. (corta). O filme começa.

Lee Geum-ja era inocente, mas confessa o crime pois o verdadeiro assassino, Sr. Baek, sequestrara sua filha ameaçando matá-la. Na prisão, Geum-ja, com seu comportamento angelical, faz sólidas amizades, chegando a doar um rim para uma detenta, que mais tarde seria assassinada por ela. Em liberdade condicional, Geum-Ja imediatamente visitas outras detentas em liberdade condicional, cobrando favores que incluem abrigo e armas. Distancia-se, assim cada vez mais da imagem criada no cativeiro. Passa a usar salto alto e sombra vermelha nos olhos. Mas por outro lado, também começa a trabalhar numa confeitaria local, onde se torna uma especialista em tortas,sob a tutela de um chef que lhe oferecera trabalho na prisão.

Ao investigar sobre o paradeiro da filha, descobre que ela foi adotada por pais australianos. Jenny, agora um adolescente, não fala coreano. Após convencer sua família a deixá-la voltar para Seul, Jenny segue Geum-ja ao redor da cidade e com ela planeja sequestrar o Sr. Baek, com a ajuda da esposa, outra ex-presidiária. Baek, agora tragicamente, é professor de ensino fundamental e descobre que Geum-ja está em liberdade. Aterrorizado, contrata capangas para emboscar Geum-ja e Jenny. Na luta, Geum-ja mata dois bandidos, enquanto na outra cena Baek cai desacordado devido às drogas que sua esposa colocou em sua comida.

Geum-ja quer matar Baek ali mesmo em sua casa. Entretanto, descobre uns penduricalhinhos de criança presos a seu celular. Uma pequena esfera de âmbar chama sua atenção. Lembra que esta era a mesma de Won-mo. Então associa estes objetos ao modus operandi de Baek e percebe que estes são lembranças das vítimas, deduzindo que Baek é um assassino em série.

Ela o aprisiona. Contacta o detetive do caso Won-Mo, e, juntos, eles se infiltram em apartamento Baek e descobrem gravações em VHS da tortura e assassinato das crianças.

A partir desse momento o filme dá uma virada sensacional.

Geum-ja e o detetive entram em contato com os pais das vítimas e os conduzem para uma escola abandonada na periferia de Seul. Mostram as fitas nas salas de aula. Um por um cada pai desaba em desespero. O grupo, então, delibera sobre o destino do Baek. Decidem coletivamente assassiná-lo. E no sótão da escola encontra-se Baek, que pode escutar todo o teor do julgamento. Vestindo capas de plástico e portando uma variedade de armas - que no jargão legal pode-se dizer - perfuro-contudas.

Todos esperam numa sala, uma ante-sala. Um a um, tendo previamente sorteada a ordem de entrada, entra e dá uma estocada em Baek tomando o devido macabro cuidado para não matá-lo, já que há pessoas na fila ainda. A última pessoa, uma avó, mata Baek com a tesoura de sua neta assassinada.

Ao final, hirtos, perfilados, com a câmera pelas costas, posam para uma foto tirada pelo detetive. Assim que o flash detona, todos caem em pranto amparando-se mutuamente. O grupo assume um pacto de jamais revelar o que se passou ali e enterram Baek.


Geum-ja, o investigador, e os pais vão no meio da noite para a confeitaria, onde Geum-ja serve-lhes uma torta. Um dos momentos mais emocionantes nos três filmes, talvez um pequeno delize de Park Chan-Wook, é quando começam a cantar involuntariamente um parabéns a você pelo aniversário coletivo para seus filhos falecidos. Uma cena sem dúvida de profunda delicadeza. Filmaço.

Os três filmes são de uma beleza estética impressionante. O uso de grandes closes, enquadramentos ousados, cores fortes bem escolhidas e pequenos efeitos especiais inesperados enfatizam as emoções de uma maneira extremamente elegante e única. O roteiro, absolutamente genial, aliado a uma montagem primorosa, fazem desses filmes algo incomum na história do cinema. A sequência prisão, a vingança e a catarse, estão nos três.

Um capítulo à parte neste último filme é a música totalmente barroca de Jo Yeong-Wook que ilustra a ótica feminina da revanche. E por barroca, entenda-se toda a contradição entre bem e mal, entre os desígnios da Providência e a razão dos Homens, enfim as contradições e os mais pungentes motivos moveriam até mesmo um eremita ao mais sanguinário e feroz combate.

Música do dia. Arvo Part. Spiegel Im Spiegel


Podia ser Sergio Leone. Podia ser o The Good, the Bad and the Ugly. Mas, não. Você pega um filme do Tarkovsky. Vamos supor o The Mirror. Tudo onírico, não é? Então. Então você coloca ali um pouco de Faulkner, de De Lillo e de Elmore Leonard. Clica a tecla forward umas duas vezes. O negócio fica muito rápido. Mas no enquadramento dos personagens voce só vê o essencial, mesmo que aqueles seres humanos em conflito não tenham passado e nem futuro, você só vê o essencial. Tudo é tão rápido que as vezes você nem se dá conta que ao ler Faroestes de Marçal Aquino, como bem disse o Cristóvao Tezza você está entrando numa zona franca, onde os 5 sentidos devem estar muito apurados e a tua arma tem que estar sempre carregada e principalmente en-ga-ti-lha-da. Na cidade, na roça, numa rodoviária de interior, num necrotério, onde quer que você esteja, o espaço criado por Aquino é um espaço sem lei e sem ordem.

Além da falta de lei e ordem, eu ousaria dizer que, a exemplo de Faulkner, o Marçal Aquino também penetrar seu cutelo no coração do conservadorismo brasileiro. Num sentido mais prosaico, nesse universo conservador, evangélico e de classe média, é como se o nome de Deus fosse evocado a todo o instante, mas qualquer idéia que o associasse aos atributos de generosidade e solidariedade ficasse de fora, deixando o papo para os mortais. Como se Aquino dissesse a deus, ô cidadão, fica de fora da minha Yoknapatawpha que aqui mando eu mando eu. Se você não tiver safisfeito, eu não vou sujar minhas mãos contigo, mas você toma muito cuidado quando chegar em casa tarde da noite, ou na saída para o trabalho de manhã, pois voce sabe... tem muito coisa ruim acontecendo no mundo...

No espaço geográfico do Aquino tudo é violento, fragmentário e multifacetado tipo filme de Chan-wook Park. O instrumento pérfuro-contuso está ali na tua cara, mas não é ilustrar nada não. Aquilo é pra furar, para sangrar, para foder com alguém. Você tem ainda uma outra certeza, armamento pesado não é só para dar confiança para o cara. Ou seja, a prosa do Marçal Aquino é um problema. E pode ser que as frases curtas, quase metrificadas, sugiram uma espécie de poesia, uma espécie de sonho. Pois tudo é tão real que passa a ser quase irreal, quase um sonho daqueles que você acorda no meio da noite atordoado, enxugando o suor do pescoço, com uma sensação de que se você voltar a dormir o sonho volta, duro e hiperrealista.

E ainda tem uma outra coisa. Como tudo que ele narra é aterrorizantemente familiar, passando no telediário da noite, no cinema, podendo ser ouvido no rádio ou num comentário no boteco da esquina, tudo dá mais medo ainda.

Só um exemplo:

DEZ MANEIRAS INFALÍVEIS DE ARRANJAR UM INIMIGO (PARA FACILITAR O TRABALHO DO LEGISTA)


3 – Você repara como é pernuda a repórter da TV que veio filmar o boteco onde aconteceu a chacina na sexta-feira. De minissaia, uma beleza. Ela começa a fazer perguntas, todo mundo se encolhe. Surdos e mudos. Então você se aproxima, como quem não quer nada além de ver de perto as manchas de sangue no chão, os buracos de bala nas paredes e no balcão. E, é claro, aquele belo par de pernas. Na hora em que surge a oportunidade, você diz a ela que topa contar o que sabe. Desde que seja longe dali e com duas condições: você só aparecerá de costas e terão de mudar sua voz quando a entrevista passar na televisão. Naquela noite, com a família e amigos na sala, é a primeira vez que você vê alguém impaciente com o capítulo da novela. Você se sente meio artista, ganha até um tapinha nas costas. Começa a reportagem, a repórter surge na tela, microfone em punho - e você comenta que ela é mais bonita pessoalmente. Sua voz, alterada, ficou parecida com a de um personagem de desenho animado, você não se lembra qual. Todos se divertem na sala. Menos você, porque acabou de notar que aparece vestindo sua velha jaqueta, que tem nas costas uns desenhos coloridos e manjados. A entrevista dura uma eternidade, mas você já não presta atenção. Está pensando que nunca mais vai usar aquela jaqueta. Gosta muito dela. Seria um pecado ela ficar cheia de furos.

Mas não pára aí não. Os sismógrafos de Aquino resgistram desde o minimalismo do ódio entre os olhares de um padrinho e uma madrinha, observados pelo afilhado, até a angustia de um pai que tem um filho marginal com tudo para acabar morto e acaba mesmo morto.

Ao terminar o livro você tem um dilema nas mãos. Uma sensação de angústia. Voce se sente esmagado, meio que um merda. Mas você tem duas certezas. Primeira, nem sempre quem está a fim de te ajudar é teu amigo – como no conto Tocaia. Segunda, nem sempre quem está afim de te ferrar é teu inimigo – como no conto Clinch, no chute que Abdala deu num cara para que ele aprendesse a nunca mais mexer com mulher alheia. Portanto, se voce está na merda, fica calado.

Em outras palavras, se você achar Faroestes ruim, você prova uma certa obtusidade. Se você achar bom, você se ferra, pois não dá para fechar o livro em paz. Lógico que não se trata de gostar ou não gostar apenas. Em todo o caso, não fala nada, fica calado e clica a tecla play novamente. The Good, the bad and the Ugly ou The Mirror. Tanto faz. Você não vai conseguir dormir mesmo…