As UPPs de Frederick Wensley contra a preguiça Serpico


Sem desconsiderar Scarface e o próprio Poderoso Chefão, ainda penso que Serpico é um dos melhores filmes onde assisti Al Pacino atuando. O Filme é de Sydney Lumet – um dos mais irregulares monstros sagrados do cinema americano de quem Hollywood quase não fala. Nos dividendos de Lumet estão o Assassinato no Expresso do Oriente (uma bomba de filme!), mas no saldo estão obras primas como o 12 Angry Men, com o Henry Fonda, e o The Pownbroker, com o Rod Steiger. Em suma, Lumet tem uma qualidade essencial: sabe escolher a dedo seus protagonistas. Em Serpico, não é diferente.

Hoje, vendo essa realidade do Rio de Janeiro, um filme oportuno para nos fazer refletir sobre o caráter corrosivo da corrupção policial no Rio de Janeiro. O filme é atual, mas  nem é um grande filme, pois é bastante biográfico e linear. Fato é que Al Pacino empresta à pele de Frank Serpico, da Polícia de Nova Iorque, toda a angústia, o desespero e o estoicismo de um policial honesto cercado por corrupção e desonestidade por todos os lados. O filme começa com Serpico coberto de sangue, com as sirenes ligadas e chegando ao hospital. Acabava de ser baleado na cara. O resto do filme conta a história de Serpico, um policial que recusa se misturar com a banda podre da polícia... e por isso paga um preço caro.

O jovem policial é idealista e extremamente frustrado com a política. Sua vida pessoal, por estar sempre meio que exilado de seu meio, acaba por torná-lo um cara meio evasivo até mesmo para a noiva. Ele tem um pouco dos hippies. Carrega todo o peso da aura contracultural, se veste de maneira extravagante, mora no Greenwich Village, num bairro artístico, tem a barba sempre grande e sempre está rodeado de hippies e amigos ligados a movimentos de esquerda. Ou seja, um cara meio maconheiro, mas meio esquisitão. Ao se negar a receber propina e participar dos pequenos esquemas de corrupção, ele passa a se tornar um estranho no ninho do NYPD, levantando a desconfiança de seus companheiros de farda. Em pouco tempo está depondo na temida Knapp Commission, uma comissão de investigação no esquema de Corregedoria policial com o aval do Juiz Percy Whitman Knapp, que apurava casos de corrupção policial na NYPD.

Ainda por conta do teatro mediático dos últimos dias no Rio de Janeiro, eu, um quase agnóstico militante, fiquei pensado em Tomé,  o apóstolo. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Ele apenas disse que precisava tocar nas chagas para crer na ressurreição. Muito incauto pensa que tocou pois ficam vendo essas telas do Caravaggio e passam a acreditar que tocou e que a partir daí é que passou a crer na existência da vida nova. Tocou nada! Tomé acreditou na palavra. Imagine, se ia trocar o único bem que tinha - o do benefício da dúvida - pelo bem que imaginava obter - uma hipótese insustentável. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra, que gera o benefício da dúvida.

Crer cegamente é confortável. Crer que a polícia está do lado do bem os bandidos do lado do mal, é reconfortante. Folheava eu hoje pela manhã um livro interessante chamado The Scotland Yard Files de Allan Moss. Evidentemente não li o livro todo, pois acho esse assunto para lá de enfadonho, mas de saltos em saltos pude constatar que a história da Scotland Yard, assim como a história da polícia do Rio de Janeiro, está cercada de brutalidade e corrupção. Mas tudo bem, pois o pensamento sempre foi o de: se está funcionando, deixa como está.

A chamada Polícia Metropolitana de Londres surge em 1829 pela aprovação do Metropolitan Police Act. As atribuições dessa nova polícia eram as de prestar proteção a personalidades públicas, comunidades, patrulhas e todas as demais atribuições de uma polícia do século XIX. A partir de 1842 parte da Scotland Yard passa a andar à paisana. Ou seja, os policiais que já não tinham boa fama fardados, não podiam mais reconhecidos. E em poucos anos, a polícia já era um exemplo do que uma polícia não deveria ser. O naipe de irregularidades ia desde a asociação com máfias irlandesas, prostituição, jogo, até crimes de gênero.

Em 1877 a instituição era tão corrompida e desacreditada que 4 de 5 elementos que ocupavam os postos de mais alto escalão na hierarquia são julgados e acusados de conspiração e formação de quadrilha. Dez anos mais tarde acontece o famoso “Bloody Sunday” - imortalizado na música de uma banda que ”existiu” na década de 90, chamada U2 – quando 2000 policiais avançam contra uma manifestação pacífica de trabalhadores da Social Democratic Federation matando 100 trabalhadores.

Foi necessário quase 50 anos para chegar um cara chamado Frederick Wensley. O apelido dele, provavelmente dado por seus detratores, era weasel, ou furão ou fuinha, uma espécie de rato dentuço. Fato é que o homem ficou à frente da Scotland Yard por mais de 40 anos. Foi ele quem implementou a transformação radical da instituição. Primeiro, mudou de prédio de lugar. Segundo, aumentou o número de policiais. Só para se ter uma idéia, em 1890, o número de policiais subiu de 1000 para mais de 13000. Ou seja, injetou uma tropa com sangue novo e transferiu todos os corruptos para funções burocráticas, longe das ruas e portanto longe das atividades ilícitas. Em duas décadas, conseguiu "limpar" a polícia londrina.

Bem, mas resta saber se toda essa política de reestruturação da polícia do Rio de Janeiro, baseada na tomada de territórios, armas e drogas dos traficantes será acompanhada por uma reestruturação geracional da polícia. Sabe-se, por leitura de jornais, que as UPPs usando “mão-de-obra fresca“ procuram suprir e substituir com novos e entusiásticos policiais, uma tropa já viciada em velhas práticas.

Sou muito cético em relação a isso, pois há um componente histórico nisso tudo -  e por favor vejam os trabalhos do historiador Marcos Bretas da UFRJ sobre a formação da Polícia Militar e a história de como se formou a Guarda Nacional do Império.  Curiosamente, a nossa polícia era tão corrupta e brutal quanto a Scotland Yard, e mais curioso ainda é que a nossa, formou suas primeiras tropas incorporando justamente milícias estaduais. Milícias de homens armados que trabalhavam para grandes proprietários de terras, ou o grande capital urbano.

Mas concentrando-se apenas nos fatos... O governo fala de 40 UPPs, ou seja, mais 28 unidades nos próximos quatro anos. Com base em critérios técnicos da Secretaria de Segurança Pública, eles alegam que isso seria suficiente para ocupar todas as comunidades que são controladas pelo poder paralelo.

Um conhecido meu que entende muito desse negócio de UPP, me diz que cada UPP tem atualmente uma média de 150 PMs, o estado precisará de mais 4200 soldados nos próximos quatro anos. No seu argumento, o governo acaba de ampliar a capacidade de formação da academia da PM, que agora poderá recrutar e formar 20 mil soldados no próximo mandato.

Ainda seguindo seu argumento, a média de PMs que deixam a corporação por aposentadoria ou por mudança de profissão mantiver-se constante, ou seja, pouco acima de 1000 ao ano, o Estado vai perder menos de 5 mil PMs nos próximos quatro anos. Assim, o saldo em 2014 pode ser superior a 15 mil novos PMs, bem mais do que suficiente para as UPPs e para o patrulhamento das ruas. Mesmo que as próximas unidades exijam efetivos bem maiores, como será o caso do Complexo do Alemão e da Rocinha, PMs não será um problema.

Essas são as contas deste conhecido, douto em políticas públicas.... ou seja, uma pessoa muito inteligente!

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Agora, eu mostro as minhas contas...

Fazendo uma matemática rápida em cima de uma entrevista recente do recente Secretário de Segurança para a recente Revista Epoca, para 10 comunidades, a polícia precisaria de 1880 homens. Ou seja, ele precisa de quase 200 homens para cada favela - dependendo do tamanho de cada uma, obviamente.

No fundo, estamos falando de mais de mais ou menos 800 favelas no Rio de Janeiro, mais de 1.5 milhão de pessoas morando em comunidades pobres. 1.5 milhão de pessoas é mais ou menos 10% da população do estado do Rio de Janeiro. Você pode até discordar do meu ceticismo e das minhas conclusões, mas você há de convir que é gente pra dedéu.

Bom, mas ainda baseado na entrevista do Secretário, para pacificar 800 favelas, ele precisaria multiplicar 188 homens x 800 favelas. No fundo ele precisaria de mais de 150 mil soldados para cobrir todas as favelas. E ele diz que a ACADEPOL pode formar 4000 por ano. Ou seja, o plano é bom mas é eleitoreiro exatamente nesse ponto, pois em 4 - 5 anos ele somente poderá colocar no máximo 20 mil soldados em UPPs. Vamos ser sinceros, isso vai cobrir mais ou menos 15% do total de favelas do Rio de Janeiro.

Por isso, a impressão que me passa é a de que o atual Governador – por mais bem intencionado que esteja e digo desde já que só em ter tocado nesse vespeiro já ganha minha simpatia - está combatendo com recursos parcos e limitados apenas o varejo. O atacado da droga e da arma, não é abalado pois depende de combate nas esferas federais.

Somente para concluir... do que eu estava falando mesmo... ah sim, do filme Serpico.... penso que o atual governo do Estado está incorporando ar proselitista desde que assumiu, dizendo que não pode prender o traficante x y z por preservar vidas… pode ser. A atuação no Complexo do Alemão provou isso. E alguma coisa mudou desde que ele asumiu. Pois o Alemão já tinha sido invadido em meados do primeiro mandato do atual Governador. E foi aquele desastre com 30 mortos repercutindo mal pra caramba - com os traficante trazendo os corpos em carrinhos de mão para a entrada da favela para a policia recolher.

Ainda há as contas que um outro amigo que não entende nada de nada, mas é engenheiro e tem MBA nos Estados Unidos, ou seja, entende de matemática. Ele acaba de me passar dados baseados no blog do Luis Nassif.... e cá pra nós, assustam mais:

[ Fiquei curioso para saber o preço das armas usadas pelo narcotráfico, como a UZI e a AK-47. Eu imaginava que estas armas custariam milhares de dólares -  mesmo no mercado negro.

Para minha surpresa, descobri que o custo é bastante acessível: vai de $400 a $800. (Fonte:http://www.atlanticfirearms.com)

Assumindo uma média de $500, o custo para armar um grupo de 600 homens é de $300 mil.

Parece muito, mas é o equivalente a apenas 6kg de cocaína ($50/g) ou 300kg de maconha ($1/g).

Só para ter idéia dos números do tráfico, a Secretaria de Segurança Pública do Rio informou que, entre domingo e ontem, foram apreendidos 33 toneladas de maconha e 235 quilos de cocaína no conjunto de favelas do Alemão.

Considerando que a demanda por drogas vai seguir existindo (isto é um fato), todo este dinheiro irá para os traficantes de outros morros. Pior: eles ganharão ainda mais devido à escassez temporária.

Dá para entender por que a guerra contra as drogas não funciona?]

Mas voltando a Serpico. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Acreditam que tocou. Faz bem acreditar. Mas no fundo ele so creu na palavra. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra. Na palavra de honra. Dá pra acreditar? Que dá dá, mas...

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