Michelangelo Antonioni e Bergman


Faleceu ontem, no mesmo dia da morte de Igmar Bergman, Michelangelo Antonioni aos 94 anos. Do Antonioni vi bons e antológicos filmes. Nesse momento me lembro logicamente do Blow-up que sempre me vem a cabeça por dois motivos. O primeiro, a Jane Birkin nua, no auge de no máximo seus 20 anos. A segunda coisa, o roteiro que foi baseado num conto do Cortazar chamado Las babas del diablo – que ficou bem diferente na tela, até por que por mais perícia que Antonioni tivesse, jamais poderia traduzir a frase, 'entre las muchas maneras de combatir la nada, una de las mejores es sacar fotografías.' Mas isso é uma longa estória.

Outro filme muito bom do qual tenho sempre uma boa lembrança é o La Notte. Jeanne Moreau e Mastrioanni emprestam olhares e gestos precisos a um casal em crise que procura em relacionamentos paralelos as respostas para a monotonia do cotidiano conjugal. Há uma cena clássica que Antonioni se supera no poder de bruxo eufemista, quando os protagonistas estão num bar e a cena começa com um jazz da pesada rolando. Um casal de dançarinos negros entra no palco e começa uma simulação meio doida de strip-tease. Quando todos pensam que aquilo terá um fim óbvio, o dançarino, ao final, envolve sua parceira com sua pele, ela agradece aos aplausos e se retira. A sutileza de Antonioni é mais uma vez notada quando a personagem de Moreau aplaude primeiro que o marido, estudando-o de uma posição um pouco mais atrás que a do marido, pois percebe que, talvez, no fundo, aquilo era desde o início, uma encenação feminina distante da apreensão masculina. Logo ele que era escritor e que deveria estar atento a esses mínimos detalhes da alma humana.

Por falar em detalhes ínfimos da alma, o que dizer de Bergman? Só o Ovo da Seprente e Persona. Ponto. Poucas vezes na vida senti tanto o pulso de um diretor como nesses filmes. Afinal, quem assitiu Persona sabe do que falo. Num enredo onde uma mulher surta no meio da apresentação de um Sófocles perdendo a fala, e instiga o resto de nossas duas horas de razão crítica a pensar em círculos - para onde esse cara vai levar essa estória agora? - é no mínimo um fabulosos exercício, típico do Bergman, de brincar com nossa incapacidade de pensar. Senti isso com pouquissimos filmes e livros na minha vida. Um deles, até então, que me lembre agora, era exatamente um livro menor do Gabriel Garcia Marques chamado Diário de um Náufrago, onde um cidadão está a deriva por vários dias no meio do oceano: ele, o mar e o céu. Só isso. Tirar uma estória desse quase-nada me impressionou quando eu tinha 16 anos. Lá pelos anos de faculdade já não me impressionava muito com esse negócio de tirar estórias do nada, pois como diria o Victo Guidice, a gente luta mesmo é contra esse vicios do mundo objetivo e do universo subjetivo em que a gente morre todo dia, mas aí um amigo me diz que havia um cineasta sueco bom pra caralho – ele usou exatamente essa expressão logo no fim de uma aula de filosofia do Gerd Bornheim! Fui conferir aquele tal de Bergman. Mas para meu amigo eu dissera que, obviamente, ouvira falar do homem, pois nesse meio de gente muito inteligente você revê filmes e relê livros, sem espanto, mesmo que só tenha vinte e pouquinhos anos, mesmo que só patéticamente da boca pra fora. O que me impressionou mesmo foi tirar uma estória de dentro de uma outra estoria. Ou seja, de uma peça de Electra, fazer um filme onde a protagonista passa todo o tempo muda, e que por um malabarismo visual do diretor, a enfermeira, se sentindo traida quando descobre que a mudez de sua paciente possa ser fabricada surta, ao desconfiar que pode estar, na verdade, sendo usada pela protagonista para uma espécie de estudo de personagem. É isso aí.... Bergman. Então, dorme com esse universo de pena, culpa e manipulação na cabeça.


Enfim, mais um dia triste, pois mesmo que se percebam coisas boas como um beijo de filho, a alegria de um dia quente, a promessa de uma publicação, a felicidade nos olhos de uma avó, e os instantes de atenção na generosidade do olhar da mulher, a gente sempre vai ficar com a sensação de que para entender tanto ao Antonioni quanto ao Bergman teriamos mesmo que revê-los inúmeras vezes até perceber que já é demasiado tarde. Perceber que para sermos melhores teriamos mesmo é que não apenas ler, mas parar, olhar, entender muitas sutilezas desses mundos onde a gente morre todo dia.

É alegre a natureza? Impotente dizem.




O PBS, Public Broadcasting Service, está transmitindo nas últimas semanas um documentário fantástico sobre arte chamado The Power of Art, apresentado por ninguém menos que um dos mais elegantes historiadores que habita o barulhento, e nem sempre competente, ambiente intelectual americano: Simon Schama.

Autor de livros já clássicos como o Citzens, ambientado no seio da Revolução Francesa, Schama, com sua eloquência característica, tomou o devido cuidado na época de afastar Luis XVI, Necker, Maria Antonieta, do centro das atenções, fazendo-os coadjuvantes de um processo muito mais interessante que via nos sans-culottes e em boa parte do Terceiro Estado a construcção de novos valores nunca antes elaborados. Através do conceito de cidadania, resgata da revolução o poder da crônica e embrulha de presente para os historiadores um problemão: se para a História não existe Verdade, o que limita um historiador dar à crônica um valor histórico – duzentos e tantos anos depois da Revolução.

Neste documentario, especificamente, ele tambem usa as margens para explicar a ligacao entre arte e hitoria. Baseia sua apresentacao num livro homônimo muito interessante já traduzido para o português. Na verdade, The Power of Art é baseado num livro que foi pensado para ser exibido na BBC, e elege oito artistas como representantes específicos de uma época que ao retratarem um objeto aparentemente inexpressivo ou uma paisagem intuitivamente familiar revelam através destes, valores de uma cultura, de um tempo e lugar: Caravaggio, Bernini, Rembrandt, David, Turner, Van Gogh, Picasso e Rothko. No documentário não fica clara justificativa da escolha por este ou aquele artista, mas pouco importa, pois sua erudição e a elegância do ordenamento de suas idéias é tanta - e tão simplificadamente exuberante - que o melhor mesmo é ficar calado, admirado, pasmo.

Ele fala por exemplo da verdadeira obsessão dos românticos por elementos da natureza como rochas, montanhas, fins de tarde, mares revoltos, e de como as escolhas das cores influenciavam na profundidade da recepção de suas obras de arte. Ontem foi a vez de Joseph Mallord William Turner, pintor inglês, que teve dentre seus quadros mais representativos, na visão de Schama, o retrato da tragédia de um naufrágio negreiro nos mares caribenhos: The Slave Ship: Slavers Throwing Overboard the Dead and Dying, Typhoon Coming On.
A tragédia do navio Zong, ocorrera, na verdade em 1780, quando seu capitão, vendo uma tempestade se aproximar, toma a decisão de se livrar de parte da carga de escravos, que tragicamente seria lançada ao mar.

No caso específico deste pintor, Schama dá algumas pistas de sua metodologia na escolha dos autores. Schama afirma que Turner era um pintor caracteristicamente de estúdio, que raramente pintava, in loco. Essa escolha, associada a suas leituras da tradução de 1840 da THEORY OF COLORS de Goethe, sugere que havia na sua arte uma elaboração muito mais profunda, condicionada, porém refletida, que fazia de seus quadros não apenas uma forma de fruição romântica, mas uma conexão entre sequências históricas e emocionais. Havia também um aspecto político, pois 1840 era o período onde os debates em torno da proibição do tráfico negreiro foram mais intensas e antecipando as pressões para a aprovação do Bill Aberdeen em 1845.
Tanto o artista quanto o historiador, suspeito que, na visão de Schama, são seres que resgatam o substrato, as forças históricas inexploradas e inexplicadas que ficaram a deriva ao longo dos séculos, e que através da combinação de erudição e auto-controle crítico expressam em imagens os juizos e valores históricos.... à guisa de uma crônica, talvez.



Enfim, mais um grande documentário. E que venha Rothko!


http://www.pbs.org/wnet/powerofart/?campaign=pbshomefeatures_5_simonschamaspowerofart_2007-07-24






Música do dia: Natura, festa do Interior, Música do Interior, Egberto Gismonti.
O título do post vem do Manoel de Barros


Assisti ao Me and You and Everyone We Know saido do forno. Numa tarde de domingo. Ano passado, talvez. E Street, certamente, pois não há outro local. Por que só agora escrevo sobre esse filme? Sinceramente, não sei. Mas, algumas passagens do filme me vieram a mente minutos depois de ter com meu camarada Rodrigo Patto e sua incansável tentativa de encontrar un sentido na solidão americana. O filme trata das estórias de Christine, uma artista plástica iniciante - e desconfio não muito talentosa - que vive uma constante oscilação entre fantasias diversas e realidade, quer na sua arte quer na sua própria vida; e de Richard, um vendedor de calçados numa loja de departamentos, separado e pai de dois rapazes. Do encontro dos dois poderia-se esperar muito, principalmente por ele, pensando que estava sempre preparado qualquer acontecimento inusitado, deixa, não sem pânico, a espontânea Christine entrar na sua vida. Poderia-se esperar ao menos que da falta de rumo na vida de ambos surgisse algo mais que uma espécie de amizade onde um passa a depender do outro, sem saber ao certo quem teria ascendência sobre quem. Mas eu acho que é exatamente essa falta de perspectiva, essa obliquidade para onde a solidão os empurra, e o consequente retraimento involuntário que Miranda July, protagonista e diretora, quis impor ao roteiro, pois senão veja, todos os demais personagens vivem os efeitos dessa poética e penetrante condição da realidade americana moderna. Os exemplos? Robby, filho de 7 anos de Richard, mantém um romance internético com uma desconhecida, que não revela nem para seu irmão mais velho, que por sinal, vive em sua sanha onanistica a procura das meninas da rua para ‘iniciar-se’ – deixemos assim nesses termos ambíguos.

Enfim, todos, a seu modo, procuram laços de união. Mas ai tudo acaba degringolando.... O que prometia ser um bom filme acabou frustando totalmente. O que tinha tudo para ser um filme doce, divertido e sensivel sobre destinos desamparados a procura de laços que os unissem, virou uma estória desiteressante, onde a amiga secreta de Robby, filho de Richard, é a dona da galeria de arte onde Christine, amiga de Richard, deseja expor. E o filme acaba. Assim. Com todos solitarios, não mais solidários, novamente.

Não lembrei de falar desse filme na conversa do almoço com o Rodrigo, estudioso do comunismo brasileiro, mas também não sei se ele entenderia – como eu, a muito mais tempo aqui, não entendo - que para haver entendimento sobre solidão americana é necessário compreender que mesmo num filme eufemista há uma emanação realista dele todos os dias assim que se sai de casa pela manhã em direção ao trabalho. É só imaginar. Por isso não acho nenhum filme extraordinário como os criticos babacas do CityPaper me enganaram na época.
Preferimos falar da sua pesquisa, da constrangedora constatação de que as universidades brasileiras tiveram um boom de crescimento durante a ditadura, das recentes memórias de Jorge Amado, dos inumeros processos contra Enio Silveira da Civilização Brasileira - e minha alusão sobre o filme the apartament que só nós saberemos a que se refere - e do republicano espanhol Max Aub, ou seja preferimos falar de nós e de alguns que conhecemos, no que fizemos muito bem.

http://www.meandyoumovie.com/

Sicko na verdade é uma doença mental


O novo documentário de Michael Moore, Sicko, chegou as telas daqui nesse último fim de semana. Chegou já causando barulho. Não por uma parte essencial da narrativa se passar exatamente em Cuba, mas por que mostra que nessa história de saúde, planos, cuidados com a vida, não existem boas intenções.

Mas, a porpósito, por ter filmado parte do documetário na terra de Fidel, violou o embargo que os EUA promovem contra a ilha. Assim, Moore terá que se ver com a justiça americana. Não deve dar em nada, mas ele chegou a temer que o governo usasse isso como pretexto para embargar a estréia do filme nos EUA, no último fim de semana. O que aparentemente não aconteceu, pois o lobby dele (Millenium e MGM) que conta com a ajuda providencial de Bob Weinstein, fundador da Miramax, cá pra nós, também não deve ser faco.

Enfim, o filme retrata a miséria promovida pelos milionários planos de saúde americanos (Cigan, Aetna....) a milhões de americanos que vivem à margem do sistema. Um dos fios condutores da narrativa centra-se no drama de 3 ou 4 bombeiros e voluntários que trabalharam no resgate das vítimas do atentanto contra as torres gêmeas. Retrata a vida desses bombeiros e enfermeiros que hoje em dia convivem com doenças pulmonares causadas pelas várias semanas que ficaram aspirando pó, fumaça, e miasmas dos corpos sob os destroços do World Trade Center. Por serem voluntários, na época, foram tratados personagens que engrossavam o caldo dos heróis anônimos que participaram do resgate de milhares de corpos sob os escombros da vergonha de todos. Hoje, através das lentes de Michael Moore, fazem parte do grupo de americanos que não tem acesso ao sistema privado de saúde, e que pagam um preço alto por isso.
A miséria destes e de muitos outros começou num passado não muito distante de 2001. Começou mais especificamente no governo republicano de Richard Nixon que deu as primeiras cartas brancas para a Kaiser Permanent operar com as contas de alguns sindicatos americanos, como o dos professores da California - mas isso não está no documenário. Com o passar dos anos, as pessoas foram vendo que as coisas não estavam bem paradas e Hilary Clinton – meio que oportunisticamente pois aproveitou-se da face free-rider de primeira dama - tentou resgatar a discussão de um sistema de saúde unificado. Os sindicatos e lobbies do setor compraram, subornaram, negaram e recusaram a proposta do que eles chamavam de socialização da saúde nos EUA. A ironia apresentada por Moore é que Hilary também recebeu generosas contribuições da indústria de fármacos para sua eleição para o senado... justamente quando ela já não mais os atacava.
Enquanto os lobbies operavam no Congresso, uma espécie de procedimento padrão fundou-se nas empresas seguradoras. Quanto mais operações negassem, mais vantagens em bônus e outros benefícios, seus funcionários teriam. Com isso Moore recolhe depoimentos das vítimas desse processo, exatamente dos ex-bombeiros, pessoas com câncer, doentes terminais e viúvas deste perverso processo onde todo mundo que trabalha do lado do mal se acha inocente, obviamente. Aliás o ponto alto do doc é o depoimento de uma operadora de telemarketing de uma dessas Aetnas da vida que simplesmente surta na frente das câmeras. Pede a todos que não contem seus dramas para ela, que a deixem trabalhar em paz, negando seus pedidos de operação, de retiradas de cancros, fistulas ou seja lá o que for... para que ela possa ter uma vida normal como todas as outras pessoas. Realmente uma personagem que nem Nelson Rodrigues nunca jamais poderia ter pensado.
Outra parte impagável, e de gosto certamente duvidoso, é a hora em que ele enche três barcos de doentes e ruma em direção a Guantânamo exigindo das autoridades militares locais o mesmo tratamento que os militares dão aos suspeitos de terrorismo, sugerindo que os homens da aukaêda dispõem de melhor atendimento médico que cidadãos americanos - mas não comece a tacar pedra não, pois já ouvi um monte de gente no Brasil dizendo que preso, bandidos e afins tem vida melhor que os libertos...
Não gosto de duas coisas em Moore. Por um lado, sua capacidade de manipular informações, introduzindo depoimentos emocionais, personificando de maneira pontual heróis e vilões; e por outro lado, sua espécie de didática narrativa, com perguntas estúpidas que fazem o espectador refletir calhordamente e indignar-se indutivamente. Também não gosto de sua auto-indulgência e compassividade ao fazer questão de mostrar que está sendo atacado todo o instante por dizer a verdade. Mas no fim do filme os americanos aplaudiram...sinal que gostaram.Para dizer a verdade, esse talvez seja o menos ambicioso dos documetários dele, e talvez o que vá fazer mais barulho nos próximos debates presidenciais.
Poesia do dia:
Adelante a toda despedida, Arturo Tendero
La noche es el soporte
de la derrota. Por la mañana oiremos
latir de nuevo el corazón
y nos abrazaremos a la duda
Norte-americanos têm menos amigos
26/06/2006 Agência FAPESP -



Os norte-americanos têm cada vez menos amigos e estão cada vez mais isolados. Segundo um estudo feito por sociólogos das universidades do Arizona e Duke, nos Estados Unidos, o círculo de confidentes encolheu dramaticamente nas duas últimas décadas e o número de pessoas que afirmam não ter com quem discutir assuntos importantes mais do que dobrou no mesmo período.
“As evidências também indicam que, hoje, tais laços são mais familiares do que costumavam ser”, disse Lynn Smith-Lovin, da Universidade de Duke e uma das autoras do estudo publicado na edição de junho da American Sociological Review, periódico oficial da Associação Sociológica Norte-Americana.
“Essas mudanças indicam algo que não é bom para nossa sociedade. Laços com uma rede próxima de pessoas criam uma zona de segurança e levam ao engajamento civil e à ação política localizada”, disse a pesquisadora.
O estudo marca o primeiro levantamento representativo sobre o assunto feito no país em duas décadas. A pesquisa comparou dados de 1985 a 2004 e verificou que o número médio de pessoas com quem os norte-americanos discutem assuntos importantes caiu quase um terço no período, de 2,94 pessoas para 2,08. Em 2004, quase um em cada quatro entrevistados disse não ter confidentes.
Tanto os confidentes familiares quanto os não familiares caíram, mas a maior queda ficou com esse segundo círculo. De acordo com os pesquisadores, as relações sociais dos norte-americanos representam “um conjunto de laços densamente conectados, fechados e homogêneos, fechando-se lentamente em si mesmo, tornando-se cada vez menor e mais focado nos fortes laços da família nuclear”.
Os autores do estudo especulam que mudanças nas comunidades e nas famílias, como o aumento do número de horas trabalhadas e a influência cada vez maior da internet, podem estar contribuindo para o cenário constatado.
As diminuições nos círculos de confidentes foram consideradas surpreendentes pelos pesquisadores, que pretendem fazer novas análises sobre o assunto.

Paris Je t'aime



São 18 filmes de sete a oito minutos cada um. Uns, a bem da verdade, muito melhores que os outros. Os temas são diversos e passam pelos problemas de imigração, pela perda de um filho, permeiam a incomunicabilidade entre casais, e a falta de amor, e podem desembocar no mais inverosímil encontro entre dois vampiros que se amam e chupam com devassidão. No todo, é um filme irregular com algumas estórias muito boas e muitas muito ruins. Porém, há sempre a esperança de que a ligação entre as estórias ocorra, de maneira que a cidade de Paris não seja apenas o cenário de estórias esparsas. Até chega-se a ter uma esperança quando, quase no final, Gena Rowlands contempla de seu apartamento o jantar em que Juliette Binoche se esforça em sorrir. Mas para por ai.

Do meio para o final chegamos a conclusão que estórias sofríveis, como a da cabelereira oriental e a de vampiros a trocarem fluidos corporais, não podeiram estar ligadas mesmo, para o bem das boas estorias. Fato é que a idéia foi interessante e o final frustrante. E o resultado só não foi melhor mesmo pelo completo non-sense de algumas estórias.

Os meus favoritos foram:

Steve Buscemi entra mudo, no sketch dos Irmãos Cohen, e sai calado. A ironia dos olhares que se cruzam e a semelhança entre o olhar da mulher e o da Mona Lisa é coisa memos dos Cohen. Mesmo sem dizer palavra, suas expressões de desolação numa cidade onde supostamente ninguém deveria se consternar, são engraçadíssimas.

A estória dirigida pelo Walter Sales, passada longe du 16ème, é a que que tem menos diálogos, poucos sets, mais muita emoção – marca dos seus filmes. Após deixar a filha numa creche, Ana tarda horas na condução para o trabalho numa ‘casa de família’ – exatamente na 16ème. Passa o dia cuidando de uma criança da idade da sua, para quem canta as mesmas canções de ninar, e para quem certamente a Moira será bem mais amena que para a sua filha num mundo cada vez mais hostil contra imigrantes.

Carol chega a Paris, de Denver, com noções suficientes de francês para pedir comida, se comunicar sem muita profundidade e narrar suas aventuras numa espécie de diário - que em off acompanha sua trajetória pelas ruas do 14 arrondissement. Típica americana, apesar de deslocada, tenta sem arrogância fazer parte da dinãmica da cidade. Em Paris, em meio a sua solidão de viajante, sente que sua vida começa a fazer sentido ao captar, num parque, a emoção das pessoas ao redor. Nesse momento a ficha cai, e chora por motivos talvez similares que os da dona na fila de trás.

Uma estoria que trata do amor de um cego com uma jovem bonita poderia certamente terminar mal, para quem assiste. Uma estória de amor redonda entre um jovem cego e uma jovem actriz, Natalie Portman, sem cair no piegas e desgraçar uma tarde de domingo. Mas Tom Tykwer contornou, torceu e avançou e recuou, até ficar um conto convincente entre dois adolescentes.

Nesse caso, não vem ao caso o fato de que Fanny Ardant já ter sido casada com Truffaut, mas o pensamento sempre me vem a cabeça quando constato que o homem além de fazer bons filmes teve o privilégio de ser amado por ela. Bob Hoskins está muito bem no papel de um homem velho supostamente apaixonado por uma Fanny Ardant também supostamente apaixonada, num bordel de Paris. Mesclam ficção e realidade. São atores. E mesmo no final não se sabe se estão representando ou não. Ótimo.

Talvez o melhor diálogo tenha sido do da ex-mulher de Cassavetes, Gena Rowlands, com o um de seus melhores amigos Ben Gazzara. Até agora estou tentado decifrar se o diretor Depardieu tentou fazer uma homenagem a Paris ou a Cassavetes com aquele diálogo cheio de ironias - a propósito escritos por Rowlands - que só dois velhos sarcásticos que tenham dividido o amor, as contas bancárias, a amizade, o prejuizo dos filhos e os rancores, tem o privilégio de protagonizar. O acertos judiciais da separação, num bar onde Depardieu é o gerente, mostam com humor e certa melancolia o fim de uma relação, e o recomeço incerto mas necessário.

Quase ia me esquecendo da estória onde Seydou Boro é um imigrante apaixonado que é esfaqueado por malfeitores. De maneira nenhuma previsível, uma estória tocante. Faz sentido mesmo se você imagina um suburbio em Paris, em Anacostia, em Barcelona, na Favela da Maré, em Frankfurt, em Londres ou em Cova de Moura. Tambem as outras duas de amor em torno a Oscar Wilde e à leucemia.

Quase ia esquecendo tambem de não falar na dos mímicos, na da atriz viciada em haxixe, na da cabelereira-lutadora , na dos vamipiros, na da primeira estória, e em algumas outras que o melhor mesmo é esquecer.

Procurando o bem dos nossos semelhantes, encontramos o nosso

Saramago, ao reinventar a Caverna de Platão ambientou-a numa especie de shopping center. Se é certo que a sentença do filósofo, interpretada pelo comunista comedor de crianças, nos condena a viver banhados de luz e imersos em sombras, poderiamos concluir que nessa sociedade de consumo não há espaco para solidariedade. Mas não é bem assim.

A generosidade não tem limites aqui. Esse rato foi resgatado pelos bombeiros em Pocatello, Idaho. Foi encontrado por um bombeiro numa casa em chamas onde haviam também cinco gatos. Deu no El Pais.
Algumas imagens valem mais que mil palavras...


Nota: a frase acima é de Platão.
Nota1: A musica do dia, Foreign Affairs, eh do Tom Waits.
when travelling abroad in the continental style
it's my belief one must attempt to be discreet
and subsequently bear in mind your transient position
allows you a perspective that's unique
though you'll find your itinerary's a blessing and a curse

Enfim, Mais Lugar para Deslembrar

«La estatua ecuestre del general Francisco Franco que presidía el acceso principal de la Academia General Militar de Zaragoza se está retirando a lo largo de hoy, tal y como estaba previsto por el Ministerio de Defensa. Este departamento, ha convocado un concurso de ideas para instalar un nuevo monumento que recoja el papel de las Fuerzas Armadas en la Constitución Española.»
http://www.20minutos.es/noticia/147630/0/retiran/estatua/franco/

Mas nem tudo está completamente perdido


Gibbon ri.

A vida aqui eh insuperavel. Nesta semana terminam duas das mais eletrizantes series da FOX. 24 e American Idol.

24 eh uma serie onde o protagonista, Jack Bauer, eh um heroi do estilo durao que trabalha para um treco chamado CTU - que ateh agora eu nao sei o que eh. Ele eh um desses caras que dao tiro a torto e a direito, de graca, torturam e matam sem piedade, com o objetivo unico de salvar a America de um grupo de terroristas - que geralmente podem ser russos comunistas comedores de criancas, chechenos independentistas, arabes barbeados ou chineses maoista-confucionistas. So para resumir o cara, luta, da pernada, da tiro com precisao, fala russo, aguenta as mais terriveis torturas de inimigos implacaveis pra caramba, e ainda por cima sai andando, com leves dores, como se apenas topasse na cadeira da sala. E isso tudo em 24 horas, sem nenhuma substancia alcaloide, que eh o tempo que ele tem para ser convencido pelo presidente que soh ele pode fazer o servico, recuperar a bomba atomica, salvar um parente, matar os terroristas, e no final beijar a moca e respirar aliviado de mais um dia de trabalho cumprido.

O American Idol eh um programa mais hardcore. Este eh um programa do tipo Miss Universo versao americana, so que os concorrentes em vez de mostrar seus atributos digamos fisicos, exibem suas vozes esganicadas, seu talento para diversos generos musicais e suas personalidades unicas - aquela que fara deles mais um idolo americano. Neste ano foram para a final um tal de Blake e uma tal de Jordan. Um deles sera o proximo idolo da America. Nesse ano teve ateh um Indu-descendente - o politicamente correto para os descendendes de indianos na America - que cantava mal, era feio, pintava o cabelo, tinha as olheiras e a magreza de onanista, mas fazia um sucesso danado com as adolescentes. Resumindo, o programa, que ja deve ter com certeza versao brasileira, eh constrangedor. Alias, tudo eh contrangedor. Desde os aspirantes a cantores com suas vozes agudas como o granir de javalis capados, ateh a presenca de Paula Abdul - lembra disso? Entao tenta esquecer - e a de um cara chamado Simon Cowell que eh uma versao mal acabada, do Carlos Imperial no Cassino do Chacrinha - e que por acaso foi um dos criadores dos Teletubes.

Enfim, se voces me permitem, eu prefiro nao falar mais nisso. Eh duro e constrangedor pra mim. Por que no fundo eu sinto vergonha. Vergonha pela versao vitrola-digital do Blake; pelo mau gosto dos trajes e o choro da Jordan ao abracar os perdedores; pelas plasticas mal acabadas da Paula Abdul e sua imagem meio drogada e decadente; pela violencia sociopata do Jack Bauer que so ele acha valida, enfim pelas minha noites de segundas-feiras que bem podiam ser perdidas na frente do Sundance Channel ou do TCM.

Gibbon devia estar certo, e agora ri....

Peter Greenaway


O filme The Pillow Book do Peter Greenaway nao chega a ser uma obra prima, mas eh bem montado e com um roteiro redondinho. O filme baseia-se na historia de um livro pertencente a uma cortesa japonesa, Sei Shonagon, que viveu durante a dinastia Heian, la pelo seculo X. Nagiko, uma modelo japonesa, encontra o livro e isso desencadeia uma serie de emocoes na moca. A leitura do livro, o gosto por poesia e a procura de novas experiencias amorosas, levam a moca a procurar parceiros que embarquem em suas experiencias. E nao eh que ela encontra o cara certo que possa preencher sua ansia por poesia e sexo. Jerome eh um ingles, que por suas experiencias passadas acaba tendo problemas com o pai da moca.... o resto fica na memoria.

Esse eh um filme interessante, com uma bela fotografia. E eh realmente uma pena essa minha ignorancia sobre a cultura oriental. Se nao fosse assim, eu bem poderia entender um pouco mais do tanto de tudo que o Greenaway quis me dizer.

Video do filme de Peter Greenaway, Pillow Book. Pra mim eh um grande filme de um cara que so fui parar para prestar atencao agora.

Sentença do Consorte


Voltei ao Dostoievski. Comprei a obra completa, há dois anos, que foi trazida do Brasil pelo meu chapa-xara, o erudito laico Chico Octavio. Deixei-a decantar na estante até outubro passado – por absoluta falta de tempo. Desde então já passaram pelo crivo O Jogador e Crime e Castigo. Mas não estou aqui para falar nem da obsessão de Raskolnikov ao matar não a usuraria mas todo um sistema, nem tampouco da frustração do jogador absorvido pelo o amor não correspondido e a sedução do ganho fácil no bacará e na roleta, e sim do Eterno Marido.

Muitos a consideram um obra menor. André Guide considera a obra curta mais bem acabada de Dostoievski. Acho que tendo a concordar que essa é uma obra-prima pela maestria como constroi a densidade psicológica dos personagens, que nos faz mudar de opinião o tempo todo. Essa cotina de fumaça criada pelo autor é um dos pontos altos do livro, pois num determinado momento pensamos que o eterno marido, Páviel Pávlovitch Trussótzki, é um pobre coitado, condenado a viver só pelo amor devotado a mulher morta, Natália Nassílievna. Noutro momento, pensamos que Aleksiéi Ivânovitch Vieltchâninov, ex-amante da mulher de Páviel Pávlovitch, é um crápula sem sentimentos.

Com o andar da carruagem vamos tendo a sensação de que as coisa não são bem assim... nem Páviel é um corno otário e manso como um bovino, nem Vieltchâninov é o crápula que pensávamos, nem Natália Nassílievna é a Madame Bovary, em versão russo-rodriguana.
A estória começa com o reencontro do dois, numa situação completamente inusitada pois Páviel ronda a casa de Vieltchâninov por vários dias, a procura de respostas, para se certificar de que ele era mesmo o amigo da família com quem convivera há dez anos passados. De posse de umas cartas de amor da viúva, acaba encontrando o paradeiro do suposto amante - que diga-se de passgem naotem a certeza de ser Vieltchâninov.

Entre as incertezas e os delirios de Páviel Pávlovitch Trussótzki, a trama acaba mais complexa pois Natália tivera uma filha, Lisa, logo depois de terminado o caso com Vieltchâninov. A questão de quem seria o pai verdadeiro de Lisa ronda a estória como um fantasma que não aparece mas que todos suspeitam estar naquela casa do passado. De quem seria a filha? De Trussótzki, a quem a menina sempre tratara como pai? De Vieltchâninov, que dera uma rápida e saíra fora? Ou de um terceiro personagem, um jovem militar -se nao me engano - , com quem Natália tivera um relacionamento depois que Vieltchâninov deixara aquela província?

Um toque de humor é dado pelo lado bufo alcoólatra e destemperado de Páviel Pávlovitch Trussótzki, um pouco caricaturado demais pelo autor. Acho que isso se deve a opção de Dostoievski em vê-lo e descrevê-lo sempre pelos olhos do amante como um homem incapaz de ter uma vida paralela, uma aventura, um romance, ja que Natália exercia sobre ele certa ascencência. Enfim, um homem incapaz de ter vida fora do casamento:

”Um homem assim nasce e desenvolve-se unicamente para se casar e para, depois do casamento, se tornar imediatamente num apêndice da sua mulher, mesmo no caso de ter um carácter individual incontestável. A principal característica deste marido é um enfeite bem conhecido. Não pode deixar de ser cornudo, do mesmo modo que o sol não pode deixar de ser brilhante, mas não só nunca sabe disso, como também, de acordo com as leis da própria natureza, é incapaz de sabê-lo.”

Chega a ser ironica a curiosidade de meu concunhado ao me ver com o livro nas maos na semana de seu casamento.... Ah... a familia...
Imagem: Fritz Eichenberg (1901-1990)
Musica do dia: Concerto para Piano No. 3 de Rachmaninoff

Olho por olho

Olho por olho....



Dentes de ouro, sorriso suasório. Após juntar algum dinheiro em pedras e jóias com a lida do garimpo, parece que la pro Norte, Moacir decidiu partir. Sonhava em parar numa cidade pequena abrir um secos & molhados e levar Josefina consigo. O filho que levavam consigo fazia, ele, de conta que era seu. Os seus, de fato e de direito, providenciaria assim que sentassem praça. O cão, o destino do cão que seguia Moacir por toda a parte talvez nunca se venha a saber, talvez fosse melhor não perguntarmos qual será o destino do animal, ignaro e disperso por natureza, que vive apenas os dias sem um fio condutor que ligue seus acontecimentos cotidianos a um sentido da vida, que não aquele de seguir e proteger seu proprietário, se é que aí esteja o verdadeiro sentido da felicidade animal, o de não refletir sobre seus semelhantes seres, sobre a mudez das coisas, o sentidos presentes e ausentes, as origens, os fins, as razões, as margens das intenções, os desesperos dos gestos... Escolheram para viver, aquela pequena cidade de interior, com o busto do filho ilustre, igreja e prefeitura. Meio padaria, meio armarinho: vitrine com carnes boiando em caldos engordurados, salgados, ovos cozidos, restos de aguardente nos copos sobre balcão, mesa de totó, ovo rosa, maria-mole, mortadela pendurado, linhas de diversas cores, pipas coloridas, garrafas de cana penduradas, enlatados nas prateleiras que iam até o teto. Em poucas semanas os clientes já tinham caderno de fiados, e sem que Moacir percebesse os visitadores entravam pelos fundos do bar. Os comentários já se espelhavam pela cidade e à alcunha de forasteiro se agregou a de corno.
Quando descobre que é traído, na tarde em que buscaria os filhos na casa da cunhada, mas que por obra do acaso ou do azar, nesse caso, caminhando lado a lado em significado e infortúnio, retorna com a sensação, comprovada ao olhar a mesa de centro da sala, de que tinha esquecidos as chaves de casa, Moacir, trincando os molares de ouro, sorrateiro, escuta os ruídos no quarto, ouve os gemidos, risos. Recolhe suas lembranças em tudo que se desordena ao seu redor; aproveita um dos passeios matinais de Josefina à igreja e tranca o portão dos fundos, veda as janelas, trocas as fechaduras e envenena o cão estimado da casa, afeto da mulher. Os clientes estranharam a loja vazia no meio da manhã. Quando Josefina retorna, ele aplaca o coração partido, aqui significando estilhaços de um paraíso possível para sempre perdido, sentido fragmentário que o abandono do corpo exprime em juízos vingativos, reativos, violentos, que vão sendo cardados, fiados, tecidos dia-a-dia silenciosamente, mas que no caso de Moacir o golpe de asa negra do orgulho o impulsionou, intenção precedida de uma profunda dor na alma, a prende no quarto para sempre. Nunca mais se viu Josefina, as lendas eram muitas, dizem que ela criou fiapos de barba no queixo e no buço, a pele esverdeou de tanta escuridão e os olhos exoftálmicos denotavam avançado estado de miopia. Como não se teve mais notícias dizem que ela aceitou seu destino recluso. Uns elogiavam, outros condenavam a atitude de Moacir. O fato é que todas as noites antes de se deitar ao lado de Josefina, sentado aos pés da cama acendia uma vela na mesinha de cabeceira, rezava um Pai Nosso, uma Ave Maria, riscava o sinal-da-cruz sobre o peito e dormia o que lhe parecia ser o sono dos justos.


...dente por dente



Durante uns dois meses Moacir passou a sentir fortes engulhos. Semanas se passavam. Alguns diziam que era úlcera, outros chegaram até a desconfiar de tuberculose e deixaram de freqüentar a Mercearia de Moacir. Os filhos iam crescendo com a ausência da mãe, que recebia a comida por baixo da porta - os excrementos eram acumulados num barril no canto do quarto e recolhidos quinzenalmente. No fim do segundo ciclo lunar a quitanda foi aberta sem a presença de Moacir. A sombra de Josefina que reaparecia, após doze anos de reclusão, não se comparava com a exuberância daquela outra mulher do passado. Os corpos de Moacir e Estógio nunca foram encontrados na cidade. Mas, secretamente, Josefina passou a exibir um cordão de ouro onde o que chamava a atenção era o crucifixo de pedras esmeraldas, ladeados por dois caninos de cão.

Das Leben der Anderen

The Lives of Others
Foulcault diria que a prática clínica, responsável por seculos pela classificação física e mental dos indivíduos aptos a conviver socialmente, foi e é um poderoso mecanismo de controle social. Já Althusser diria que o tal aparelho ideologico do Estado não funcionaria sem sua parte repressiva, que seria composta pela polícia e pelas forças armadas. Toda essa geração de intelectuais pensou criticamente os contornos do capitalismo e do comunismo de forma a não deixar pedra sobre pedra. O problema é que, mesmo analisando as variantes dos malucos e totalitarios, eles não haviam assistido ao sutil Das Leben der Anderen. Uma pena.

O filme de Florian Henckel von Donnersmarck é um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. O roteiro é muito bom e a direção tem um toque muito evidente de sensibilidade e atenção aos detalhes humanos.

Na década de 1980 o comunismo já não andava bem das pernas, mas a Alemanha Oriental buscava mater o controle sobre seus cidadãos através de um retrógrado sistema de vigilância e inteligência. O capitão Anton Grubitz busca a todo custo ser promovido em sua carreira. Para isso tenta se achegar aos influentes círculos políticos com o intuito de usar o medo palpável que todos sentiam pelo tanto que desconheciam. Numa espécie de fins nobres justificando os meios perversos dá ao fiel subordinado, Gerd Wiesler, a missão de coletar evidências contra o dramaturgo Georg Dreyman e sua namorada, a atriz Christa-Maria Sieland.

Georg Dreyman ama Christa-Maria Sieland que é uma atriz bem sucedida, apaixonada e insegura. As ansiedades da jovem são controladas a base de las famosas pain killers, memedinhos que servem para controle da dor e que dão um barato só se tomados com regularidade. Para conseguir as pilulas, controladas pelo Estado, a pobre Christa torna-se amante do ministro Bruno Hepf – por acaso, chefe do nosso Anton Grubitz que sabe bem que num lugar onde não há progresso econômico nem dinheiro, informação privilegiada e prestígio podem abrir muitas portas. A coisa muda de figura quando Christa decide terminar seu caso com o figurão do governo. Evidentemente, Bruno Hepf não deixaria barato. Entra em cena, então, o sempre laborioso e prestativo capitão Anton Grubitz que passa a perseguir a moça e exigir dela uma delação, acusando o namorado escritor de traição ao regime. E ela o faz.

Como se vê, um filme onde é difícil formular juizos de valor já que todos são delicadamente movidos por paixões e interesses, inclusive os bonzinhos e sensiveis como o escritor Georg Dreyman – interpretado canastrão Sebastian Kock - que só resolve questionar o regime quando seu amigo dissidente, oprimido pelo ostracismo e pela depressão, se suicida. E assim mesmo, vamos ser sinceros, em proveito proprio. Sem duvida, classificar os personagens é dificil. Florian Henckel von Donnersmarck, como confirmou no Goethe-Institut/DC antes do Oscar, criou varios finais para o filme - inclusive o do encontro de Georg Dreyman com Gerd Weisler, descartado, obviamente, para nao apelar ao sentimentalismo barato. Por isso mesmo, nem mesmo o vilão Gerd Weisler escapa da sensibilidade do von Donnersmarck. So que na mao inversa.

Gerd Weisler, interpretado pelo excelente Ulrich Muhe - que até lembra um pouco o Foulcault - , encarregado de vigiar a casa de Dreyman com equipamentos que deixariam o Gene Hackman – no The Conversation – com complexo de inferioridade, é um tipo exemplar. Profissional acima de qualquer suspeita, amante do regime, patriota exemplar... até que passa a ver na alteridade de Georg Dreyman uma alternativa às suas angústias e ansiedades, passando assim a protegê-lo – omitindo e adulterando relatórios para Anton Grubitz.
Finalmente, o que mais atrai no vilão - ao contrário do que repulsa em Georg Dreyman - é seu lado humano, sua capacidade de romper as proprias convicções e de penetrar na mente do suposto traidor do regime, Georg Dreyman, percebendo suas fraquezas, angustias e acima de tudo aprendendo com ele - e com as leituras furtivas de Brecht - a superar a mediocridade de sua trajetória humana, percebendo que se iludira.

Gerd Weisler é, sem dúvida, um tipo e vilão incômodo, digamos assim, encantador....

Geografia de uma Aquisicao


Em Washington recebo uma chamada telefonica de alguem que me perguntava se estaria eu interessado na aquisicao de uma especie de tesouro. Que especie de tesouro? Algo que me interessaria, sem duvida, disse a voz. respondi que sim, mas evidentemente com uma seria desconfianca, pois a despeito de nao reconhecer a voz, ou de ser ou nao ser uma preciosidade aquilo me ofereciam, oferta semelhente deveria ser sempre vista com extrema reserva, mais ainda por envolver os riscos que a aguardavam. A voz entao me diz que me mandaria imediatas instrucoes por email. Desliguei o telefone e corri para meu computador. Start. Clique no E retorcido de Internet Explorer. No adress digitei www.hotmail.com. Surge entao uma tela onde escrevo meu endereco eletronico e minha senha pessoal, intransferivel, inalienavel. E isso eh um outro problema, pois volta e meio fico com essa coisa de Zelig que nao me larga. Na terceira mensagem de cima para baixo estavam as instrucoes que eu esperava com o mapa para chegar ao local exato em San Diego, CA, porem impondo a condicao, para alem de minha vontade, de que o tesouro deveria sair dos EUA antes de retornar a DC. Alem disso o nome da proxima cidade so me seria revelado em San Diego.

Ao comprar o bilhete de ida, intui que deveria cruzar a fronteira para o Mexico, o que tornaria meus planos de traze-los, todos, mais complicados.

De San Diego rumamos para San Jose del Cabo, cidade numa peninsula espremida entre o Mar de Cortez e o Oceano Pacifico. Passei uns dias na cidade a qual, talvez, nunca mais volte. Em Cabo San Lucas recebo novas intrucoes. Instrucao 1: Me hospedar no Pueblo Bonito Rose com todas as despesas pagas. Instrucao 2: Alugar um carro e rumar a San Jose del Cabo. Intrucao 3: Deixar os objetos nos fundos de uma 'paleteria'. Instrucao 4: Esperar a chamada de um homem chamado Morales confirmando os carimbos, para so entao voar de volta aos EUA. O voo de San Jose-Atlanta e Atlanta-Washington foi quente cheio e apertado, como so a Delta pode proporcionar. Cheguei a casa tarde, apos 6 dias, 5 cidades, 3 codigos postais, 4climas e 3 prefixos telefonicos.

Chegando, segui imediatamente a ultima instrucao. Tomei fotos dos quadrantes opostos dos dicos e enviei-as para meu blog. Assim como Richard Madden, que desde o comeco do Jardim das Veredas que se Bifurcam , conhecia os limites do entendimento bem como os riscos de sua operacao, esperando calmamente pela morte do orientalista Stephen Albert, ocultei varios detalhes essenciais da historia da aquisicao destes discos, como por exemplo e nocao do tempo. Tambem ocultei seus detalhes dolorosos tais como a solidao e o definhamento fisico da natureza humana que a velhice nos traz, mas sua geografia caotica esta toda ai, com a excecao do pesar que me traz por ser uma especie de espolio inconcluso - o qual sua dona ainda segue viva numa assisted living house em Orange County, CA.

Caminhos e Fronteiras




Caminhos e fronteiras é um livro de 1957 e nele Sérgio Buarque de Holanda inova ao propor uma nova análise sobre a ocupação do Brasil, distinta daquela apresentada no livro Raizes do Brasil, publicado 21 anos antes. No trabalho de 1936, Sergio Buarque argumentava que a forma de ocupação do Brasil respeitava a uma lógica de imobilidade, de estática, sem maiores desígnios de penetração no território brasileiro. A conformidade de tal prática teve consequências. O enraizamento da mentalidade ibérica, pouco curiosa e ávida a reproduzir relações sociais baseadas nas tradições de origem, sedimentado no litoral brasileiro, serviu em algumas regiões, como a do Nordeste açucareiro, para adaptar uma rotina nobiliárquica transportada das terras portuguesas para a colônia.

Enquanto em Raizes, há um forte componente de domínio e estabilidade no sentido do homem impor ao meio sua vontade, no Caminhos e fronteiras, Sergio Buarque realiza uma história do cotidiano das expedições bandeirantes na região das Monções. Sua câmara clara registra uma sociedade onde a imagem do bandeirante, movediço, instável e caprichoso, é moldada pelo meio e infuenciada pelos costumes indígenas – de por exemplo adaptar hábitos alimentícios com o consumo de raízes, frutas, animais, e até mesmo caminhas pelas sendas descalço. A certa condescendência de Sergio Buarque com o bandeirante chega a ponto de criar um paradigma, de certa forma modernista, que seria o da exposição de uma aculturação não do indígena, mas sim do português que moldaria seus hábitos a partir do contato cotidiano com o ambiente inóspito. Tal contato, naturalmente, fez com que o português renunciasse ao estilo de vida anterior, litorâneo, e por meio de se impor as condições essenciais de sobrevivência lançaria-se à floresta com o intuito de caçar índios, adquirir riqueza rápida e de certa forma romper as fronteiras impostas pela cultura lusitana, sem se dar conta das perdas dos valores proprios.

O aculturamento as avessas do português pelo indio, evitado a todo o custo ser encarado por Sergio Buarque como negligente ou violento por parte dos primeiros, é um dos temas recorrentes no livro ao comprovar a importância do indígena na formação cultural brasileira. As evidências para seu argmento estariam no uso dos vocábulos para denominar nomes de lugares e coisas, além das técnicas agrícolas primitivas – mais eficientes para a prática das expedições constantes.

O livro deixa muitas lacunas, mais perguntas que respostas, como Sergio Buarque, sendo grande estilista, primava por fazer. Se lido com os olhos da curiosidade literária reserva horas de extremo entretenimento ao leitor. Se lido com olhos de um cientista social, deixa um certo sabor salgado de sangue na alma.

Detalhe do 'Mape-monde : planisphere ou carte generale du monde'. Sec. XVIII
Charles Inselin, geografo e gravador parisiense.
Musica do dia: Confrontio. Lalo Schifrin. Album magnum Force


Caroline Rude, uma estupida

Conversando com um amigo sobre a tragedia de ontem, este me lembrou do filme Elephant do Gus Van Sant para tentar entender o inexplicavel. Ja esta na lista interminavel de coisas que tenho pra ver e ler...

A sugestao vem em boa hora se nao fosse pelo fato de que dessa vez o cara era da Coreia do Sul. Chegou aos USA em 1992, viveu desde entao num suburbio de DC, seus pais eram dry cleaners (tintureiros), e seu major career era Ingles. Ou seja, athe ai uma historia como a de muitos outros de imigrantes que conseguem emprego, sustentam a familia e crescem os filhos num ambiente estrangeiro. A linha que une essa historia a tragedia que ocorreu ontem e' o que intriga a todos (investigadores, sociologos, psicologos, professores, pais das vitimas e espectadores passivos na frente do noticiario sempre manipulado da Fox). Ainda mais pelo fato que entre um e outro ataque o rapaz havia enviado um relatorio com fotos, um dvd com imagens dele portando as duas armas em trajes militarizados, uma especie de carta testamento, e fragmentos de um texto sem pe nem cabeca para uma grande rede de televisao.

Ai apareceu ontem, do nada, a professora Carolyn Rude, do departamento de ingles da universidade que, em busca de holofote ou 5 minutos de fama, ou sei la o que, vindo dizer que os escritos do assassino Cho Hui eram estranhos, que o rapaz escrevia coisas contra 'rich kids' e 'deceitful charlatans' em sua pequena peca escrita para fim de curso. A dona gesticulava de maneira performatica, abria os bracos e clamava aos ceus por respostas, na presenca do diretor da Universidade e, com perdão da má palavra, do Presidente da Republica dos USA - que visitou a instituicao em solidariedade as vitimas.

Francamente, para um moleque que consegue comprar duas glock 19 e 50 balas com a facilidade que ele conseguiu, eh athe safadeza da dona Rude ligar as frustracoes do asssasino, seus nos de cabeca, suas entradas e saidas de tratamentos psiquiatricos, com o estilo literario do 'autor', no caso o assassino, - e excluir disso tudo a neurose de uma sociedade que nao admite sua propria decadencia. Perdeu uma grande oportunidade de ficar calada essa dona, pois o google (ou outro sitio qualquer) botou on-line todos os trabalhos feitos na sua aula. Todos os trabalhos giravam, ironicamente, em torno de temas como pedofilia, violencia, racismo, assassinatos; portanto se fossemos acompanhar a logica da Dr. Rude chegariamos a conclusao de que todos turma seriam assassinos, tarados e sadicos em potencial.

Assim mesmo, obrigado por me alertar dona Rude para nao ler mais autores muito criticos, vou deixar hoje mesmo de ler o meu Air-conditioned Nihghtmare do comunsita pervertido Miller, de assistir meus Billy Wilderes, de escutar o drogado do Coltrane e do Parker, e passar a acompanhar o acougueiro do Jack Bauer que em 24 horas deve matar mais que o psicopata em questao.

Estava pensando ateh em queimar meus tres volumes da obra do Machado, meus Dostoievskis e os livros do desgracado do Saramago - esse comunista fdp comedor de criancas -, o Jardim das Veredas que se Bifurcam esta na minha mira agora, e so nao queimo tambem o livro de Pierre Menard por que nao me lembro em qual dos livros de Borges esta o seu Dom Quixote.

Eu so fico intrigado com uma coisa.... o Lima Barreto e o Robert Walser tambem haviam passado por tratamentos psiquiatricos e nem por isso eram assassinos, bem mas vamos deixar pra la pois assim encontramos mais contradicoes nas palavras dessa mula literaria que ensina literartura.

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Como o assunto eh realmente chocante e o noticiario local nao deixa de falar de outra coisa, volto ao tema agora pela noite, mas durante o dia resolvi me ater aos fatos, so ver a BBC e acompanhar a noticias pelos NYT, que pelo menos nao tenta me comover, como faz a Fox e a NBC, com o som de um violino ao fundo das falas dos apresentadores e entrevistados - como se o fato de 32 jovens mortos ja nao fosse chocante o suficiente para entristecer qualquer um. Desliguei a televisao e fui ler. Tremenda coincidência. Depois de botar o guri para dormir, sentir o silêncio da casa, sentar, acender um cigarro, abrir um livro e encontrar um poema. O poema não foi escrito por um dos alunos da Virginia Tech. Vem do livro Duas Águas publicado em 1956. Ironicamente, chama-se Poema Deserto - titulo que e' uma metáfora a tudo que se ve por aqui. O autor? É de um tal de João Cabral de Mello Neto, que pelo que me conste nunca matou ninguém - nem passou por tratamentos psiquiatricos, nem comprava armas com facilidade em grocery stores.

Todas as transformações
todos os imprevistos
se davam sem meu consentimento.


Todos os atentados
eram longe de minha rua.
Nem mesmo pelo telefone
me jogavam uma bomba.


Alguém multiplicava,
alguém tirava retratos.
Nunca seria dentro do meu quarto,
onde nenhuma evidência era provável.

Havia também alguém que perguntava:
- Por que não um tiro de revólver
ou a sala subitamente às escuras?

Eu me anulo, me suicido,
percorro longas distâncias inalteradas,
te evito, te executo,
a cada momento e em cada esquina.

A gente não quer só comida...


O seleto mundo cultural brasileiro da capital americana está em polvorosa. Notícias quentes chegam dando conta de que O BACI - Brazilian American Cultural Institute - terá que se gerir com recursos próprios a partir de agora. Para isso, o Ministério das Relações Exteriores, que já havia cortado o passaporte vermelho da Instituição, mandou cortar também o salário do diretor - que realmente corre na boca pequena ser um mistério mais bem guardado que o do 'earthly triangle' da capital.

Há quem duvide, com toda a razão, que o centro se sustentaría apenas com os recursos provenientes das aulas de português e das exibições de filmes. Quem aposta nessa dúvida cegamente estaria correto, pois não é preciso ser um gênio para perceber que aqui nos EUA o Brasil ainda é percebido por muitos, ‘culturalmente’ falando, como a terra do samba, do axé, das mulatas, das araras multicoloridas, do Pelé e das melodias horrendas de Sérgio Mendes – e agora do álcool para fazer combustível. Mas para aqueles que pensam que vão ficar sem ‘cultura’ é importante lembrar que o centro promove uma média de 15 concertos e 10 exposições de arte por ano.

O desconhecimento desse detalhe imperceptivelmente sutil, acessível a poucos, nos faria a todos lastimar o iminente definhamento do centro. Entretanto, O BACI é um dos centros mais importantes de irradiação de artistas brasileiros no Norteast americano. Fez e faz parte da agenda de um circuito de artistas brasileiros de relativa expressividade - alguns de gosto duvidoso, é verdade; outros de nem tanta expressividade, também verdade – que exibem seus trabalhos por lá. Mas por lá já passaram, por exemplo, artistas de calibre variável tais como Claudia Stern, Christina Oiticica, Ubirajara Ribeiro e Burle Marx, só para citar alguns dos nomes.

E a atitude do MRE nos faz refletir...mirou no certo e acertou no duvidoso... ( sem trocadilho)

Não é preciso ser um profundo conhecedor do universo fechadíssimo que é o mercado de arte para saber o que marchands, artistas e courtiers estão carecas de saber: da simbiose e tensão entre Arte e Mercado é que se gera dinâmica do mercado artístico, ou seja, fazer negócios e especular com a obra de arte é arte mais antiga que a usura. Artistas iniciantes também sabem disso – reclamam reclamam, mas sabem que se não transformarem sua arte em fetiche de mercadoria, não sobrevivem. E o BACI, ao que me conste provavelmente não foge a esta lógica. Lógica simples. Para serem vistos os artistas enviam trabalhos em consignação para as exposições, evidentemente almejando serem vendidos. É da lógica não-declarada do jogo também, por que não, doarem uma ou duas obras para o Instituto. Numa atitude muito comum no mundo artístico, regido pela confiança e pelo segredo, qual o artista iniciante que não doou, ou vendeu a preço módico, um quadro para uma instituição ou figurão responsável pela tal no iminente afã de ganhar notoriedade e valorizar suas obras? Eu arriscaria dizer que boa parte do acervo brasileiro da Casa das Américas e de muitos outros acervos locais incluindo o BACI foi formada dentro dessa lógica: promessa de valor artístico e aposta na liquidez quase certa.

Portanto, a iniciativa do MRE pode salvar os canapés da intelligentsia e da rapazeada 'cabeça' que mostra seu valor nessas bandas! Ou azedar e aguar de vez o patê de fois gras e a sacrossanta Dom Perignon da galera. Vamos esperar....