Paris Je t'aime



São 18 filmes de sete a oito minutos cada um. Uns, a bem da verdade, muito melhores que os outros. Os temas são diversos e passam pelos problemas de imigração, pela perda de um filho, permeiam a incomunicabilidade entre casais, e a falta de amor, e podem desembocar no mais inverosímil encontro entre dois vampiros que se amam e chupam com devassidão. No todo, é um filme irregular com algumas estórias muito boas e muitas muito ruins. Porém, há sempre a esperança de que a ligação entre as estórias ocorra, de maneira que a cidade de Paris não seja apenas o cenário de estórias esparsas. Até chega-se a ter uma esperança quando, quase no final, Gena Rowlands contempla de seu apartamento o jantar em que Juliette Binoche se esforça em sorrir. Mas para por ai.

Do meio para o final chegamos a conclusão que estórias sofríveis, como a da cabelereira oriental e a de vampiros a trocarem fluidos corporais, não podeiram estar ligadas mesmo, para o bem das boas estorias. Fato é que a idéia foi interessante e o final frustrante. E o resultado só não foi melhor mesmo pelo completo non-sense de algumas estórias.

Os meus favoritos foram:

Steve Buscemi entra mudo, no sketch dos Irmãos Cohen, e sai calado. A ironia dos olhares que se cruzam e a semelhança entre o olhar da mulher e o da Mona Lisa é coisa memos dos Cohen. Mesmo sem dizer palavra, suas expressões de desolação numa cidade onde supostamente ninguém deveria se consternar, são engraçadíssimas.

A estória dirigida pelo Walter Sales, passada longe du 16ème, é a que que tem menos diálogos, poucos sets, mais muita emoção – marca dos seus filmes. Após deixar a filha numa creche, Ana tarda horas na condução para o trabalho numa ‘casa de família’ – exatamente na 16ème. Passa o dia cuidando de uma criança da idade da sua, para quem canta as mesmas canções de ninar, e para quem certamente a Moira será bem mais amena que para a sua filha num mundo cada vez mais hostil contra imigrantes.

Carol chega a Paris, de Denver, com noções suficientes de francês para pedir comida, se comunicar sem muita profundidade e narrar suas aventuras numa espécie de diário - que em off acompanha sua trajetória pelas ruas do 14 arrondissement. Típica americana, apesar de deslocada, tenta sem arrogância fazer parte da dinãmica da cidade. Em Paris, em meio a sua solidão de viajante, sente que sua vida começa a fazer sentido ao captar, num parque, a emoção das pessoas ao redor. Nesse momento a ficha cai, e chora por motivos talvez similares que os da dona na fila de trás.

Uma estoria que trata do amor de um cego com uma jovem bonita poderia certamente terminar mal, para quem assiste. Uma estória de amor redonda entre um jovem cego e uma jovem actriz, Natalie Portman, sem cair no piegas e desgraçar uma tarde de domingo. Mas Tom Tykwer contornou, torceu e avançou e recuou, até ficar um conto convincente entre dois adolescentes.

Nesse caso, não vem ao caso o fato de que Fanny Ardant já ter sido casada com Truffaut, mas o pensamento sempre me vem a cabeça quando constato que o homem além de fazer bons filmes teve o privilégio de ser amado por ela. Bob Hoskins está muito bem no papel de um homem velho supostamente apaixonado por uma Fanny Ardant também supostamente apaixonada, num bordel de Paris. Mesclam ficção e realidade. São atores. E mesmo no final não se sabe se estão representando ou não. Ótimo.

Talvez o melhor diálogo tenha sido do da ex-mulher de Cassavetes, Gena Rowlands, com o um de seus melhores amigos Ben Gazzara. Até agora estou tentado decifrar se o diretor Depardieu tentou fazer uma homenagem a Paris ou a Cassavetes com aquele diálogo cheio de ironias - a propósito escritos por Rowlands - que só dois velhos sarcásticos que tenham dividido o amor, as contas bancárias, a amizade, o prejuizo dos filhos e os rancores, tem o privilégio de protagonizar. O acertos judiciais da separação, num bar onde Depardieu é o gerente, mostam com humor e certa melancolia o fim de uma relação, e o recomeço incerto mas necessário.

Quase ia me esquecendo da estória onde Seydou Boro é um imigrante apaixonado que é esfaqueado por malfeitores. De maneira nenhuma previsível, uma estória tocante. Faz sentido mesmo se você imagina um suburbio em Paris, em Anacostia, em Barcelona, na Favela da Maré, em Frankfurt, em Londres ou em Cova de Moura. Tambem as outras duas de amor em torno a Oscar Wilde e à leucemia.

Quase ia esquecendo tambem de não falar na dos mímicos, na da atriz viciada em haxixe, na da cabelereira-lutadora , na dos vamipiros, na da primeira estória, e em algumas outras que o melhor mesmo é esquecer.

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