Primeiro, que o dia de hoje está sendo tão
triste e que talvez seria melhor não dizer, nem escrever, nada. Talvez fosse
melhor guardar uma espécie de contrição por esse pesar, por essa pena, por esse vento frio encanado em minh'alma, por esse
sentimento de esmagamento que estou sentido hoje.
Aldir Blanc - Rubem Fonseca também, à sua
maneira - foi muito importante para mim. Cresci no subúrbio, na Zona Norte do
Rio de Janeiro. Fui leitor assíduo do cronista, com quem dei muitas risadas.
Seus personagens eram criaturas quase que à clef. Era possível ver
aquelas pessoas em qualquer lugar. Era quase possível falar com aquelas
pessoas. Era possível… Bastava andar pelas ruas, entrar num ônibus, num boteco
sozinho e pedir uma Brahma, que logo apareceriam: o marido da Medéia de
Vila Isabel; o Leocácio, com sua cara de próspero e pinta de quem sempre
faturava fácil; a bunda da boazuda passando na da porta da tinturaria; o Waldyr
com seu baralho indo para o velório do tio do Gouveia, na rua Paula Matos -
onde por acaso eu nasci. Até caminhando pela Praça XV à noite, era possível ver
a Candice Bergen em frente à carrocinha de Angu do Gomes; na porta de um cinema
era possível ver o Ambrósio, lutando contra o Capota Arriada, como um
verdadeiro Don Juan, guerreando pelo coração de Yolanda enquanto solta a letra
no ouvido da mulata.
Segundo, eu podia dizer aqui que o Aldir é
a cara do Brasil! Mas não é… o letrista pode ser… O cronista não. O cronista é
nosso! É do Rio de Janeiro, de Cabucçu, Cordovil, Caxambi, Madureira, Olaria e Bangú, Cascadura, Agua Santa, Pari, e ousaria dizer mais de Nova Iguaçu que de Ipanema. Apenas nós, cidadãos cariocas, podemos ver o
Leocádio, o Waldyr, o Francelino, a Dona Otília, o seu Joaquim do taxi, a irmã
solteira do Sardinha… só nós podemos vê-los…
O letrista Aldir Blanc, é outra História. É o do Linha de Passe, O letrista Aldir Blanc musicou a abertura política lembrando tanta gente que
partiu num rabo de foguete, sem saber que o Bêbado e o Equilibrista,
lançado em 1979 - ano em que Figueiredo sancionou a lei que concedia Anistia
aos cassados pelo regime militar - seria três anos depois, o hino das Diretas
Já. Na poesia, na arte, em geral, as coisas são assim, meio por acaso. Por isso
deve haver mais arte para que depois de tudo aquilo que sobra, depois de todas
as mentiras que vivemos nesse país escroto ao qual pertencemos, tenhamos a
verdade como uma síntese dialética. Essa verdade:
O Brazil não conhece o Brasil
O Brasil nunca foi ao Brazil
O Brazil que o Aldir musicou no fim dos anos 70 tinha
esses defeitos, mas era um Brasil de esperança. Mesmo, nós, sabendo que sempre
foi um país de elites tacanhas, rentistas, aduladoras da autoridade, do kiss up
kick down, do preço da cura e da justiça, da injustiça, do golpe, do golpe
baixo, da barganha, da política do café com leite, do rent-seeking, do racismo, do
almirante negro, do sebastianismo, dos partidos políticos solventes, das
eleições roubadas, dos juros caóticos, do mercado selvagem, da opressão ao pobre, do câmbio, e
por aí vai… não pensávamos que iríamos chegar ao ponto em que chegamos com o
juiz ladrão de braços dados com as trevas, com a tortura louvada pelo chefe
inominável do executivo, com a verdade manchada, com a doença terrível, com o
sádico e o cruel andando lado a lado de mãos dadas com neo-pentecostais. Não
pensávamos lá atrás, que o Brazil poderia matar o Brasil. Achávamos que era
apenas uma mera questão de tempo, e que tudo se ajeitaria, e que a Democracia traria a vida, a luz, um pouco de Humanismo, com igualdade… para um país tão fodidamente desigual. Nos
enganamos. O Brazil matou sim…
Entendeu? Aldir
Blanc morreu hoje. Ele não foi ali comprar um cigarro. Ele não volta nunca
mais.
Aldir Blanc morreu hoje, justo hoje quando
está dificílimo ter esperança no futuro. Pode ser sintomático o que estou pensando agora...
pode ser vocacional e cruelmente intencional o que fizeram com o Brasil nesse últimos 5 anos… mas
o fato de Aldir ter atravessado o espelho hoje, é uma metáfora cruel do que
fizemos com nós de nós, de nossa História. Eu estou imaginando que dentro de cem anos, os historiadores vão definir o fim do Século XX,
oficialmente, com a morte de Aldir Blanc vítima de COVID -19, na segunda década do Século
XXI. E para piorar em muioto nossa situação, com uma carta testamento de Flavio Migliaccio.
Entendeu? O Brasil que todos nós conhecemos morreu num
CTI. Esta na lona. E nesse momento, tem vários corpos estendidos no chão...
Nota: Ponto final do Gardenia Azul. Ela parecia um pardal e tinha jeito de trabalhar nas Lojas
Americanas. Nao pude resistir. Pegou bem no ouvidinho esquerdo:
- O nome Aldir Blanc significa algo pra voce?
Americanas. Nao pude resistir. Pegou bem no ouvidinho esquerdo:
- O nome Aldir Blanc significa algo pra voce?