A
Morte do Rubem Fonseca, me fez lembrar de Lima Barreto. Não sei bem por que,
não me perguntem, tampouco estou com paciência para análises das associações
livres de minhas idéias e devaneios. Freud diz que, na prática da análise, na
associação livre de idéias do paciente é impossível não dizer a verdade,
inclusive quando nos equivocamos ou tentamos mentir deliberadamente. Isso é
coisa que gente muita versada no austríaco, descolada e inteligente, chama de recalque
do reprimido.
Em
outras palavras, algumas verdades podem ser ditas, assim meio sem querer,
principalmente numa semana em que partem para o outro lado do espelho Garcia
Roza, Rubem Fonseca, Moraes Moreira, e que Aldir Blanc anda balançando numa corda
bamba. A propósito, para um cara raso como eu, o recalque psiquico, essa coisa de expulsar da consciência o que parece intoleravel, pode bem estar é
no valete, no meio das cartas, no jogo de búzios, no risco da pemba, no giro da
pomba, no som do atabaque… vai por mim, tá la.
Nota:
Se eu pudesse ser um ASPONE[ Assessor de Porra nenhuma] de Deus, eu sugeriria
ao Senhor que levasse logo esse tal de Olavo de Carvalho. Vai Oxalá… dá uma força
ai… o cara é fumante, só fala merda, e é um cara do mal… vai por mim... o senhor sabe disso…
Mas voltando ao tema, não
me parece crível, que nos Compêndios de Literatura Brasileira, coloquem na
mesma cumbuca do chamado pré-modernismo Euclides da Cunha que cometeu aquele
intragável capítulo A Terra no grandíssimo Os Sertões; Monteiro Lobato, uma
espécie de matuto ilustrado com vocação para o lucro e sempre mais político,
sempre mais empresário, que escritor; Augusto dos Anjos, que só por Eu,
já o tiraria desse grupo nefasto; e por fim a tríade Graça Aranha, Raul
de Leôni e Simões Lopes Neto - que sinceramente nunca li e nunca os
lerei por algo que me parece preconceituoso em mim: eu achava que Canaã, seria
um livro chato, antes de começar a folheá-lo. Depois tive a certeza de que meu
preconceito passou a ser um conceito. Canaã é realmente um treco chato pra
cacete!
Portanto,
me fazer tentar crer que Graça Aranha e Simões Lopes Neto possam estar ao lado
de Lima Barreto… sinceramente… No cú pardal! Mas nem fodento!
A
distância entre o intelectual e a realidade, na escrita do Lima Barreto, assim
como na de Rubem Fonseca, está muito acima destes camaradas. Ela é dada por uma
espécie de descrença metódica alimentada pelos indicadores da rua. A
desconfiança da ação de um cara que transita pelas ruas, como um estranho,
trespassado de dúvidas, constatando mazelas, sendo discriminado pelo mercado
editorial, no caso de Lima e pela Academia, no caso de Rubem, mostram bem a que
vieram os dois no panorama da literatura brasileira: são inclassificáveis pontos fora da curva.
Dentre
as muitas crônicas de Lima Barreto, uma das, talvez não a mais impactante mas
muito gráfica, que li há uns 27 anos, seja a Elogio da Morte. Essa crônica é de
setembro ou outubro de 1918 (não lembro), portanto 10 anos após a morte de
Machado de Assis – e talvez por isso o fechamento dela tal como se dá. Neste
mesmo ano, um Lima Barreto de 37 anos, alcoólatra, já com algumas internações,
começa uma série de correspondências com o contemporâneo “novo rico”
Monteiro Lobato, que acabara de comprar a Revista do Brasil e que com tremendo
faro empresarial se interessava pelo Vida e Morte de M.J.Gonzaga de Sá. Lobato prometera que publicaria
mais coisas de Lima. Mentiu safadamente. Lima, iludido, se entusiasmara com a
ideia e passou a escrever-lhe com frequência. Fazendo inclusive resenhas de escritores
iniciantes, promovendo a editora do H. G Wells de Taubaté. Com o tempo, após a
primeira publicação, e uma premiação pela Academia Brasileira de Letras, na
qual Lima foi barrado anos antes, Lobato passou a ignorar as cartas deste, que
morreria 3 anos depois, alcoólatra, abandonado, esquecido, desvalorizado e claro, amargado
pelas putarias da vida e do universo literário.
Elogio da morte
Não sei quem foi que disse que a Vida é feita pela
Morte. É a destruição contínua e perene que faz a vida.
A esse respeito, porém, eu quero crer que a Morte
mereça maiores encômios.
É ela que faz todas as consolações das nossas
desgraças; é dela que nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem todos os
infelizes pedem socorro e esquecimento.
Gosto da Morte porque ela é o aniquilamento de todos
nós; gosto da Morte porque ela nos sagra. Em vida, todos nós só somos
conhecidos pela calúnia e maledicência, mas, depois que Ela nos leva, nós somos
conhecidos (a repetição é a melhor figura de retórica), pelas nossas boas
qualidades.
É inútil estar vivendo, para ser dependente dos
outros; é inútil estar vivendo para sofrer os vexames que não merecemos.
A vida não pode ser uma dor, uma humilhação de
contínuos e burocratas idiotas; a vida deve ser uma vitória. Quando, porém, não
se pode conseguir isso, a Morte é que deve vir em nosso socorro.
A covardia mental e moral do Brasil não permite
movimentos. de independência; ela só quer acompanhadores de procissão, que só
visam lucros ou salários nós pareceres. Não há, entre nós, campo para as
grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito com o dinheiro e
os títulos. A agitação de uma idéia não repercute na massa e quando esta sabe
que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, trata o agitador de louco.
Estou cansado de dizer que os malucos foram os
reformadores do mundo.
Le Bon dizia isto a propósito de Maomé, nas
suas Civilisation des arabes, com toda a razão; e não há
chanceler falsificado e secretária catita que o possa contestar..
São eles os heróis; são eles os reformadores; são eles
os iludidos; são eles que trazem as grandes idéias, para melhoria das condições
da existência da nossa triste Humanidade.
Nunca foram os homens de bom senso, os honestos
burgueses ali da esquina ou das secretárias chics que fizeram
as grandes reformas no mundo.
Todas elas têm sido feitas por homens, e, às
vezes mesmo mulheres, tidos por doidos.
A divisa deles consiste em não ser panurgianos e
seguir a opinião de todos, por isso mesmo podem ver mais longe do que os
outros.
Se nós tivéssemos sempre a opinião da maioria,
estaríamos ainda no Cro-Magnon e não teríamos saído das cavernas.
O que é preciso, portanto, é que cada qual respeite a
opinião .de qualquer, para que desse choque surja o esclarecimento do nosso
destino, para própria felicidade da espécie humana.
Entretanto, no Brasil, não se quer isto. Procura-se
abafar as opiniões, para só deixar em campo os desejos dos poderosos e
prepotentes.
Os órgãos de publicidade por onde se podiam elas
revelar, são fechados e não aceitam nada que os possa lesar.
Dessa forma, quem, como eu nasceu pobre e não quer
ceder uma linha da sua independência de espírito e inteligência, só tem que
fazer elogios à Morte.
Ela é a grande libertadora que não recusa os seus
benefícios a quem lhe pede. Ela nos resgata e nos leva à luz de Deus.
Sendo assim, eu a sagro, antes que ela me sagre na
minha pobreza, na minha infelicidade, na minha desgraça e na minha honestidade.
Ao vencedor, as
batatas!