Disgrace

John Malkovich é David Lurie, o professor de poesia romântica que perde sua posição e prestígio, antes de cair em desgraça, pela “relação amorosa” que mantém com uma aluna. Tanto o livro quanto o filme mostram que a reconciliação é um conceito apenas retórico na Africa do Sul pós-apartheid. No filme, Malkovich que já era um especialista em papéis ambiguos, Dangerous Liaisons e Ripley's Game são a prova maior disso, empresta a pele ao David Lurie, personagem criado por J.M. Coetzee.


O filme de Steve Jacobs segue absolutamente linha por linha a trajetória do livro. Para dizer a verdade, tamanho respeito ao original, torna a linguagem filmica um pouco monótona e nos mostra que realmente as duas formas de expressão, o Cinema e a Literatura, são práticas que dialogam mas que antes de tudo são distintas.

Nem por isso deixam de dialogar e esclarecer algo que talvez escapasse até mesmo a uma segunda leitura atenta ao livro.

Um dos pontos que o filme, ou no caso, uma segunda leitura com imagens, Lucy, a filha de Lurie, mesmo depois da violência sofrida, escolhe reerguer a vida exatamente no local onde a mesma havia sido violada e destruída. A decisão da filha não é compartilhada pelo pai, estremecendo mais ainda uma relação que nunca havia sido muito sólida. Um segundo ponto é tentar entender as razões de Lurie não aceitar uma espécie de pacto corrupto, se retratar publicamente e retornar a suas atividades docentes. No livro, o leitor talvez sempre se espere por uma virada, que a cada página se torna mais distante. O filme segue literalmente o livro, mas se Jacobs tem algum mérito, o mérito está em monstrar um David Lurie completamente devoto ao seu estudo intelectual. Enfim, não se pode esperar de um homem que dedica a sua via a ler Byron, Keats e Shelley, essa espécie de remissão. Por isso a estória é demolidora, no papel e na tela.

O filme vai até um pouco mais além. A indulgência nunca chega, e se chega assume uma peculiar expressão de aceitação. A auto-expiação, se caso ela exista, está ali em imagens quando quase no final do filme a câmera em zoom-out se afasta de Malkovich e mostra seu entorno. Ou seja, uma pequena casa, a câmera se afasta, uma pequena fazenda de terra não muito fértil, a câmera se afasta mais, a casa cada vez menor frente a vastidão de uma terra cada vez mais virgem, intocada, bravia. E o filme termina.

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Música do dia. Ne me quitte pas. Jacques Brel
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