Le Colonel Chabert


O conto Le Colonel Chabert foi escrito em 1832, logo após a revolução de julho 1830. Apesar de uma curta estória, Balzac envolve como ninguém o contexto histórico com a urdidura de uma trama melancólica – e diria com muita descontextualização pré-kafkaniana. Coronel Chabert era um herói de guerra que ao lado de Napoleão Bonaparte participara de campanhas vitoriosas. Entretanto, Napoleão morrera em 1822, após a derrota de Waterloo e o ostracismo de Santa Helena. Agora, temos Louis-Philippe d'Orléans no poder – aliás, curiosidade, a filha de D. Pedro I, a infanta Chiquinha de Bragança acaba casando-se com o filho de Louis-Philippe - que com muita dificuldade tenta conter a onda liberal que varre a Europa e desencadeará na Primavera dos Povos.

O problema é que assim como Napoleão de fato está morto, o Coronel Chabert está apenas teoricamente morto. Chabert tinha sido atacado por dois oficiais russos na Batalha de Eylau em 1807 e dado como morto. Neste meio tempo, entre a vida e a morte, um amigo dos campos de batalha, Boutin, fora a Paris levar a notícia da convelescência de Chabert à sua esposa, a jovem Rose Chapotel. Vivinho da Silva, escreve umas quatro cartas a sua esposa que capitunamente – advérbio de modo para Capitú – mantém segredo sobre as cartas e dá entrada na papelada do espólio. Após alguns anos, Chabert descobre que a senhora Chabert casara-se com o Conde de Ferruad passando a ser senhora Ferruad.

A estória vai ficando clara quando Chabert decide, numa manhã de fevereiro, procurar o jovem advogado Derville - que aparece em algumas outras obras como em O Pai Goriot [resumo em caminho] - , que dormia num dos quartos de seu étude, enquanto seus auxiliares rascunhavam petições e revisavam o trabalhos recém-chegados. Uma das petições era fina e i-ro-ni-ca-men-te sobre uma longa peça jurídica, em que o rei Luís XVIII restituía a seus servidores todos os bens não vendidos que estivessem sob o domínio da Coroa ou sob o domínio público, expropriados durante os períodos revolucionários. Entre piadas de mau gosto e o humor dos médicos legistas os auxiliares riam de suas próprias invenções e esperavam que o juiz encarregado do processo ficasse impressionado com a argumentação que teciam.

O Coronel Chabert, a princípio não causa boa impresão a Derville. Sua aparência esfarrapada, degradada e carcomida pelo tempo, causou uma certa reulsa ao jovem procurador, que via em seu rosto pálido a aparêcia triste dos que tinham perdido tudo. Derville, que defendia os interesses de seus clientes no Tribunal de Pimeira Instância do departamento do Sena, era considerado um dos melhores jurisconsultos de Paris. Sua clientela era importante e é pintado por Balzac como um jovem bom, mas que tem um sentido de oportunidade e um faro para o dinheiro bastante apurados. Chabert quer seu dinhero e mais que isso, sua honra restituida. Para isso contata a Derville, que lhe adianta uma pequena monta de dinheiro para que o Coronel pudesse viver com mínima dignidade até um possível acordo entre as partes. No entanto Derville é também procurador do Conde de Ferruad e para evitar um escândalo, propõe às partes um acordo.

Cheque: se Rose Chapotel reconhecesse Chabert, terá de anular seu casamento com o Conde de Ferruad, com quem tem dois filhos. Chabert, não tendo nenhum familiar próximo que pudesse identificá-lo, baseado nos documentos de defunção vindos de Heilsberg, só conta com Rose. Ela, capitunamente, dá uma de João-sem-braço, (perdoe o trocadilho) finge-se de morta, apela para a hipócrita condição de mãe de dois filhos tentando convencer a Chabert de sua fragilidade e condição oprimida. Derville propõe um acordo pois a situação de Hyacinthe Chabert era delicada. Nem seus bens, nem sua honra estavam sob o domínio da Coroa ou sob o domínio público, expropriados durante os períodos revolucionários, portanto a restituição não seria feita por decreto. Além disso, vários motivos tornavam tudo mais complicado. Primeiro, supondo que Rose o reconhecesse, ela incorreria no crime de extra matrimonium corneamentus por ricardisse bigâmica, já que está casada legitimamente com o Conde Ferruad com quem tem dois filhos – e obviamente ela não incorreria no risco. Segundo, os juízes poderiam muito bem anular o primeiro casamento que sem filhos expunha um vínculo frágil entre Chabert e Rose. Terceiro, sendo Chabert generoso e idealista, fizera um testamento endereçando uma quarta parte da herança para obras de caridade. A “viúva” não incluíra no espólio nem prataria, mobiliário, ou dinheiro, apenas propriedades. Portanto, mesmo que reavesse algo, Chabert ficaria com uma mínima parte. Por último... a justiça naquele tempo, na França, era morosa... Chabert era um ansião... assim, Derville propõe um acordo amigável, anulando o registro de óbito e seu casamento. Com isso, por influência do conde Ferraud, Chabert seria reinscrito nos registros do exército, obtendo o grau de general Juruna - na gíria da caserna - com direito a uma pensão.

No dia do acordo, Chabert e Rose frente a frente, não houve acordo. O tempo fechou. Armou-se o maior barraco. Ela o acusava de impostor, ele, por sua vez, afirmara que ela era protitutamente quenga da mais alta piranhuda espécie no Palais Royal. Verdade ou não, ela sente-se ofendida e sai do escritório do advogado chorando, correndo e fazendo beicinho. Porém, fica do lado de fora de sua carruagem esperando por Chabert. Na saída aproxima-se de Chabert toda edulcorada, cheia de lesco-lesco, fazendo questão ele fosse com ela à casa de campo em Crosley. Durante o trajeto, procurou chegar ao coração mole do milico, mostrando o quanto seria desgastante para todos aquela situação. Ficaram lá por três dias, fazendo o quê, eu não sei, nem Balzac revela. Mas o fato é que não chegaram a um acordo. E como madame Ferraud não era flor que se cheirasse, armou uma cena com os criados da propriedade.

Ela queria internar o Coronel como louco no hospício de Charenton. Para isso precisava da assinatura de Chabert num documento onde este admitia sua falsa identidade. Derville longe, não sabia de nada. Ela manda trazer os filhos tentando mostrar a Chabert que ela era uma mãe dedicada, sofredora e penitente, e que se ele continuasse com a demanada ele prejudicaria seus filhos. Ele até aventou a hipótese de virar arrimo de família, habitando a quinta, tendo uns tostões para o jornal e o tabaco. Mas ela tinha outros planos. Encarregou Delbec, um velho secretário, a providenciar, junto ao tabelião de Saint-Leu-Taverny, um documento vago para ser assinado por Chabert. Estes partem para Saint-Leu-Taverny, mas chegando ao cartório e vendo os termos do documento, Chabert decide voltar para a quinta sem assinar nada. Decide pensar no que fazer. Ficar a sós com Rose. Ele espressara seu desprezo por ela e partira.

A situação de Chabert é tão humilhante quanto compassiva. Derville é informado por Delbec que seu cliente reconhecera sua falisade ideológica. Derville decepcionara-se com seu cliente até que algum tempo depois, procurando por um advogado no prédio da Polícia Correcional, encontra a Hyacinthe, condenado por vagabundagem a dois meses de prisão em Saint-Denis. Aproximou-se dele que com um ar estóico e altivo explicou o que se passara naqueles dias na quinta.

Derville entra em parafuso com sua profissão dizendo que “nossos escritórios são esgotos que não se podem limpar.” E num monólogo ilustrativo expõe sua visão bucólica sobre a condição humana, “Vi morrer um pai, num sótão , sem vintém, abandonado por duas filhas a quem dera quarenta mil libras de renda. Vi queimar testamentos; vi mães roubando seus filhos, maridos reduzindo esposas à miséria, mulheres matando seus maridos e servindo-se do amor que lhes inspiravam para fazê-los loucos ou imbecis, para poderem viver em paz com seus amantes. Vi mulheres dando ao filho do primeiro leito gostos que deviam conduzi-lo à morte, a fim de enriquecer o filho do amor. Não posso dizer-lhe tudo que vi, porque vi crimes contra os quais a justiça é impotente. Finalmente, todos os horrores que os romancistas julgam inventar estão sempre abaixo da verdade. Você conhecerá essas belas coisas. Quanto a mim, vou viver no campo, com minha mulher.”

Música do dia. A Trombone on Tereza Street. Ian Guest. in Vittor Santos, Renewed Impressions.

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