A Beleza em sua mais cruel face

Fim de noite. Estou eu em casa à frente da televisão. Uma esponja amarela amiga de uma estúpida estrela do mar e cor de rosa.... Uma arganaz orelhuda criada por Disney... Não consigo me concentrar na leitura do Georges Perec... pois aparecem uns guppys que falam em linguagem articulada... sedutora... uma menina histérica e cabeçuda que ensina as crianças a serem latinas... E vem o os reclames comerciais. O menino, o meu, começa a cantar a música inteirinha para a caçula. Quase me emocionei com a cena, foi quando no fim vi que era um comercial do...





Agora, negue se a Beleza não tem uma face cruel. Aahhh... meu bom e velho Marx... "o caminho do inferno está pavimentado de boas intenções"

O Outro

Quatro meses depois da viagem de Alexis Tocqueville, um outro aristocrata europeu visitou Vanuatu. A 14 de setembro de 1833 um pequeno barco começou uma viagem rio Missouri acima, com o objetivo de coletar amostras de flores e plantas. No barco estavam o pintor suiço Karl Bodmer e o príncipe Maximilian Alexander Philipp zu Wied-Neuwied, além de outros naturalistas alemães. Enquanto e expedição concentrava-se na Fauna, na Flora e nos elemento botânicos, Maximiliano ia além. Anotava em seu pequeno diário os hábitos dos nativos. Antes da expedição em questão já visitara Blackfoot em Fort McKenzie, e anotara que enquanto no Forte, qualquer caravana forasteira que se aproximasse era recebida a tiros de canhões, primeiro, antes de ser identificada, os Blackfoot exibiam faixas coloridas, cavalos pastavam, cachorros circulavam livremente e até mesmo crianças corriam e alegre confusão de boas-vindas. Sintomático...

Curioso  notar que antes de pousar em Vanuatu, Maximiliano, que lutara nas guerras napoleônicas, visitou o Brasil e escreveu o Viagem ao Brasil, um dos livros de viagem mais importantes do século XIX. Os críticos diziam que a qualidade dos desenhos de Frederico Sellow, não se comparavam à do jovem Karl Bodmer, que acompanhou  Maximiliano na viagem a Vanuatu. Afinal, Bodmer, numa era onde não havia ainda a fotografia, retratou os Blackfoot, Crow, Osage e os Sioux em riqueza de detalhes. Os desenhos podem ser vistos no original no Joslyn Art Museum in Omaha, intituição que inclui praticamente toda a coleção de Maximiliano-Bodmer. Pesquisadores dessa instituição traduziram, anotaram e publicaram recentemente os três volumes de seus cadernos de viagem.

Dez anos depois, eu me pergunto, pra quê?

Tocqueville partira, Maximiliano chegara. Ambos permaneceram no pensamento americano com diferentes graus de penetração. Um fala de uma instituição que ainda existe, a Democracia. Outro, fala de uma cultura praticamente extinta. Sintomático? Eu diria somático.

Primeiro por que a associação do universo americano com a natureza e o primitivismo, não passa de balela depois do século XX, pois ao mesmo tempo em que desprezam a identidade com o mundo antigo da história e da cultura, fortalecem valores que nem de longe superam a razão da História.

Dez anos. Dez anos poderia ser objeto de uma pequena efeméride. Dez anos depois de chegar a um país, poderia ser uma ótima ocasião para me reaproximar ainda mais da cultura que me cerca e que de certa forma não posso deixar de admirar com estranhamento, e tirar de uma vez por todas algumas pechas que recaem sobre ela. Poderia. Mas chego a conclusão que a reaproximação não é nada fácil.

Em dez anos, uma das experiências mais traumáticas para mim, aqui, aconteceu na semana passada. Não fui preso (isso nunca aconteceu), não ingressei num E.R. (isso já aconteceu), não fui agredido verbalmente no Metro por ser estrangeiro (isso já aconteceu duas vezes),  não tive visto negado pelas autoridades imigratórias – aliás é sempre confortável ser ignorado por essa intituição – (já tentaram mais de 4 vezes), mantenho minha ficha limpa no IRS e no credit bureau,  não tive a casa queimada tendo que barganhar com seguradoras, não nada de humilhante nesse sentido. E na verdade, o que no princípio parece humilhante pela surpresa do absurdo, depois de dez anos deixa de ser, seja pela desimportância do ocorrido perdido no tempo, seja pela maturidade que supera a irrelevância das pequenas coisas.

No decorrer de dez anos, confesso que sempre tive um certo medo de encontrar aqueles personagens neuróticos e violentos do Cormac McCarthy. E olhe que eu me sentia relativamente a salvo, pois vivo dentro da Beltway. Mas na semana passada, finalmente o encontrei-me numa bizarra situação.

O lugar onde tive a traumática experiência de encontrar um desses seres, foi exatamente no Jardim de Infância onde meu filho de apenas cinco anos estudará: Rosemary Hills Primary School. O “open house” para pais interessados em conhecer as instalações, ocorreu na semana passada. Antes de mais nada, devo dizer que  fiquei impressionado com o guia dado por uma professora e pelo Principal da escola Mister Viggiano. Instalações, espaço, dedicação dos professores, a quantidade de atividades extra-curriculares (aulas de música, idiomas, informática...), a enorme biblioteca, a sala de computadores com um computador para cada criança, um ginásio para atividades esportivas com uma quadra de futebol de salão e duas quadras de basquete, um anfiteatro para pequenas peças...enfim. As salas de aula espaçosas era dotadas de cadeirinhas a meia altura, mesinhas em miniatura, tudo ad hoc para suprir as necessidades da molecada. Comecei a sorrir meio basbaque. Um sorriso sem intenção. Sem causa. Aquelas cadeirinhas, mesinhas, computadores.... confesso, coisas que eu nunca imaginei que existissem para um Kindergarten.

Somente um adendo, mudamos para esse bairro, por que queria que meu filho tivesse acesso a educação pública e de qualidade. E como aqui uma escola atende a alunos de apenas uma determinada região,  essa escola em particular,  atende a crianças de três grande àreas geográficas: a área onde vivemos muito próxima a escola, habitada por funcionários públicos em sua maioria, uma área mais ao norte, onde a concentração de população latina cresce a cada ano, e uma área mais a oeste chamada Chevy Chase, onde se concentra uma classe média de alto poder aquisitivo.

No guia dado pela escola havia quatro casais de pais. Dois casais americanos e dois casais estrangeiros, nos quais, eu e minha digníssima consorte estávamos incluídos. O outro casal estrangeiro hablava espaniol e eu naturalmente parlava o portuguêis. Uma das professoras e o Principal da escola nos acompanhavam na visita guiada, respondendo as nossas dúvidas.

Um dos casais WASP estava vestido com a dignidade peculiar da classe média alta. A esposa, visivelmenente Do Lar, usava perfume bom apesar de vestir calça jeans, e trazia uma pranchetinha com papéis impressos, cheios de perguntas capiciosas para o diretor. O marido, de terno e gravata, fazia menos perguntas estúpidas que sua patroa. De qualquer modo, eu estava diante de um Davos Man de classe média típico, desses que enchem de regozijo o Hudson Institute, e que na certa torce para um time de baseball e de Footbal, que tem no mínimo um College, e que deve ter uma família típicamente unida, composta por sua patroa, dois filhos, e um cachorro, e que deve nos fins de semana, metê-los todos em sua SUV para fazer compras no Cotsco.

Naquelas circunstâncias era difícil um casal não perceber a sutil presença dos outros casais de pais. Difícil não escutar uma conversa furtiva dos consortes, em seus respectivos idiomas. Mas eis que pelas tantas, a mãe dos filhos do pai engravatado pergunta se poderia entrar no ônibus escolar com seu filho, pois tinha medo que o menino sofresse bullying. Pensei automaticamente, o filho desse casal deve ser um otário, mas compreendi a angústia dos pais, pois eu também tenho um filho, e pai é pai. O diretor diz que não é possivel.
O pai, logo em seguida, ainda insistindo no tema sobre o medo da violência, pergunta se o Kindergarten teria horas de recreio separadas – mas ele usa estranhamente a palavra segregate, para significar separate -  do First and Second Grade. O diretor diz que sim, que eles separam as horas de recreio, mas por motivos operacionais já que são oito turmas de Kindergarten e atender a todos ao mesmo tempo seria impossível.

Nesse momento, o Orientador Educacional passa por nós. Um negão simpaticíssimo, calmo, ponderado, um pouco odeso, de fala mansa, se apresenta. O pai engravatado solta um comentário do tipo.... você pode intimidar as crianças, você sabe disso? Eu... confesso... preferi acreditar que o cometário se referia à altura do docente. Mas o problema é que a tal questão sobre a hermenêutica da diferença entre separar e segregar,  não me saía da cabeça. Como um americano nativo, aparentemente de bom nível cultural não saberá diferenciá-las? Ainda mais quando a professora percebeu algo estranho no cometário e remendou a situação enfatizando que realmente o Orientador Educacional era muito grande e que era até engraçado vê-lo levar algum aluno pela mão para a secretaria, pelos corredores da escola.

Fim? Não. Tem mais. A mãe pergunta então se seu filho poderia ficar numa turma onde só houvesse crianças de Chevy Chase – ou seja, de sua mesma classe social, ou nível, ou status, ou casta, ou por aí vai. O diretor disse que aquilo ela absolutamente impossível. Eu achei a gota d’água. E então, o pai faz a pergunta crucial que me tiraria do sério e me revelaria claramente que o ideal culturalista e a própria idéia de humanidade, e a própria humanidade perdera o jogo para a barbárie e não se dera conta.

O personagem de Cormac McCarthy pergunta para o diretor sobre a hipótese de que se seu filho presenciasse o diálogo entre duas crianças estrangeiras, conversando num idioma strange, a professora poderia tirá-lo dessa turma e colocá-lo em outra. Pois é, eu tampouco acreditei no que meus ouvidos acabavam de ouvir. Acho que nem a sub-diretora, pois a resposta dela foi exemplar. Disse ela, sem entar em detalhes,  que a escola já tivera nos anos de 1960, uma história de segragação e que era missão de todos, professores e comunidade, evitar este estigma a todo o custo, para que essa história não se repetisse.

Eu respirei fundo e fiz uma pergunta para a sub-diretora, olhando para o indivíduo -  que creio eu me ignorava. Perguntei, com a  falsa pretensão de quebrar o clima pesado deixado pela pergunta do infeliz,  qual era a meta para uma criança ao terminar o Jardim de Infância. Ela respondeu que a criança deve já ser apta a formar e ler palavras e pequenas frases simples. Ainda olhando para o indivíduo, exagerando uma falsa frustração, assumi um ar calhorda, disse dramatizando meu tom confessional que eu estava fazendo tudo errado  - eu chegava a balançar a cabeça negativamente, como se nunca tivesse ouvido falar no Piaget- com educação de meu filho. "Mas... mas... é que eu lhe ensino todos os dias a escrever 3 palavras, e ele até já forma algumas frases."

Eu exagerei sobre as pequenas frases, confesso. Mas eu disse aquilo para mostrar àquele pústula como se tratam de questões universais e dilemas do ser humano, em níveis e sutilezas que suspeito ele nunca conseguirá alcançar. Talvez, ele nem tenha entendido minha ironia – pois creio eu, me ignorava tanto quanto Tocqueville ignorou a devoção etnográfica a que se dedicou Maximiliano.

The Magician


O filme se passa no século XIX, e a estória é baseada num conto de G. K. Chesterton – Chesterton aliás que exerceu grande influência em Jorge Luis Borges e Gustavo Corção, que em Conversa em Sol Menor, cita o homem do nada pelos menos umas dezoite vezes e meia.

O filme é posterior ao Sétimo Selo e ao Wild Strawberries, dois clássicos do diretor. Em The Magician, Bergman oferece as peculiaridades psicológicas, as anormalidades, a contemplação mística que fazem dos hipnotizadores figuras quase transcendentais nos circos de subúrbio. E por falar em magia, Bergman podia não entender bem dessa coisa do Sobrenatural de Almeida, mas era mestre de imagem, montagem e roteiro,  para saber bem que não podia revelar completamente os truques dos mágico protagonista até quase o final do filme. Não chega a ser um filme bom, pois os personagens carregam um certo ar de caricatura e talvez isso fosse o que Bergman queria ao ironizar um pouco a estória de Chesterton.

O filme começa com uma carruagem atravessando uma floresta coberta de névoa. Dentro viaja uma trupe de artistas mambembes liderada pelo Dr. Vogler, um hipnotizador, sua mulher que está vestida de homem, e com ele uma anciã especialista em poções mágicas, e um bufão que se diz porta-voz da trupe, mas que volta e meia mete os pés pelas mãos.

No meio do caminho Vogler recolhe um velho ator bêbado, que está quase morrendo. No meio da viagem o ator morre, mas sem antes revelar a Vogler todos os detalhes físicos do que ele percebe da morte. O fato passa-se quase desapercebido para os demais da trupe, mas nas cenas seguites, Vogler vê o fantasma do homem, e seus significados em todo o canto. Principalmente quando o grupo é obrigado a fazer uma apresentação especial na residência de um nobre, onde estão presentes a esposa do nobre, um militar e um médico, Dr. Vergerus, o qual afirma, os poderes do mágico não passarem de charlatanice. São obrigados a passar a noite da mansão, onde reina uma lobriga atmosfera. Na cozinha, após uma farta ceia, passam-se coisas estranhas. Quem sabe se pelo vinho ou por qualquer outra coisa, um dos empregados tem uma visão do demônio. A velha bruxa põe uma das ajudantes da cozinheira para dormir e tudo vai se passando como se estivesse envolto numa aura de magia.

Nos seus aposentos, o mágico, enquanto prepara seus equipamentos para a apresentação do dia seguinte, é surpreendido pela esposa do Nobre que entra furtivamente, cheia de decotes, com aquela conversinha mole de que se sente só, de que o marido não lhe dá atenção, de que tinha perdido um filho, e por aí vai. A ajudante do mágico, até então, sempre vestida de homem, se retira com um olhar irônico, assim que a nobre entra.


O grande dia chega e o que seria uma simples apresentação mambembe, se torna uma pequena tragédia pois Vogler é estrangulado pelo criador de cavalos Antonsson, que apavorado com os poderes hipnóticos de Vogler, atenta contra o mágico.


O corpo de Vogler é então levado para o sótão da casa e lá Dr. Vergerus começa uma necrópsia.....


Esse é um filme que de alguma maneira põe em jogo a relação entre o artista incompreendido e seu público. Todos que travam contato com Vogler tem uma impressão distinta dele - talvez ajudados por sua suposta mudez, tema aliás que Bergman abordaria também em Persona, retratando a crise criativa da atriz voilá Elisabet Vogler, Vogler! Vogler? Vogler..., e sua relação com a enfermeira Alma.

O moribundo no meio da estrada, é o primeiro a perceber a falsa barba do hipnotizador, duvidando de seus poderes. Já a esposa do nobre o vê como uma entidade mágica. O médico prova cientificamente que Vogler é um charlatão, enfim todos tem uma impressão distinta. Mas isso não explica exatamente por que ele é ora invejado, ora humilhado. Fato é que um pequeno monólogo que ocorre na cozinha, dito por Antonsson... “People like that should be flogged,” expressa bem a incompreensão que cerca o artista. Ottilia Egerman, a esposa do nobre, quando chega ao quarto de Vogler, diz que todos o odeiam por que não o compreendem. Ela o compreende – mas com aquelas segundas intenções supra-citadas.

No fundo, esse pequeno detalhe dito por Ottilia nos remete a um outro tema fundamental da natureza humana. Não, não. Não falo da Vontade de Poder, na qual, de tanto pensar, Nietszche quase destrambelhou. Falo da incompreensão geral sobre a vontade de não ter poder algum, de manter-se crítico e independente. Vogler, o artista, apesar de enigmático e canastrão – e muito canastrão -, assumia essa ausência de vontade, que talvez seja mais ofensiva que a própria Vontade de Poder, frente aos poderes constituidos, os quais no filme se expressam pela Ciêcia que respalda os poderes do Estado - a nobreza e os militares.

Mostrar isso a um sub-chefe, ao redor da mesa de reuniões, em que todos só pensam competitivamente em mostrar suas qualidades extraordinárias para o chefe, é quase que inacreditável. Num ambiente de trabalho muito competitivo isso é quase ofensivo. E pior, suspeito. Pois no momento em que se mostra esse ar displicente, passa-se a levantar as famosas suspeitas conspiratórias... “estará esse ser vil querendo meu posto?”  Nesse meio tempo ainda há as coisas não ditas. Você pode ser considerado um hipócrita e manipulador – mas obviamente ninguém dira isso na sua cara, mas fará chegar aos ouvidos de seu chefe. Seu chefão pode telefonar como quem não quer nada, e cobrar aquela crítica construtiva em bona fide, não só cobrá-la, ameaça-lo por tê-la feito assim em público, e desligar o telefone na sua cara. E no dia seguite, passar por você e lhe dar Good Morning, como se nada tivesse acontecido. Daí para ser encarado como pessoa pouco confiável é um pulinho quase imperceptível quanto a primeira troca de olhares entre Vogler e Dr. Vergerus.

Madama Butterfly

A 17 de Fevereiro, no ano de 1904, no teatro La Scala de Milão, era encenada pela primeira vez a Madama Butterfly. Portanto, lá se vão 107 anos. Na época Puccini fora acusado de repetitivo, já que Cio-Cio-San guarda alguns traços com a Mimi de La Bohème. E pelo que tudo indica parece mesmo que era cópia, pois pelo que andei lendo – minha fonte principal para temas de opera é o velho e mal traduzido História das Grande Operas de Ernest Newman - Puccini, ao longo da vida, fez inúmeras modificações no enredo. Dizem até as más línguas, nas interenétis da vida, que a ópera original era ruim mesmo, mas como não vi o dilúvio, quem sou eu para duvidar dos sobreviventes?

Bom, assim como LaBohème, a nossa Madama é uma ópera popular. Mas nem por isso deixa de ser um ótimo entretenimento para terça-feira à noite, pois a obra combina todos os bons elementos que uma ópera deve ter. Exótica, romântica e trágica,  a estória, base do libreto, foi tirada do conto de John Luther Long e narra as desventuras de uma gueixa japonesa, Cio-Cio-San, que casa com o oficial da marinha americana B.F Pinkerton. Casamento estranhíssimo, ou seja, mais estranho que os normais. Neste, o americano faz um acordo esquisitíssimo onde ele se casa com a moça por 999 anos, com o direito a revogar o contrato a cada mês. Casamento, diga-se de passagem, nulo perante a lei americana. O mais absurdo é que ele tem direito a se casar com a menina de 15 anos ao comprar um imóvel perto do porto de Nagasaki, e a jovem vem como ‘brinde’ intermediado pelo agente imobiliário Goro. Desconhecendo boa parte  dos acordos escusos triangulados por Pinkerton, Goro e Sharpless – Cônsul americano na região – e para provar seu amor por Pinkerton, Cio-Cio-San rompe com a família, converte-se ao cristianismo, e passa a desprezar  a tradição japonesa. Pinkerton por sua vez, ainda no primeiro ato, mostra sua natureza calhorda, expulsando a família da consorte, que não aprova o casamento, admitindo para Sharpless que pretende voltar aos Estados Unidos e arranjar uma esposa americana.

Até o fim do primeiro ato,  percebe-se que Cio-Cio-San, sempre acompanhada pela fiel criada Suzuki, terminou o primeiro ato em maus lençóis literalmente. A gueixa, que virara cristã na esperança de agradar o marido, que simplesmente ignorava ou desprezava – a linha é tênue – sua crença no budismo, passa a ser desprezada pela família, e além de abandonada pelo marido, e tem um filho ao longo da ópera. Ou seja, sendo uma ex-gueixa que decide endireitar na vida, mãe-solteira e apóstata, fica difícil acreditar em que a relação pode dar certo, ainda mais pelo fato de que Pinkerton dá provas mais que suficientes, em suas conversas com o Cônsul americano, Sharpless, de sua mais completa cafagestagem.

No segundo ato, já se passara 3 anos desde a partida de Pinkerton. Neste ato é quando Puccini nos dá praticamente a perspectiva da fibra e do caráter da moça. Butterfly tem um filho de 3 anos, fruto da relação com Pinkerton. Ou seja, como já disse,  ex-geixa, apóstata, renegada pela família e posteriormente pelo marido, e ainda mãe-solteira, o futuro da moça parece não ser nada estável. Com crise de consciência, ou almejando talvez mais um bom negócio, Goro e Sharpless  visitam a moça. Goro, trazendo o principe Yamadori, com a esperança de que ela se case com ele e acabe com aquela angústia da espera por algo que pode nunca alcançar. E Sharpless a visita de posse de uma carta de Pinkerton. Tal a emoção da moça ao escutar a leitura da carta, interrompendo-o a todo o momento, que Sharpless não consegue terminar a carta com todos os trágicos detalhes do eventual retorno do amigo marujo a Nagasaki. Remoído pelo remorso, Sharpless interrompe a leitura, sofrendo antecipadamente pelo destino de Cio-Cio-San. Nesse momento a ópera dá uma virada, em termos de enredo e música.  Nesse contexto é que  uma das  mais belas árias de toda a ópera é executada, Un bel dì vedremo, quando ela, canta sua esperança no retorno de Pinkerton.  Aliás entre o segundo e o terceiro ato há também o dueto Sccuoti quella fronda di ciliegio, cantado por Cio-Cio-San e sua empregada e amiga Suzuki, enaquanto decoram a casa com flores de cerejeiras – muito bonito -; sem esquecer do coro de sussurros Coro a bocca chiusa, que vela a noite em claro de Cio-Cio-San ao escutar os canhões do navio de Pinkerton ao entrar na baía de Nagasaki.

Já no terceiro ato, Pinkerton aparece com a sua mulher americana, e leva o seu filho sob custódia para os Estados Unidos enquanto Cio-Cio-San se  desespera. Ana Maria Martínez, empresta sua voz vibrante e dramática a Cio-Cio-San, enquanto o brasileiro Thiago Arancam interpreta Pinkerton. A regência é de Plácido Domingos, e uma outra novidade da Vanuatu National Opera é a inclusão de um outro brasileiro, Ron Daniels, que estréia como diretor da Companhia. Daniel tem uma longa história de montagens no Brasil e na Inglaterra. No Brasil foi um dos fundadores, junto a Jose Celso Martinez Correa, do Teatro Oficina em São Paulo, e porteriormente trabalhou por anos em Londres na Royal Shakespeare Company.

Enfim, noite de terça-feira, nada de melhor pra fazer, duas opções: ligar a televisão no ABC, ou, Madama Butterfly.

Até breve

A NOITE EM QUE OS HOTÉIS ESTAVAM CHEIOS

O casal chegou à cidade tarde da noite. Estavam cansados da viagem; e ela, em adiantada gravidez, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde passar a noite. Hotel, hospedaria, qualquer coisa viria bem, desde que não fosse muito caro, pois eram pessoas de modestos recursos. Não seria um empreendimento fácil, como descobriram desde o início. No primeiro hotel, o gerente, homem de maus modos, foi logo dizendo que não havia lugar. No segundo, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e resolveu pedir documentos. O homem disse que não tinha; na pressa da viagem esquecera os documentos.
— E como pretende o senhor conseguir um lugar num hotel, se não em documentos? —disse o encarregado. Eu nem sei se o senhor vai pagar a conta ou não.
O viajante não disse nada. Tomou a esposa pelo braço e seguiu adiante. No terceiro hotel, também não havia vaga. No quarto —que não passava de uma modesta hospedaria— havia lugar, mas o dono desconfiou do casal e resolveu dizer que o estabelecimento estava lotado. Contudo, para não ficar mal, deu uma desculpa:
— O senhor vê, se o governo nos desse incentivos, como dão para os grandes hotéis, eu já teria feito uma reforma aqui. Poderia até receber delegações estrangeiras. Mas até hoje, não consegui nada. Se eu tivesse uma amizade influente... O senhor não conhece ninguém nas altas esferas?
O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém nas altas esferas.
— Pois então —disse o dono da hospedaria— fale para esse seu conhecido da minha hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez já possa lhe dar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.
O viajante agradeceu, lamentando apenas que seu problema fosse mais urgente: precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante. No hotel seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio:
— O disfarce está muito bom.
— Que disfarce? —perguntou o viajante.
— Essas roupas velhas que vocês estão usando —disse o gerente.
— Isso não é disfarce —disse o homem. São as roupas que nós temos.
O gerente aí percebeu o engano: — Sinto muito —desculpou-se. Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.
O casal foi adiante. No hotel seguinte, também não havia vaga, e o gerente era metido a engraçado. Ali perto havia uma manjedoura, disse: por que não se hospedavam lá? Não seria muito confortável, mas em compensação, não pagariam diária. Para surpresa dele, viajante achou a idéia boa e até agradeceu. Saíram. Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando por um casal de forasteiros. E foi aí que o gerente começou a achar que talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes já chegados a Belém.

I am Love

De todos os filmes concorrentes ao Oscar deste ano, assisti justamente ao que não tinha a menor chance de levar nada. I am Love. Sinceramente, algumas sacadas boas sobre as pequenas alucinações de butique de Emma – Tilda Swinton -  e mais nada.

O filme, na verdade, conta a estória de uma família milanesa, podre de rica e que tem a fortuna proveniente do ramos da tecelagem. Os Recchi, como já disse são ricos pra cachorro, e o patriarca celebrará seu aniversário. A nora, Emma, mantém tudo neuroticamente organizado dentro e fora da casa. A roupa dos serviçais – rico chama assim a seus empregados -, a disposição dos convivas à mesa, enfim nada escapa. A ocasião é importante pois na celebração o velho Edoardo passará o controle da fábrica para o filho Tancredi. Emma é filha de um dono de antiquario de São Petersbugo que a encontra e a leva para a Itália. Os dois tem três filhos, Edoardo Jr., prestes a se casar com Eva; Gianluca e Elisabetta, que estura arte em Londres.

No jantar, a grande supresa é que o velho passa o controle da empresa para o filho e para o neto Edoardo Jr.. Mas como são podres de ricos, são discretos. O suposto mal estar se filtra pela emoção de ter o velho ainda vivo. Na festa, lá pelas tantas, aparece Antônio, que apesar de cozinheiro e pobretão tem uma inverossimil amizade com Junior, a quem venceu numa corrida naquele dia. Os dois têm inverossimeis planos de abrir um restaurante juntos e quando Junior apresenta o rapaz à mãe, uma gourmet, primeiro ela se sente atraída pela comida e depois pelo rapaz. A paixão há muito reprimida, transforma-a. A mulher entra numa vertigem de despertar sexual, e o vórtice a faz perder os limites. Passa a ir constantemente a San Remo visitar Antônio. E nessas muitas idas, corta o cabelo e  faz revelar o segredo de uma sopa que está no ramo da família russa muitas gerações.

Num dos jantares, no qual Antônio era o cozinheiro principal, o filho de Emma, Junior, que já andava com a pulga atrás da orelha com sua mãe, olha para a sopa de  entrée e lembra-se automaticamente do cabelo cortado da mãe, encontrado na casa de Antônio.  O jantar celebrava a passagem do controle acionário da empresa para um grupo indiano, portanto era um jantar de negócios, onde esse tipo de descontrole não seria aceitável no impertivo categórico que regia os Recchi.

Afastando um pouco a objetiva, vê-se uma Tilda Swinton polivalente, falando inglês, italiano e russo com fluência num papel que exigia a mais absoluta economia de emoções. Exagere os zoom-out e o filme não passa de uma cópia moderna e mal acabada de dois outros filmes, um o clássico  Il Gattopardo do Visconti; e o outro o impagável  The Royal Tenenbaums, do Wes Anderson.

E por falar nisso...


Melhor filme
Cisne Negro
O Vencedor
A Origem
O Discurso do Rei – VENCEDOR
A Rede Social
Minhas Mães e meu Pai
Toy Story 3
127 Horas
Bravura Indômita
Inverno da Alma
Melhor diretor
Darren Aronovsky – Cisne Negro
David Fincher – A Rede Social
Tom Hooper – O Discurso do Rei – VENCEDOR
David O. Russell – O Vencedor
Joel e Ethan Coen – Bravura Indômita
Melhor ator
Jesse Eisenberg – A Rede Social
Colin Firth – O Discurso do Rei – VENCEDOR
James Franco – 127 Horas
Jeff Bridges – Bravura Indômita
Javier Bardem – Biutiful
Melhor atriz
Nicole Kidman – Reencontrando a Felicidade
Jennifer Lawrence – Inverno da Alma
Natalie Portman – Cisne Negro – VENCEDORA
Michelle Williams – Blue Valentine
Annette Bening – Minhas Mães e meu Pai
Melhor ator coadjuvante
Christian Bale – O Vencedor – VENCEDOR
Jeremy Renner – Atração Perigosa
Geoffrey Rush – O Discurso do Rei
John Hawkes – Inverno da Alma
Mark Ruffalo – Minhas Mães e meu Pai
Melhor atriz coadjuvante
Amy Adams – O Vencedor
Helena Bonham Carter – O Discurso do Rei
Jacki Weaver – Animal Kingdom
Melissa Leo – O Vencedor – VENCEDORA
Hailee Steinfeld – Bravura Indômita
Melhor longa animado
Como Treinar o Seu Dragão
O Mágico
Toy Story 3 – VENCEDOR
Melhor filme em lingua estrangeira
Biutiful
Fora-da-Lei
Dente Canino
Incendies
Em um Mundo Melhor – VENCEDOR
Melhor direção de arte
Alice no País das Maravilhas – VENCEDOR
Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte I
A Origem
O Discurso do Rei
Bravura Indômita
Melhor fotografia
Cisne Negro
A Origem – VENCEDOR
O Discurso do Rei
A Rede Social
Bravura Indômita
Melhor figurino
Alice no País das Maravilhas – VENCEDOR
I am Love
O Discurso do Rei
The Tempest
Bravura Indômita
Melhor montagem
Cisne Negro
O Vencedor
O Discurso do Rei
A Rede Social – VENCEDOR
127 Horas
Melhor documentário
Lixo Extraordinário
Exit Through the Gift Shop
Trabalho Interno – VENCEDOR
Gasland
Restrepo
Melhor documentário em curta-metragem
Killing in the Name
Poster Girl
Strangers no More – VENCEDOR
Sun Come Up
The Warriors of Qiugang
Melhor trilha sonora
Alexandre Desplat – O Discurso do Rei
John Powell – Como Treinar o seu Dragão
A.R. Rahman – 127 Horas
Trent Reznor e Atticus Ross – A Rede Social – VENCEDORES
Hans Zimmer – A Origem
Melhor canção original
“Coming Home” – Country Strong
“I See the Light” – Enrolados
“If I Rise” – 127 Horas
We Belong Together – Toy Story 3 – VENCEDOR
Melhor Maquiagem
O Lobisomem – VENCEDOR
Caminho da Liberdade
Minha Versão para o Amor
Melhor Curta-metragem de animação
Day & Night
The Gruffalo
Let’s Pollute
The Lost Thing – VENCEDOR
Madagascar, Carnet de Voyage
Melhor Curta-metragem
The Confession
The Crush
God of Love – VENCEDOR
Na Wewe
Wish 143
Melhor Edição de som
A Origem – VENCEDOR
Toy Story 3
Tron – O Legado
Bravura Indômita
Incontrolável
Melhor Mixagem de som
A Origem – VENCEDOR
Bravura Indômita
O Discurso do Rei
A Rede Social
Salt
Melhor Efeitos especiais
Alice no País das Maravilhas
Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte I
Além da Vida
A Origem – VENCEDOR
Homem de Ferro 2
Melhor Roteiro adaptado
A Rede Social – VENCEDOR
127 Horas
Toy Story 3
Bravura Indômita
Inverno da Alma
Melhor Roteiro original
Minhas Mães e meu Pai
A Origem
O Discurso do Rei – VENCEDOR
O Vencedor
Another Year

Sunset Park


Terminada a leitura do último livro de Paul Auster, Sunset Park – ainda sem tradução par ao português -, é minha vez de dizer que é impossível transmirtir o que eu também senti, não apenas às primeiras páginas, mas nos seus capítulos seguintes que percorrem, esmiúçam, radiografam a alma de uns dez personagens em quase todas suas poucas grandezas e muitas misérias.

O livro centra-se na estória de Miles Heller, um jovem de 28 anos, e que aos vinte rompeu todos os laços o ligavam a familia e a Nova Iorque. Deixou a universidade e embrenhou-se pelo meio dos Estados Unidos, deixando uma breve e enigmática nota de despedida aos pais. Por muito tempo ninguém ouviu falar dele. Desde então peregrinando de cidade em cidade, fixou-se na Flórida, dedicando-se a trabalhos pesados, de baixa qualificação e baixo soldo. Vive uma vida simples trabalhando como “trashing out,” o único trabalho que parece prosperar num país afetado brutalmente pela crise da bolha imobiliária. Seu trabalho consiste em limpar os imóveis liquidados – outrora pertencentes a pessoas que não puderam arcar com suas hipotecas - prestes a retornarem aos bancos.

Solitário e deslocado em qualquer dos mundos que possa habitar, Miles, para além de limpar e pintar as casas desapropriadas, fotografa-as, retendo em suas máquina digital as pistas das vidas dispersas que um dia pertenceram àquele lugar, os fantasmas de pessoas que ele nunca conheceu ou conhecerá e que estão presentes nos objetos dessas casas, agora, vazias e abandonadas. Dos restos do desespero do pouco que ficou para trás, abandonados na solidão silenciosa de uma casa cheirando a mofo, suas fotografias não servem para nada. Seus anos de estudo na universidade, menos ainda. É um cara sem ambição, que vive com o mínimo necessário para viver e que mantém relações escassas com o mundo. Miles encontra o conforto para esse mundo em desolação na sua máquina digital, nos livros, que compra em edições baratas em sebos, e evidentemente, nos braços de Pilar Sanchez, sua namorada latina, com certos traços de Lolita, a quem conheceu exatamente quando ela lia, pela primeira vez, o The Great Gatsby num parque. Ele, já na terceira leitura, já que o pai o presentara quando tinha 16 anos, lançou toda a sua lábia literária para conquistar a moça de generosas ancas.

Miles, se apaixona por Pilar, mas como ela é menor, passa a ser chantageado pela irmã da moça para que roube objetos das casas nas quais ele trabalha, caso contrário ela o denuncia à polícia como um pervertido. Sem escolha, Miles retorna para NY a convite de seu amigo Bing, que vive numa casa abandonada no Brooklyn, em Sunset Park.

Na casa vivem Bing, um cara que se dedica a consertar objetos obsoletos, tais como relógios, máquinas de escrever e aspiraradores de pó; Alice, uma estudante de doutorado que prepara uma tese sobre o filme de William Wyler, The Best Days of Our Lives, como a síntese da história recente americana; e Ellen, que trabalha ironicamente numa agência imobiliária enquanto tenta sua carreira de pintora. Todos têm um quê de frustração. Todos, em certa medida, precisam uns dos outros naquela casa.

Juntar-se aos companheiros de Sunset Park, é tentador. Mas tem um preço alto para Miles que é o de reencontrar a cidade e a família que deixou para trás. Nesse estranho retorno ao passado Miles reencontrará o pai - um dos temas recorrentes na literatura de Auster – Morris, o um dia bem sucedido editor independente que agora vive as consequências da crise financeira que abate o mercado editorial; a madrasta, que o responsabiliza pessoalmente pela morte de seu filho; a mãe, Mary-Lee, uma atriz auto-centrada, sedutora – jogando com o próprio filho - com algo de beckettiana, que nunca deu muita atenção para o guri; e o padrasto, que tem de se sujeitar a dar aulas na Universidade da California por ter tido sua carreira de cineasta independente frustrada pela crise.

Confesso que me assustei, pois para um escritor americano que, ainda que escreva de NY – ou seja, um lugar que não pertence aos Estados Unidos -, escreve para um público alérgico a personagens derrotados, pior, avesso a personagens que não se redimem do meio para o final, o livro deixa falsas pistas. Auster, nesse livro, resvalou. Quase me deixou a sensação que iria usar do artificio baixo de justificar a fuga de Miles expondo desde o começo as premissas examinadas para compor sua ‘fuga’: ou seja, a morte acidental de seu meio-irmão, na qual ele esteve envolvido.

Me assustei mais ainda com a tentativa de Auster impor uma relevância política à voz dos subalternos, num esforço de engajamento no mundo em recessão. Felizmente essa segunda impressão foi logo desfeita pelos fetiches do próprio escritor que sempre cria um oprimido, para além de outsider, sempre com algum traço artístico.

Desaponta, sem dúvida, a falta de profundidade psicológica de personagens tão interessantes como Bing, Elen e Alice. A insistência nos detalhes sobre a história do Baseball, como amálgama da relação entre pai e filho, por vezes também se torna enfadonha. Mas em todo o caso, não deixa de ser um livro sobre a inocência da juventude, sobre a estranha sensação de estar vivo, como algo desconfortável.

Marota tradução do primeiro parágrafo...
"Por quase um ano, ele vem tirando fotos de coisas abandonadas. São pelo menos duas ordens de serviço por dia, e as vezes seis ou até mesmo sete, e a cada vez que entra numa casa, se depara com as coisas, com os inumeráveis objetos deixados para trás por famílias que partiram. Os ausentes fugiram com pressa, envergonhados, confusos, e certamente onde quer que vivam agora (se é que encontraram um lugar para viver e não estão vivendo nas ruas) seus lares são menores do que perdido. Cada casa é uma estória de fracasso – de falência, de inadimplência, de dívida - e ele assumiu que deveria documentar os últimos e persistentes traços dessas vidas para demonstrar que essas famílias desaparecidas estiveram ali uma vez, que os fantasmas dessa gente que nunca verá e que nunca conheceu, estão ainda ali, presentes nos restos de coisas desfeitas de suas casas vazias[...].”

"For almost a year now, he has been taking photographs of abandoned things. There are at least two jobs every day, sometimes as many as six or seven, and each time he and his cohorts enter another house, they are confronted by the things, the innumerable cast-off things left behind by the departed families. The absent people have all fled in haste, in shame, in confusion, and it is certain that wherever they are living now (if they have found a place to live and are not camped out in the streets) their new dwellings are smaller than the houses they have lost. Each house is a story of failure — of bankruptcy and default, of debt and foreclosure — and he has taken it upon himself to document the last, lingering traces of those scattered lives in order to prove that the vanished families were once here, that the ghosts of people he will never see and never know are still present in the discarded things strewn about their empty houses."

Nota. Foto. Casa Abandonada. Barrio de Campos. Galiza/Janeiro/2011.
Música do dia. Barracão. CD. Brasileirinho. Grandes Encontros do Choro Contemporâneo.

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O Lugar dos Zé Manés no Mundo do Trabalho

Um dos grandes dilemas do homem que trabalha, que se esforça numa jornada de 8, 9, 10 horas por dia e volta para a casa esperando no fim do mês por um salário que muitas vezes, simplesmente, não dá, não é mais o cerne da questão no mundo do trabalho. Não, não é. O que nos torna reféns do devir, hoje, é o medo de perder o emprego num mundo do trabalho sem ética.
Para Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova Iork e da London School of Economics e autor também do ensaio Carne e Pedra, O Declínio do Homem Público e The Hidden Injuries of Class, estamos imersos numa nova face do capitalismo que afeta o caráter de indivíduos em seus mais sutis detalhes na vida pessoal. E um dos pontos de partida, para que Sennett sustente seu argumento, reside exatamente a falta de condições para que o homem contemporâneo construa uma narrativa linear de sua vida profissional e pessoal, sustentada na experiência - como a daqueles dos anos que o Fordismo vigorava.

A “CORROSÃO DO CARÁTER – conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo,” lido em português, afanado por meu caráter corroído, da casa de minha prima, é trabalho muito bom, dividido em oito didáticos breves capítulos, onde se define a nova idéia de tempo capitalista, e se mostra as dificuldades de se compreender as novas relações de trabalho num mundo onde as referências e a ambição individual – ou a muitas vezes confundida, luta pela sobrevivência - é cada vez mais anti-ética. Além disso, o livro trata dos aspectos mais psicológicos dessa diluição do caráter. Os sentimentos despertos nos indivíduo como o fracasso, o desnorteamento, e a decorrente depressão.

O livro, apesar de ser anterior à bolha imobiliária que afetou Estados Unidos e União Européia de maneira violenta, é muito atual com até um certo ar de saudosismo. O autor começa a exemplificar seu argumento logo nas primeiras páginas com a estória de Enrico, um imigrante que fundou uma família e a sustentou com os esforço – sem querer ser piegas – de seu trabalho e seu suor. Enrico era o típico exemplo de trabalhador fordista. Tinha um emprego rotineiro e repetitivo, baseado no uso disciplinado do tempo. Através de seu salário, sustentava sua família e mesmo sem grandes perspectivas de ascensão profissional – devido à sua condição de imigrante e baixa escolarização – sentia-se à vontade em seu trabalho baixamente qualificado mas relativamente estável, pois contava com uma rede de proteção sindical bastante eficiente. Através desse trabalho Enrico podia contruir uma narrativa composta de estórias cumulativas de vitórias e até mesmo derrotas em sua vida. Já com seu filho, Rico, e com sua nora, a estória é outra. Ambos são profissionais qualificados num ambiente de crise econômica, o que os obriga muitas vezes a term empregos em cidades distintas, obrigando-os a viajar de avião pendularmente. Ou seja, Rico se esforça para não demonstrar nenhum laço ou vestígio com o universo do trabalhado braçal ao qual o pai pertencia. No novo Sonho americano Rico quer fugir da rotina. O grande problema é que esta rotina baseada no tempo linear foi substituída por novas formas de domínio e controle, mas Rico não se dá conta disso. Rico, com um trabalho muito mais intelectualizado que o pai, e educado para ser um trabalhador muito mais competitivo, tem uma rotina de incertezas e mudanças constantes.

Sennett compara, não por acaso, esse dois modelos de trabalhadores. O trabalhador fordista, burocratizado e rotinizado, que planeja sua própria vida familiar e suas metas se baseando em um tempo linear, cumulativo e disciplinado, e que constrói sua própria história e expectativas a partir de uma perspectiva de longo prazo. E o trabalhador flexibilizado do capitalismo das últimas décadas, que muda de endereço freqüentemente, que não estabelece laços duráveis de afinidade com os vizinhos, muda de emprego e de casa constantemente, ou seja, vive uma vida de incertezas e descartável, mas acima de tudo de laços frágeis. O trabalhador flexível não possui laços duráveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, a dificuldade de se estabelecer laços duráveis está corrompendo o caráter e como isso acontece é demonstrado ao longo do ensaio.
Neste sentido, Sennett considera que a sociedade se depara com a ponta de um dilema. O problema do antigo trabalho rotineiro com o da reestruturação do tempo implicam em instituições mais flexíveis, criando novas formas de poder e controle. Essas novas formas de flexibilização geram um movimento estrutural de reinvenção institucional, de ruptura do presente com o passado de forma a minar a burocracia aumentando o grau de especialização, num mercado que ocupa apenas temporariamente um nicho de consumidores.

Com isso as formas de controle do RH mudam também. O trabalho em casa, o chamado teleworking, toma o lugar do trabalho no escritório; “o controle face-aface” cede ao controle eletrônico de troca de emails e mensagens diretas. Isso, espelhado num trabalho em equipe, parece dar mais libertade ao trabalhador, ludibriado pela falsa idéia de que a concentração de poder sem centralização dá ao trabalho em equipes, maior controle sob o trabalho que se desenvolve. Grande balela! Sennett afirma que isso é conversa pra boi dormir, pois na verdade quem decide o que fazer e quando, ainda é o capitalista, restando aos trabalhadores apenas o refugo das decisões de como realizar as suas atividades ASAP, ou seja, “rapidinho mermão senão você roda.”

A aparente liberdade dada ao trabalhador através do trabalho em equipe, sem o patrão por perto para vigiá-lo, na verdade colocou o trabalhador ainda mais sob o jugo do capitalista, já que a atomização cada vez maior das suas tarefas fez com que este não se precisasse mais de tanto treinamento. Como conseqüência, deixou de possuir o domínio sobre seu emprego, por isso ele sempre está mudando de área, e como já não possui vínculos fortes com suas tarefas na empresa, muda de função e até mesmo de emprego de manaira mais fácil e rápida.

Toda essa flexibilização aparentemente positiva tem uma outra face que afeta o indivíduo, conceito que sociológicamente poderia ser descrito como o “Zé Mané”. O Zé Mané é esse cidadão que se mata de trabalhar no mundo flexibilizado e que não se dá conta de uma coisa muito grave.... a corrosão de seu prórpio caráter.

Segundo Sennett, o caráter é mais ou menos algo que lembra vagamente, na ética aristotélica, “o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros, ou se preferirmos ... são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem.” Buscar essa coesão de significado é algo que era possível no mundo de Enrico, mas não no de Rico, seu filho. Por que?

Bom, primeiro por que o trabalho flexível leva a um processo de degradação dos antigos profissionais de ofício (o velho trabalho do técnico, do especialista em alguma àrea...), à degradação das metas de longo prazo, à tolerância, e por fim a flexibilização do caráter também. A nova ordem do mundo da produção concentra-se na capacidade imediata, não leva em conta que acumulação da experiência. Daí a preferência do capitalismo pelos mais jovens, como Rico, por serem mais adaptáveis às formas flexíveis de trabalho.
A questão é… até então, na crista da onda, Rico se sentia afetado por isso?
Claaaro que não. Rico não passa de um Zé Mané.

Um Zé Mané de classe média não conseguia ver os riscos desse mundo com o qual corroborou, pois mesmo com seu caráter, cheio de grafite, já mais oxidado que uma canalização de ferro fundido, só via que no jogo capitalista atual todos acreditam ser potenciais vencedores, e sabem que os vencedores fazem parte de um minúsculo grupo, e que portanto não se mexer é condenar-se ao fracasso. Mas tem gente que fracassa e Rico ainda não era um destes.

Ele acrditava que o trabalho em equipe gera um novo tipo de caráter, onde o homem motivado é o homem irônico, que ganha prosélitos nas esferas superiores, e em decorrência de viver em um tempo flexível, sem padrão de autoridade por perto e com responsabilidade voláteis, não consegue se reconectar com a ética e o respeito ao próximo.Mas tampouco isso é algo que o afete tão profundamente. O Zé Mané de Rico estava na crista da onda. O problema é como construir essa nova história de vida sem valores muito sólidos, e em um capitalismo em que as pessoas estão nesse mesmo barco à deriva. A resposta para esse estado de natureza, esse salve-se quem puder, esta na maneira como as pessoas enfrentam o fracasso.

Para Rico, a resposta veio com o sentimento de esvaziamento, frente ao medo de perder o emprego. Até aí tudo bem, pois esse era um medo do seu pai também, e de qualquer outro homem e mulher com ou sem juízo – como eu ou você, meu caro leitor. Mas, em Rico foi mais profundo pois numa dessas fases de desemprego sentiu mais dificuldade em se recolocar no mercado percebendo que perdeu o contato com a moral social e cultural. Caiu na real pois seu pai frequentava um clube de imigrantes onde ele tinha amigos com os quais ele conversava sobre os mesmo temas. Rico, forçado a constantes viagens e a muitas horas de trabalho, não tem vida social. Portanto, percebe que não tem com quem dividir seu drama.

Fracassar é ruim. Lógico. E como diria Alvaro de Campos, “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.” Mas o fracasso é algo que atinge as pessoas e para superá-lo é necessário compartilhar a experiência do fracasso com um grupo ou uma comunidade para que este adquira um senso de coerência coletiva e não passe apenas como uma injustiça sofrida por um indivíduo. Isso o pai de Rico tinha esse senso. Rico, não, mas como é um Zé Mané, ainda estava jovem, na crista da onda, com os filhos relativamente pequenos, só se deu conta do buraco em que estava mais tarde.

O grande mérito de Sennett foi o de aproximar a teoria sociológica do leitor comum. Ele consegue demonstrar como esta corrosão acontece gradativamente utilizando exemplos reais, de operários, prestadores de serviço, e desempregados da IBM, ao optar pela narrativa e não puramente o uso de estatísticas e tabelas. Sennett consegue dar vida as hipóteses de planilha mostrando que as novas relações do novo capitalismo flexível corromperam e corrompem o caráter do ser humano. Mais ainda, ao demonstrar esses exemplos reais de atomização das relações humanas e trabalhistas, Sennett mostra que o homem do novo milênio sofre com a própria construção de sua narrativa de vida e narrativa histórica pois o cabra fica impossibilitado, sem padrão e nem responsabilidade.

Hipóteses como a de um Rico em dois tempos, em duas entrevistas, uma anos atrás e uma recente, Sennett descobriu duas pessoas. Dois Ricos. O primeiro arrogante, sentado ao seu lado num vôo local pelos Estados Unidos. No outro, um Rico mais modesto, workaholic sem tempo para se dedicar à educação dos filhos, sem saber se os filhos estão na escola ou se estão o dia todo zanzando pelos shopping centers ao arbítrio dos perigos que rondam adolescentes num país onde tudo é muito fácil se conseguir, e mais fácil ainda se corroer. O trabalhador flexível não possui laços duráveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, a dificuldade de se estabelecer laços duráveis, num universo onde o poder existe mas onde a autoridade é invisível, está corrompendo o caráter. Ou seja, um Rico menos Zé Mané... mas, devido ao seu isolamento, seu caráter completamente enferrujado, chega um pouco atrasado para pegar a tempo seu bonde na História.


A questão mais profunda para um Zé Mané como Rico é... "Que lugar ocupo eu, no Mundo do Trabalho?"



Música do dia. Roda Viva. Chico Buarque.
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Caminho Noturno

Ludwig Hohl é um autor suiço que viveu no século XX, e que em seu tempo foi completamente outsider. Viveu a maior parte de sua vida em extrema miséria, miséria suiça obviamente. Estudante problema, largou a escola e se bateu boa parte da vida contra o problema do alcoolismo. Consta que recebeu uma herança e casou cinco vezes, perdendo a herança e as cinco mulheres, gradualmente, no decorrer da vida. Na vida, deixou uma filha e ao que me consta pouco mais de meia dúzia de livros entre contos, poesia e aforismos.




Um desses livros é o ótimo Camino Nocturno, traduzido para o espanhol pela editorial minúscula. Um pequeno livro com nove contos enigmáticos, escritos entre 1931 e 1937, com temas que giram em torno ao desamparo do ser humano, os diversos graus de incomunicabilidade do dia-a-dia e, obviamente à miséria e o egoísmo humanos. Os seis primeiros contos, são uma espécie de parábola de difícil penetração em sua moralidade, algo que me deixou com a meditação sobre a condição da nossa miséria e dos nossos ao nosso redor. Como no conto El erizo, um animal meio mutante, que é criado com todo o carinho por um casal que o trata com todo o carinho como se tratara de um bebê, logo quando de sua chegada, e que aos poucos vai crescendo em formas disformes e bizarras, detido no sótão da casa, transformando-se numa espécie de javali ou fera que na mínima oportunidade é capaz de devorar os pais adotivos. O mesmo hermetismo encontra-se em La hoja, quando um homem se vê impedido ou adia voluntariamente uma decisão em virtude da contemplação de uma folha que se cai de uma àrvore. Proposital ou acidentalmente, a série de eventos em volta de um ponto de fuga, determina a procrastinação do protagonista desse conto que é brev[issimo mas de um profundo significado para aqueles que acreditam que acima de tudo há metafísica suficiente, mais em não fazer nada que em não pensar em nada! Já a partir do sétimo conto, Hohl deixa a contemplação de lado e parte para o lado prático da vida com protagonistas mais tangíveis como é o caso de La borracha, que em tradução para um português mais erudito poderia ser expressa por A Manguaça, uma mulher que trabalha com seu marido num pequeno bar, mas que em virtude das constantes crises e recaídas, torna a vida dos fregueses e do próprio marido um inferno com cheiro de gin e cebola.


Como deduzível, o trabalho de Hohl nunca foi comercial, e por vezes para um leitor brasileiro que confunde o Espírito hegeliano com os batuques de um cambono no fundo do terreiro, pode até sentir uma certa aversão à profundidade e à falta de humor. Mas é um escritor que de alguma maneira se torna necessário nos dias de hoje, quando tudo é tão prêt-à-porter.

Música do dia. Luar do Sertão. Catulo da Paixão Cearense.Paulo Tapajós e Coral do Joab da Turma do Sereno.

os culpados pela música brasileira ser o que é...


Brasileirinho Encontros do Choro Contemporâneo
Lida - Yamandu Costa
Yamandu Costa + Dominguinhos
Violão Brasileiro - Rogério Souza
Brasilianos 2 - Hamilton de Holanda
Intimo - Hamilton de Holanda

Orlando Henriques:Gaudí, una altra mirada


 Fotografia é realmente algo que me atrai, e quando associada a uma web ou um blog, mais ainda. E numa cultura onde o texto vale cada vez menos, o sujeito como eu que se dedida diletantemente a ambas formas de comunicação que estão a caminho do fim da linha, encontra consolo no fato de que o mundo da web e da imagem digital sejam facilmente redutíveis ao texto e à vã prevalência daquela sobre o texto. Orlando resiste e esconde narrativas de amor a suas imagens em suas images TIFF e JPEG.

Orlando Henriques

Os Dragoes Escandinavos


É provável que a minha simpatia pela trilogia de Stieg Larsson tenha sido reforçada pelo meu caro apreço compartilhado pelo universo que raquers e que o uíquilíqui mostrou em toda a sua extensão nessas semanas – aliás, sem trocadilho, tá engraçado pra caramba ver todo mundo tentando explicar o embaraço causado pelo lEiTe DerRRaMadO, após Rílari ter ignorado o presbiterianismo intenacionalista dos 14 pontos do camarada Woodrow Wilson - falo do que ninguém fala, aquela espionagenzinha boba na ONU, tipo assim, aquela que fizeram na época para invadir um determinados país vizinho de um outro país que ao que tudo indica sera a bola da vez....


Por mais ridículo e cambaio que tenha sido meu mês de novembro, dividindo meu tempo entre a abrasiva realidade da violência no Rio de Janeiro e a leitura de uma trilogia sobre um jornalista oportunista fazedor de chalchichas e uma haker débil mental, valeu a pena. Afinal, citando Pessoa, tudo vale apenas quando a alma não é de menas.


Não se trata de literatura, longe disso. As mais de 2100 páginas da trilogia escrita pelo sueco são um puro entretenimento que nos leva a crer que - citando Hamlet, obviamente - há algo de podre no reino da Suécia. Mesmo assim há técnica narrativa. Acho que é isso. Trata-se de uma técnica de não deixar espaços vazios ou fios do enredo soltos, muito mais que uma preocupação com o texto. Para preencher esses espaços vazios ele evoca os fatos, apenas fatos.


O primeiro livro (Men Who Hate Women) talvez seja mesmo o melhor da trilogia. Como nos melhores contos policiais, pouco dos investigadores-protagonistas e muito do enredo é revelado. O livro começa com uma intrigante cena. Henrik Vanger, um empresário aposentado, desses podres de ricos, recebe um quadro com uma flor. No seu escritório há 43 dessas flores secas. As sete primeiras foram dadas por sua sobrinha Harrier Vanger. As demais são enviadas anonimamente todo o ano de diferentes parte do mundo, certificadas pelo carimbo dos correios, sempre no dia do aniversário da sobrinha, que desapareceu há mais de trinta e seis anos da ilha onde a família Vanger vive até hoje. As investigações policiais nunca deram em nada. Jamais conseguiram chegar a uma conclusão sobre seu assassinato pois nunca encontraram seu corpo. No dia em que ela desapareceu havia uma celebração cívica e um acidente, e a única ponte que ligava a ilha ao continente estava interditada. O que eliminava a hipótese de que o suposto assassino tivesse sumido com o corpo. Desde então, o tio Henrik Vanger é obcecado pela solução deste caso.

Mikael Blomkvist é um jornalista de meia-idade que anda na lona após ter denunciado, difamado e caluniado um empresário, meio no estilo Veja, sem ter provas – mais tarde acaba-se sabendo por um enredo secundário que o tal de Hans-Erik Wennerstrom é verdadeiramente um mau caráter que se dedica à lavagem de dinheiro. Mas nessa altura, Blomkvist ainda é um jornalista desacreditado e sem muitas opções profissionais, por esse motivo ou apesar dele, acaba por aceitar o convite de Henrik para desvendar o desaparecimento de sua sobrinha.

Henrik contrata a empresa de investigações de Dragan Armanskij para fazer um levantamento da vida de Blomkvist. Na empresa trabalha uma das investigadora esquisitona chamada Lisbeth Salander, uma moça meio punk, meio pan, meio cheia de peircings e tatuagens, meio totalmente anti-social, meio toda magrela e vista assim a distancia meio retardada. Ela é a responsável pelo dossie a respeito de Blomkvist que Dragan entrega ao advogado de Henrik antes que este o contrate.

Por conta dessa investigacao, os dois acabam se encontrando. Ou melhor, Blomkvist descobre que havia sido investigado por Salander por encomenda de Henrik. Fica indignado, mas como eh compulsivo e nao consegue mais se livrar da investigacao, que se entranhou em seus poros, nao desiste do caso. Ainda assim vai ateh a casa de Lisbeth para tirar uma saxtixfacao com a moca. Os dois acabam se entendendo e vindo a trabalhar juntos. Ela com suas habilidades de haker vai a procura dos detalhes que Blomkvist não consegue desvendar apenas com a lógica.

Evidentemente que não vou revelar os detalhes mais importantes da trama que é otima, mas depois desse livro, quando você vir um Volvo passando pela rua ou uma estante da Ikea, você vai ficar pensado nas, vamos chamar assim, virtudes da convivência familiar escandinava. E olha, meu amigo, a família Vanger e podre. Mas como no meu caso, tendo Nelson Rodrigues, Carlos Zéfiro e acima de tudo Jenival Lacerda como figuras tutelares para minha moral - em lugar de Lia Luft - nem fiquei tão impressionado assim com o livro.

The Girl with the Dragon Tattoo, o segundo livro da série, é mais centrado em Lisbeth Salander. Ela agora vai ganhando contornos mais humanos e percebe-se mais seu entorno e suas reações. Acima de tudo, descobre-se sobre seu passado e sobre o acerto de contas com seus, diríamos assim, fantasmas.

No início da estória Lisbeth desapareceu. Com a grana que ‘ganhou’ em suas atividades de ráquer no caso Hans-Erik Wennerstrom, se mandou da Suécia para esquecer a relação com Blomkovist. Está numa praia do Caribe curtindo a vida, estudando equações matemáticas – coisa boba, puff, tipo teorema de Fermat e aritmética de Diofantos. De quebra ajuda uma mulher a se livrar, ainda que acidentalmente, do marido canalha, durante um furacão e usa o tempo livre para fazer operções finaceiras on-line.

Mikael Blomkvist, livre da cadeia, tendo desvendado o paradeiro de Harrier Vanger, e tendo seu nome limpo ao desvelar a verdadeira face criminal de Hans-Erik Wennerstrom, volta à Millenium fortalecido. Nas mãos tem uma reportagem sobre tráfico de drogas (que na Suécia, ainda é um escândalo!) e prostituição de mulheres procedentes do Leste Europeu. O responsável pela investigação jornalística é Dag Svensson, um jovem jornalista, e sua esposa Mia Bergman, especialistas em criminologia.

O aprofundamento das investigações jornalisticas levam a uma máfia encabeçada por um homem misterioso chamado Alexander Zalachenko, ou apenas Zala, um ex-dissidente soviético, que pediu asilo político na Suécia nas vésperas do Social-Democrata Olof Palme deixar o poder. Meio X9, meio alcaguete, Zalachenko, a princípio, seguindo-se a linha de investigação de Blomkovist, acredita-se que ele só tenha alguma conexão com a investigação de Dag Svensson sobre prostituição e cafetinagem. Entretanto, há muito mais coisa feia. Várias vezes há insinuações sobre a suposta relação da chegada de Zalachenko à Suécia e o assassinato de Palme – principalmente no terceiro livro, quando ele está na berlinda e começa a ameaçar Säpo, a puliça secreta sueca, com a velha máxima “vô contá tudo que eu sei”. Fato é que a Zalachenko, não apenas por ter vindo de onde veio, numa época que um comunista e soviétivo era mais temido que um javali contrariado, mas por que trouxe com ele segredos, já que era da inteligência militar russa, contava com uma proteção especial.

Neste terceiro e último volume da série, The Girl Who Kicked the Hornet's Nest. Lisbeth está chumbadona. Literalmente. Tomou um monte de tiros e um deles justo na cabeça. Está entre a vida e a morte internada num hospital. No quarto ao lado, seu maior inimigo, Zala – não posso revelar por razões ético-carnavalescas quem é o tal de Zala pois e nesse fio que se sustenta tuda a trama do segundo volume. A moça está em apuros. Está internada, e assim que sair do hospital – se sair – deve responder por um processo de tentativa de triplo assassinato de Zalachenko.

Mikael Blomkvist evidentemente não crê nas acusações e vai a procura de respostas para limpar o nome da moça. Para isso, conta apenas com a ajuda da equipe de Millenium - agora sem sua editora chefe, centrada em sua ambição, que foi para outra revista maior –; de Annika Giannini, irmã de Mikael, advogada especializada em defender vítimas de crimes contra a mulher; e o inspetor Jan Bublanski, que começa a investigar o caso seguindo uma linha distinta da promotoria liderada por Eriksson se eu não me engano, já que a quantidade de personagens nos três livros deve ser duas vezes maior do que o número que pessoas que já passaram pela minha vida, contando aí o seu Bijú, temido inspetor do CEFET, o mudinho Hélio com quem eu trabalhei muitos anos, e muitos outros.

Enquanto Erika Berger está totalmente imersa numa luta pelo poder e estratégias comerciais em seu novo jornal, o Svenka Morgon-Postenm Mikael está só e desorientado na investigação daquilo que começa a se conigurar como um complô contra Lisbeth. Confiar no Estado – no Aparelho do Estado como diria o bão e véi Althussé – não é uma saída muito lógica, já que as acusações que pairam sobre Lisbeth são graves.

O segredo comercial de Stieg Larsson? Para mim são dois, além do talento apenas de ser um bom e competente contador de estórias. Primeiro, os desdobramentos a trama principal. São inúmeros (perdão da má palavra!) sub-plots, que ele vai abrindo e fechando com precisão milimétrica. Ele absolutamente não deixa nada de fora, mesmo criando uma in-fi-ni-da-de de personagens que circundam a trama principal. O cara se dá ao luxo até de tornar um faxineiro, um neuro-cirurgião, e um cidadão com síndrome de imunidade a dor, personagens fundamentais em determinada parte da trama. Segundo, os detalhes. Mesmo com essa quantidade imensa de personagens, ele detalha-os de maneira precisa, dando-lhes individualidade. E as sequencias de fatos, sem divagações sobre a psicologia dos personagens, afinal cada livro tinha apenas 700 páginas. Não dá tempo...

Ontem também, assisti o terceiro filme da série. TODOS os três. Péssimos. A impressão que tive em todos os três é que os diretores – diferentes em cada um deles – foram incompetententes e desleixados, deixando um monte de detalhes fora da narrativa filmica. Enfim, acabou.

Filmes de 2010

Lista Parcial dos Filmes, Operas e Documentários de 2010.


The Life of Emile Zola


Orlando


The Girl Who Played with Fire


Greenaway: The Shorts


H

Memories of Murder


The Girl with the Dragon Tattoo


The Secret of the Grain


Cria Cuervos


Henry & June


Henri Cartier-Bresson: The Impassioned Eye


Lady Vengeance


El Bola


Sympathy for Mr. Vengeance


Camille Saint Saens: Samson et Delila


Mamma Roma


Le Corbeau


Elling


Army of Shadows


Il Posto


The Sorrows of Gin


Les Miserables


Elegy of the Land


Sanshiro Sugata


The Men Who Tread on the Tiger's Tail


The Bothersome Man


Golden Door


Junebug


Love and Anger


Disgrace


The Station Agent


Hawaii, Oslo


Fedora (Metropolitan Opera)


Cavalleria Rusticana / Pagliacci


A Girl in Black


Samson et Dalila


Ernani


Thais


Rossini: La Cenerentola


Otello


Donizetti: L'Elisir D'Amore


Don Carlos


Nabucco


Inglourious Basterds


Lucia di Lammermoor


Julia


Adaptation


The Little Foxes


Bye Bye Brazil


Cet Amour-La


Of Human Bondage


To the Left of the Father


Flame and Citron


Blind Chance


Children of Heaven


Ikiru


Grupo Corpo: Dance Theatre from Brazil


The Night of the Shooting Stars


You Laugh


Elective Affinities


The Barbarian Invasions


The Decline of the American Empire


Ginger & Fred


City of Women


Thirst


Quiet Days in Clichy


Orchestra Rehearsal


Crisis


The 3 Penny Opera: Bonus Material


Torment


The Prefab People


Autumn Sonata


Family Nest


Werckmeister Harmonies


Hour of the Wolf


The 3 Penny Opera


Almanac of Fall


The Outsider


Children of a Lesser God


Damnation


Children of Paradise


Therese Raquin


Wagner: Siegfried

As UPPs de Frederick Wensley contra a preguiça Serpico


Sem desconsiderar Scarface e o próprio Poderoso Chefão, ainda penso que Serpico é um dos melhores filmes onde assisti Al Pacino atuando. O Filme é de Sydney Lumet – um dos mais irregulares monstros sagrados do cinema americano de quem Hollywood quase não fala. Nos dividendos de Lumet estão o Assassinato no Expresso do Oriente (uma bomba de filme!), mas no saldo estão obras primas como o 12 Angry Men, com o Henry Fonda, e o The Pownbroker, com o Rod Steiger. Em suma, Lumet tem uma qualidade essencial: sabe escolher a dedo seus protagonistas. Em Serpico, não é diferente.

Hoje, vendo essa realidade do Rio de Janeiro, um filme oportuno para nos fazer refletir sobre o caráter corrosivo da corrupção policial no Rio de Janeiro. O filme é atual, mas  nem é um grande filme, pois é bastante biográfico e linear. Fato é que Al Pacino empresta à pele de Frank Serpico, da Polícia de Nova Iorque, toda a angústia, o desespero e o estoicismo de um policial honesto cercado por corrupção e desonestidade por todos os lados. O filme começa com Serpico coberto de sangue, com as sirenes ligadas e chegando ao hospital. Acabava de ser baleado na cara. O resto do filme conta a história de Serpico, um policial que recusa se misturar com a banda podre da polícia... e por isso paga um preço caro.

O jovem policial é idealista e extremamente frustrado com a política. Sua vida pessoal, por estar sempre meio que exilado de seu meio, acaba por torná-lo um cara meio evasivo até mesmo para a noiva. Ele tem um pouco dos hippies. Carrega todo o peso da aura contracultural, se veste de maneira extravagante, mora no Greenwich Village, num bairro artístico, tem a barba sempre grande e sempre está rodeado de hippies e amigos ligados a movimentos de esquerda. Ou seja, um cara meio maconheiro, mas meio esquisitão. Ao se negar a receber propina e participar dos pequenos esquemas de corrupção, ele passa a se tornar um estranho no ninho do NYPD, levantando a desconfiança de seus companheiros de farda. Em pouco tempo está depondo na temida Knapp Commission, uma comissão de investigação no esquema de Corregedoria policial com o aval do Juiz Percy Whitman Knapp, que apurava casos de corrupção policial na NYPD.

Ainda por conta do teatro mediático dos últimos dias no Rio de Janeiro, eu, um quase agnóstico militante, fiquei pensado em Tomé,  o apóstolo. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Ele apenas disse que precisava tocar nas chagas para crer na ressurreição. Muito incauto pensa que tocou pois ficam vendo essas telas do Caravaggio e passam a acreditar que tocou e que a partir daí é que passou a crer na existência da vida nova. Tocou nada! Tomé acreditou na palavra. Imagine, se ia trocar o único bem que tinha - o do benefício da dúvida - pelo bem que imaginava obter - uma hipótese insustentável. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra, que gera o benefício da dúvida.

Crer cegamente é confortável. Crer que a polícia está do lado do bem os bandidos do lado do mal, é reconfortante. Folheava eu hoje pela manhã um livro interessante chamado The Scotland Yard Files de Allan Moss. Evidentemente não li o livro todo, pois acho esse assunto para lá de enfadonho, mas de saltos em saltos pude constatar que a história da Scotland Yard, assim como a história da polícia do Rio de Janeiro, está cercada de brutalidade e corrupção. Mas tudo bem, pois o pensamento sempre foi o de: se está funcionando, deixa como está.

A chamada Polícia Metropolitana de Londres surge em 1829 pela aprovação do Metropolitan Police Act. As atribuições dessa nova polícia eram as de prestar proteção a personalidades públicas, comunidades, patrulhas e todas as demais atribuições de uma polícia do século XIX. A partir de 1842 parte da Scotland Yard passa a andar à paisana. Ou seja, os policiais que já não tinham boa fama fardados, não podiam mais reconhecidos. E em poucos anos, a polícia já era um exemplo do que uma polícia não deveria ser. O naipe de irregularidades ia desde a asociação com máfias irlandesas, prostituição, jogo, até crimes de gênero.

Em 1877 a instituição era tão corrompida e desacreditada que 4 de 5 elementos que ocupavam os postos de mais alto escalão na hierarquia são julgados e acusados de conspiração e formação de quadrilha. Dez anos mais tarde acontece o famoso “Bloody Sunday” - imortalizado na música de uma banda que ”existiu” na década de 90, chamada U2 – quando 2000 policiais avançam contra uma manifestação pacífica de trabalhadores da Social Democratic Federation matando 100 trabalhadores.

Foi necessário quase 50 anos para chegar um cara chamado Frederick Wensley. O apelido dele, provavelmente dado por seus detratores, era weasel, ou furão ou fuinha, uma espécie de rato dentuço. Fato é que o homem ficou à frente da Scotland Yard por mais de 40 anos. Foi ele quem implementou a transformação radical da instituição. Primeiro, mudou de prédio de lugar. Segundo, aumentou o número de policiais. Só para se ter uma idéia, em 1890, o número de policiais subiu de 1000 para mais de 13000. Ou seja, injetou uma tropa com sangue novo e transferiu todos os corruptos para funções burocráticas, longe das ruas e portanto longe das atividades ilícitas. Em duas décadas, conseguiu "limpar" a polícia londrina.

Bem, mas resta saber se toda essa política de reestruturação da polícia do Rio de Janeiro, baseada na tomada de territórios, armas e drogas dos traficantes será acompanhada por uma reestruturação geracional da polícia. Sabe-se, por leitura de jornais, que as UPPs usando “mão-de-obra fresca“ procuram suprir e substituir com novos e entusiásticos policiais, uma tropa já viciada em velhas práticas.

Sou muito cético em relação a isso, pois há um componente histórico nisso tudo -  e por favor vejam os trabalhos do historiador Marcos Bretas da UFRJ sobre a formação da Polícia Militar e a história de como se formou a Guarda Nacional do Império.  Curiosamente, a nossa polícia era tão corrupta e brutal quanto a Scotland Yard, e mais curioso ainda é que a nossa, formou suas primeiras tropas incorporando justamente milícias estaduais. Milícias de homens armados que trabalhavam para grandes proprietários de terras, ou o grande capital urbano.

Mas concentrando-se apenas nos fatos... O governo fala de 40 UPPs, ou seja, mais 28 unidades nos próximos quatro anos. Com base em critérios técnicos da Secretaria de Segurança Pública, eles alegam que isso seria suficiente para ocupar todas as comunidades que são controladas pelo poder paralelo.

Um conhecido meu que entende muito desse negócio de UPP, me diz que cada UPP tem atualmente uma média de 150 PMs, o estado precisará de mais 4200 soldados nos próximos quatro anos. No seu argumento, o governo acaba de ampliar a capacidade de formação da academia da PM, que agora poderá recrutar e formar 20 mil soldados no próximo mandato.

Ainda seguindo seu argumento, a média de PMs que deixam a corporação por aposentadoria ou por mudança de profissão mantiver-se constante, ou seja, pouco acima de 1000 ao ano, o Estado vai perder menos de 5 mil PMs nos próximos quatro anos. Assim, o saldo em 2014 pode ser superior a 15 mil novos PMs, bem mais do que suficiente para as UPPs e para o patrulhamento das ruas. Mesmo que as próximas unidades exijam efetivos bem maiores, como será o caso do Complexo do Alemão e da Rocinha, PMs não será um problema.

Essas são as contas deste conhecido, douto em políticas públicas.... ou seja, uma pessoa muito inteligente!

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Agora, eu mostro as minhas contas...

Fazendo uma matemática rápida em cima de uma entrevista recente do recente Secretário de Segurança para a recente Revista Epoca, para 10 comunidades, a polícia precisaria de 1880 homens. Ou seja, ele precisa de quase 200 homens para cada favela - dependendo do tamanho de cada uma, obviamente.

No fundo, estamos falando de mais de mais ou menos 800 favelas no Rio de Janeiro, mais de 1.5 milhão de pessoas morando em comunidades pobres. 1.5 milhão de pessoas é mais ou menos 10% da população do estado do Rio de Janeiro. Você pode até discordar do meu ceticismo e das minhas conclusões, mas você há de convir que é gente pra dedéu.

Bom, mas ainda baseado na entrevista do Secretário, para pacificar 800 favelas, ele precisaria multiplicar 188 homens x 800 favelas. No fundo ele precisaria de mais de 150 mil soldados para cobrir todas as favelas. E ele diz que a ACADEPOL pode formar 4000 por ano. Ou seja, o plano é bom mas é eleitoreiro exatamente nesse ponto, pois em 4 - 5 anos ele somente poderá colocar no máximo 20 mil soldados em UPPs. Vamos ser sinceros, isso vai cobrir mais ou menos 15% do total de favelas do Rio de Janeiro.

Por isso, a impressão que me passa é a de que o atual Governador – por mais bem intencionado que esteja e digo desde já que só em ter tocado nesse vespeiro já ganha minha simpatia - está combatendo com recursos parcos e limitados apenas o varejo. O atacado da droga e da arma, não é abalado pois depende de combate nas esferas federais.

Somente para concluir... do que eu estava falando mesmo... ah sim, do filme Serpico.... penso que o atual governo do Estado está incorporando ar proselitista desde que assumiu, dizendo que não pode prender o traficante x y z por preservar vidas… pode ser. A atuação no Complexo do Alemão provou isso. E alguma coisa mudou desde que ele asumiu. Pois o Alemão já tinha sido invadido em meados do primeiro mandato do atual Governador. E foi aquele desastre com 30 mortos repercutindo mal pra caramba - com os traficante trazendo os corpos em carrinhos de mão para a entrada da favela para a policia recolher.

Ainda há as contas que um outro amigo que não entende nada de nada, mas é engenheiro e tem MBA nos Estados Unidos, ou seja, entende de matemática. Ele acaba de me passar dados baseados no blog do Luis Nassif.... e cá pra nós, assustam mais:

[ Fiquei curioso para saber o preço das armas usadas pelo narcotráfico, como a UZI e a AK-47. Eu imaginava que estas armas custariam milhares de dólares -  mesmo no mercado negro.

Para minha surpresa, descobri que o custo é bastante acessível: vai de $400 a $800. (Fonte:http://www.atlanticfirearms.com)

Assumindo uma média de $500, o custo para armar um grupo de 600 homens é de $300 mil.

Parece muito, mas é o equivalente a apenas 6kg de cocaína ($50/g) ou 300kg de maconha ($1/g).

Só para ter idéia dos números do tráfico, a Secretaria de Segurança Pública do Rio informou que, entre domingo e ontem, foram apreendidos 33 toneladas de maconha e 235 quilos de cocaína no conjunto de favelas do Alemão.

Considerando que a demanda por drogas vai seguir existindo (isto é um fato), todo este dinheiro irá para os traficantes de outros morros. Pior: eles ganharão ainda mais devido à escassez temporária.

Dá para entender por que a guerra contra as drogas não funciona?]

Mas voltando a Serpico. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Acreditam que tocou. Faz bem acreditar. Mas no fundo ele so creu na palavra. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra. Na palavra de honra. Dá pra acreditar? Que dá dá, mas...