Hawaii, Oslo



Hawaii, Oslo é um bom filme norueguês de 2004 que segue a linha de outros filmes como 21 Gramas e os clássicos Magnolia e o grande Crash. O filme conta a estória de um grupo de pessoas que não necesariamente se conhecem mas que têm suas vidas cruzadas em algum momento.
Talvez a principal estória seja a de Leon, paciente de um hospital psiquiátrico, que espera pela realização do pacto que fizera com sua namorada, Åsa, dando conta de que quando cumprisse 25 anos, iriam viver juntos. No hospital, Vidar é o trastornado enfermeiro que se torna um bom amigo de Leon. Mais que amigo, se torna uma espécie de protetor do paciente que ao se sentir frustado, ou tomado pela sensação de pânico, começa a correr sem parar. Vidar é transtornado pelos seus sonhos. Até aí Freud riria de minha frívola sentença. Mas literalmente, Vidar acredita ter poderes premonitórios, já que seus sonhos trágicos, de alguma maneira se tornam realidade. Num deles, o jovem Leon é atropelado por uma ambulância e morre. Essa morbidez torna Leon superprotegido por Vidar, que angustiado pela perda do paciente e amigo, passa a não quere mais dormir.
O Filme começa com Frode e Milla com um bebê dentro de uma ambulância. Eles estão tendo seu primeiro filho, e foi dito a eles que não viveria por muito tempo. Em cortes rápidos, Leon corre em disparada pelas ruas de Oslo, à noite. Noutro corte, Vidar corre a procuda de Leon. Uma mulher desconhecida também vaga pelas ruas e cruza com Leon. Toda a sequência inicial é caótica mas determina todas as demais sequências do filme...
No dia de seu aniversário, Vidar, ansioso pelo momento da visita de sua prometida, acba recebendo a visita de seu irmão, Trygve, cumprindo pena por roubo, que pega Leon no hospital psiquiatrico para comemorar seu aniversário, mas que tem planos de usar a saída da cadeia com o irmão para fugir. O irmão tem um novo plano de assalto e pretende envolver Leon no roubo, no mesmo momento em que Leon se desespera com a hipótese de não encontrar Åsa.
Filmezinho bom, filminho bom...

Disgrace

John Malkovich é David Lurie, o professor de poesia romântica que perde sua posição e prestígio, antes de cair em desgraça, pela “relação amorosa” que mantém com uma aluna. Tanto o livro quanto o filme mostram que a reconciliação é um conceito apenas retórico na Africa do Sul pós-apartheid. No filme, Malkovich que já era um especialista em papéis ambiguos, Dangerous Liaisons e Ripley's Game são a prova maior disso, empresta a pele ao David Lurie, personagem criado por J.M. Coetzee.


O filme de Steve Jacobs segue absolutamente linha por linha a trajetória do livro. Para dizer a verdade, tamanho respeito ao original, torna a linguagem filmica um pouco monótona e nos mostra que realmente as duas formas de expressão, o Cinema e a Literatura, são práticas que dialogam mas que antes de tudo são distintas.

Nem por isso deixam de dialogar e esclarecer algo que talvez escapasse até mesmo a uma segunda leitura atenta ao livro.

Um dos pontos que o filme, ou no caso, uma segunda leitura com imagens, Lucy, a filha de Lurie, mesmo depois da violência sofrida, escolhe reerguer a vida exatamente no local onde a mesma havia sido violada e destruída. A decisão da filha não é compartilhada pelo pai, estremecendo mais ainda uma relação que nunca havia sido muito sólida. Um segundo ponto é tentar entender as razões de Lurie não aceitar uma espécie de pacto corrupto, se retratar publicamente e retornar a suas atividades docentes. No livro, o leitor talvez sempre se espere por uma virada, que a cada página se torna mais distante. O filme segue literalmente o livro, mas se Jacobs tem algum mérito, o mérito está em monstrar um David Lurie completamente devoto ao seu estudo intelectual. Enfim, não se pode esperar de um homem que dedica a sua via a ler Byron, Keats e Shelley, essa espécie de remissão. Por isso a estória é demolidora, no papel e na tela.

O filme vai até um pouco mais além. A indulgência nunca chega, e se chega assume uma peculiar expressão de aceitação. A auto-expiação, se caso ela exista, está ali em imagens quando quase no final do filme a câmera em zoom-out se afasta de Malkovich e mostra seu entorno. Ou seja, uma pequena casa, a câmera se afasta, uma pequena fazenda de terra não muito fértil, a câmera se afasta mais, a casa cada vez menor frente a vastidão de uma terra cada vez mais virgem, intocada, bravia. E o filme termina.

http://ilusaodasemelhanca.blogspot.com/search/label/Literatura%20Sul-Aficana

Música do dia. Ne me quitte pas. Jacques Brel
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Saramago (1922-2010)

Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás, Agora já não estou tão certa, Terás então de ler doutra maneira, Como, Não serve a mesma para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam pegados à página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é que importa, A não ser, A não ser quê, A não ser que esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e apenas sua, a margem a que terá de chegar.

A Caverna.

Antropofagia



Um modernista poderia dar cambalhotas de felicidade. Eu não. Em um dia apenas, confiro o saldo bancário, leio de 30 a 40 páginas, dou pelo menos uns 10 Ctrl+Alt+Del, uns 150 Enters, troco 3 fraldas em média e durmo 6 horas em média, traduzo e reviso, assino meu nome pelo menos duas vezes por dia em algum memorando sem a menor importância, leio dois jornais em português, dois um em inglês, um em espanhol e quando dá um em galego, uso o comando ls –l e o pwd e abro e fecho permissões  no UNIX  pelo menos 200 vezes para saber onde estou localizado no mundo, e assisto pelo menos dois filmes. Quando dá tempo, ainda racunho coisas para este meu blogue maltratado e sem-vergonha. E por isso tudo, mas principalmente pela falta de tempo, não há coisa mais insuportável para mim que assistir filmes ruins. Ao assistir Inglorious Basterds certifico-me do grande antropofágico que é Tarantino. Uma vez pergutaram para Billy Wilder o que ele achava de Tarantino – na época de Pulp Fiction e Reservoir Dogs! Wilder devolveu ao entrevistador uma pergunta premonitória: “Quem?”


À epoca, achei um certo exagero de Wilder. Mas depois de assitir Jackie Brown e principalmente Bill Kill um e dois, chego a conclusão que Wilder tinha razão. Tarantino é um pastiche dele mesmo, um reciclador de lixo, prova disso é que seu filme anterior, Death Proof nem chegou a ser lançado. No fundo o que ele faz é usar filmes B dos anos 70, colocar uma trilha sonora eletrizante, dar novos ângulos, encher tudo com violência explícita e gratuita, juntando humor negro, para brincar com os fatos e estereótipos,  transformando tudo num novo filme B com um suposto ar cool. Essa antropofagia é ótima para fazer teses. 

O título inglês original está grafado errado de propósito para enfatizar que os Basterds são energúmenos e psicopatas violentos. Tudo no filme é assim, surpreendente e ao mesmo tempo rigorosamente calculado para conseguir um efeito esdrúxulo: A visão vingativa - que funciona  nos quadrinhos e nos filmes B mas não na História.  No fundo aposta na idéia excepcional e infantilmente forçada de que nada foi daquele jeito, mas que bem poderia ter sido.... No fundo, falta-lhe um certo pudor com seu prórpio passado, com aquele cineasta genial que poderia ter sido levado a sério uma década atrás. 

Se há algum mérito nesse filme, não sei bem. Há sem dúvida, diálogos bons, como o da sequência inicial quando um fazendeiro francês, na França de Vichy recebe a visita de um oficial da SS que vem interrogá-lo aparentemente de forma amigável. Além disso as sequências dos filmes quando Hitler, Goebbels e o alto comando morre no cinema, são reais. Dá pra notar que pelo menos um dos filmes é da Leni Reifensthal.
Pensar que nessas duas horas e meia (!) eu podia não ter feito nada, ou ter dado 5 Ctrl+Alt+Del, ou 25  ls –ls e  pwds, ou ter lido de 20 páginas, ou ter dado 40 Enters, ou trocado 1 fralda fedida  e asquerosa, ou  traduzido e revisado um texto, ou ter assinado meu nome num papel que será arquivado e esquecido, ou simplesmente não ter feito nada, pois melhor a metafísica em não pensar em nada a um desses  filmes do Tarantino. 

Música do dia: Hoje não tem música....
Há qualquer coisa a que eu chamo o rancor da grandeza: tudo o que é grande, uma obra, um feito, volta-se imediatamente, uma vez realizado, contra quem o fez. Este, precisamente porque o fez, encontra-se fraco — já não suporta o seu acto, já não o olha de frente. Ter atrás de si algo que nunca se deveria ter querido, algo em que está atado o nó que há no destino da humanidade — e tê-lo, doravante, sobre si!... É quase esmagador... O rancor do que é grande! Outra coisa é o silêncio horripilante que se ouve à nossa volta. A solidão tem sete peles; nada mais as atravessa. Encontramos pessoas, saudamos os amigos: novo ermo, já nenhum olhar nos saúda. No melhor dos casos, uma espécie de revolta. Uma tal revolta senti-a eu, em graus muito diversos, mas por parte de quase toda a gente que me era próxima; parece que nada ofende mais do que fazer, subitamente, notar uma diferença — as naturezas nobres, que não sabem viver sem venerar, são raras.
in Ecce Homo, Friedrich Nietzsche

Imagem. Cannibalism in Autumn. Dali.

Asteya

Vou em frente. Chega de perder tempo com gente como o poeta escocês Robert Burns e Thomas Man. Poetas e escritores que já não me dizem nada e insistir em entendê-los seria roubar de mim mesmo algum tipo de energia, ou melhor, o tempo que não disponho mais na vida. Escritores e poetas com quem passo meu tempo são os que expandiram o limite de sua arte com inventividade e coragem, como os exemplos de João Cabral e Ivan Junqueira, e transformaram o conjunto de sua obra em algo imprevisto. Tão bom que me toca intimamente, a ponto de eu coçar minha cabeça e dizer, Isso é muito bom, por que eu nunca tinha lido antes. Por isso, um dia, espero que brevemente, lerei Joyce. E por isso que gosto do que Borges fez com a literatura contemporânea ao juntar literatura policial folhetinesca com a História e os arquétipos mais íntimos o ser humano; por isso considero a leitura de Balzac, Flaubert e Dostoievski como experiências tão necessárias a um homem como as de ler um livro com paixão, criar um filho, plantar uma árvore; por isso gosto de Pollock que me fez ver, pelos olhos de Giulio Carlo Argan os movimentos espaciais da cidade. Por isso, para mim, não seria um exagero incluir entre eles a inventividade de Tom Ze, a poesia de Tom Waits, os filmes do Kurosawa e do Vittorio De Sica, e a música de Brahms, e o Flamengo da década de 80 que vi jogar. Razão? Por que me causam paz e inquietação.

Na minha idade, já cansei de brigar com fatos. Interpreto-os e vou em frente. Com quase quarenta anos é muito fácil identificar uma derrota, mesmo que seja difícil admiti-la em público, já que como dizia Pessoa, difícil é encontrar um amigo que tenha levado porrada. Todos são campeões em tudo. E o que aconteceu ontem foi isso...

Tivemos o melhor time dos últimos 15 anos que em pouco mais de três jogos pôs por terra as esperanças contidas há quase 30 anos, desde aquele longínquo 1981. Penso que se eu escrevesse isso ontem usaria aquela sinceridade deseperada, desalentada e pungente da juventude, e me juntaria ao coro da torcida gritando FORA ADRIANO. Me senti mais revoltado e desrespeitado ao ver um time destes se esforçando ao máximo ganhar de um time mediocre do que com o desrespeito do goleiro Bruno mandando beijos para a torcida, num ato de ironia ignóbil. Mas, antes antes de um grito na laringe danificada, reflito hoje com ponderação. E o que realmente me revoltou em todos os jogos foram os primeiros tempos, geralmente já tendo tomado um gol e sendo obrigados a adquirir uma urgência desesperada para correr atrás do empate e da vitória, sempre sofrível. Ou seja, a falta e compromisso que inspirou a desconfiança a cada jogo.

Desconfiança esta, vamos ser sinceros, desde aquele empate com o Goias. Ganhamos o Campeonato Brasileiro com sorte, e convenhamos um pouco de corpo mole do Grêmio e do Corinthians. E nos iludimos, por que somos Flamengo. O problema é que agora chegamos ao fundo de um poço de vergonha. Não vencer um time fraco como Caracas, talvez mais fraco que qualquer time pequeno do Campeonato Carioca, é algo preocupante. O Botafogo, no último domingo nos respeitou mais, pois entrou em campo combativo desde o começo. O time do Caracas apenas ocupou os espaços de apatia deixados por nós em campo.

Não sei se precisamos de um novo técnico.

Andrade é meu idolo. Eu daria tudo para apertar a mão um dia na minha vida, mas ele fez várias mudanças erradas no time em jogos consecutivos; hesitou todos esses jogos em colocar o Pet; insistiu em jogadores medíocres como Juan, Kleberson e Toró; armou um esquema defensivo com 3 cabeças de área - com Angelin no comando. Cometeu um pecado tático nisso tudo com a falta de treino com falta combatividade de marcação homem a homem – parece que todos os adversários jogam contra cones, e o segundo gol do Caracas mostra isso. A finalizações inconclusas de ontem, com Adriano, Leo Moura e Love chutando bolas certas para fora, mostra bem meu argumento. Não sei se chegaria ao ponto de pedir sua saída, pois acho que ele é apenas um técnico conservador.

Entretanto, Certamente precisamos de um diretor de futebol competente e discreto, que tenha mais diálogo com o técnico.

Tudo que se viu até agora, foi exatamente o contrário, de imposições veladas contra Pet, a leniencia com Adriano, Love e o Comando da Chatuba. Por isso não concordo com as opiniões amenizadoras. Cabeças devem rolar. E muitas. No mundo do trabalho é assim, não rendeu, rua. Estou convencido que time com muitos astros, e outros que pensam sê-los, não é necessariamente um time bom – vários times europeus provam isso. O Flamengo não é um time bom é apenas um time com algumas estrelas - o melhor que tivemos nos ultimos 15 anos -, mas provou ser um time medíocre sob a égide de do Império de Adriano – um exemplo e homem e atleta medíocre e incompetente, que merece sair da história do Flamengo pela porta dos fundos e apenas ser esquecido. Um time aborrecido e com mesma ênfase dramática de um Montanha Mágica.

Faço um apelo para meus amigos flamenguistas que tenhamos um pouco de dignidade hoje e NãO TORÇAMOS PARA NENHUM TIME LATINO, pois passar provaria nossa insistência no mito de Asteya.

BBB79


Assisti a esse filme pela primeira vez há pelo menos 20 anos atrás e não me lembro bem por que razão não gostara. Ontem, revendo-o percebi que esse filme é ótimo. Quando assisti pela primeira vez, a Amazônia, ao contrário, já não era mais uma promessa e a Beth Faria já perdera a majestade para se não me engano a Gretchen ou a Sandra Brea, uma dessas aí. Ou seja, um filme datado. Além do mais, sempre quando se conversa ou se lê sobre filme brasileiro com alguém mais PhD. O cidadão vai falar da “questão” da Identidade “a nível de” Nação, e todas essas coisas que não me interessam e que para ser sincero me desestimulam numa discussão sobre cinema. Mas hoje em dia isso não importa, pois o que empolga neste filme é o inventário econômico e cultural de um país onde a nota mais alta tinha um Floriano Peixoto estampado na cédula cor de barro e a Beth Faria ainda era com toda a justiça um símbolo sexual. O filme se centra nos artistas mambembe da Caravana Rolidei e em sua peregrinação pelas fronteiras do norte e nordeste do país.

As fronteiras são claras entre um país tão imenso que praticamente não dialoga entre si. As fronteiras culturais são mais impressionantes ainda, pois com a advento da televisão a cultura levada pela Caravana praticamente fica batida. Cacá Diegues fez realmente um filme ótimo com atores fantásticos. José Wilker está simplesmente absoluto em seu papel de empresário cultural, meio cafetão, meio aproveitador, meio oportunista, enfim, um empresário cultural com é maiúsculo. E o Fábio Júnior até que se sai muito bem no papel de sanfoneiro apaixonado pela Salomé, interpretada pela Beth Faria. Um momento Cinema Paradizo, e que Cinema Aspirinas e Urubus tentou reproduzir de maneira não muito eficiente, acontece nesse filme, quando o inigualável Joffre Soares, interpretando Zé da Luz , vai pelo sertão exibindo o Ebrio por um sertão sem audiência interessada. Uma cena que podia ter feito até chorar, mas que Cacá Diegues preferiu deixar assim crua.

Se você hoje em dia for assistir esse filme com cuidado, percebe que o diretor fez de cada take uma crítica social embutida, mas sem aquela militância chata de filmes propagandistas. No filme, a ditadura existe, mas não afeta a vida de milhões, índio bebe coca-cola e quer voar de avião, sertanejo assiste televisão e gosta do seu poder hipnotizante, os artistas são analfabetos - como o prórpio Lorde Cigano revela a certa altura -, e o Brasil se torna moderno mas é de um atraso só. E o prórpio enredo é bem contado com uma estória de amor entre o Sanfoneiro e Salomé sem romantismo barato e sem idealismos de fanfarra. Filme clássico que, com o respeito ao tempo que sedimenta um monte de preconceitos, vale a pena ser revisto.

Efemérides do primeiro de Abril!

Só um lembrete, a história corrige a direção do silêncio, não esse o silêncio da ausência de ruído, mas o da mudez do silêncio feito de vibrações que se anulam umas as outras como quando da balbúrdia de gente nos ecos de um refeitório, onde apenas reparamos nas bocas que movem-se como aquelas dos tumultos íntimos dos mímicos, por esse mesmo silêncio pergunto, que espécie de perstígio podem exercer sobre nós túrbidos homens como o udenista Auro Moura, 46 anos atrás? 

Não espanta em nada a  satisfação do udenista Auro Moura ao declarar vaga a cadeira da Presidência da República, vindo de quem vem, logo ele, um homem que ainda jovem participa da rebelião de 32 e que mais tarde seria um dos organizadores da TFP, e que mais tarde ainda, quando o esmalte dos números do relógio que contava seu tempo já descascara, e quando os milicos já se sentiam confortáveis baixando o sarrafo na malta de comunistas, esquerdistas, sociedade civil  & afins, ironicamente, quando ainda o relógio continuava movendo os ponteiros num tempo quando os esmalte dos números
descascados já não importava,  os próprios imerecidos militares trataram de jogá-lo merecidamente para escanteio primeiro como embaixador na Espanha de Franco e mais tarde como aspone no Bando de Desenvolvimento de São Paulo. Ou seja, existem lugares onde ser golpista  dá certo
historicamente


Aterro


Ultimos meses, falta de tempo absoluta que impõe ao blog uma espécie de silêncio estagnado. Mas. Fim de Semana em NYC. Casa de amigos. Evidentemente, como o tempo é curto para se ver tudo que se quer, quase nos deixamos levar pela pressa da cidade com seus taxistas em suas ansiedades dos javalis. Mas o que nos salva é que algumas ruas mostram ainda uma paz de roça, onde alguns vizinhos se conhecem, os cachorros fazem seu cocô tranquilos, e quase se pode ouvir um velho ofegante do outro lado da calçada a tossir com seus pulmões cheios de lodo.

No MoMA, um dos meus interesses numa cidade de muitos abismos, ao entrar, não consigo disfarçar minha cara de beduíno pasmado olhando para cima. Por absoluta falta de tempo, ainda não visitara o museu desde sua reforma. A arquitetura é magnífica, moderna, imponente, quadriculada, ampla, luminosa, um espetáculo por si só a ser adulado. Detalhe importante. Esse amigo tem um providencial membership do museu, o que nos permite entrar sem pagar e entrar sem filas. Me senti mais feliz que jogador de futebol em camarote do Sambódromo.

Por motivos de força maior, fui obrigado a voltar 3 vezes na exibição de Tim Burton. Eu ainda avisei pro cidadão que ele ia sonhar com aquelas porcarias, mas ele quis por que quis assistir aquele espetáculo de monstros psicodélicos. Conclusão, com quase cinco anos, tremendo homem feito, diz que sonhou com o monstro da boca grande e fez xixi na cama.

Infelizmente, por motivos de meltdown relacionados mais uma vez ao Burton, não consegui assitir com a atenção que eu queria a exibição de Picasso. Picasso: Themes and Variations. Eram mais de cem trabalhos entre xilos, carvão, aquarela que já estiveram parcialmente numa exibição da Aliança Francesa do Rio - no século passado. No MoMA havia alguns visíveis estudos das suas fases azul e rosa. Um deles, como nesse aqui abaixo, vê-se o acrobata, um dos personagens do quadro da Família de Saltimbacos da coleção da National Gallery of Art, e que no quadro aparece sem uma perna. Outras litogravuras lembram muito outros quadros famosos de Picasso, como uma série de estudos, onde o traço lembra muito o clássico Guernica, presente no Reina Sofia. Enfim, o que esperar de uma tarde de sábado num dos museus mais frequentados do mundo. O universo só podia conspirar, num museu abarrotado de gente falando alto e ciscando mais que galinhas em trovoada.

Para concluir, o que mais me espantou na imensa instalação da inflacionada artista Marina Abramovic´ -  uma artista que está por meses sentada por horas do dia a fio em sua instalação sem se mover para nada - não foi o conceito de que entreouvi um casal, desses  inteligentespracaramba, mas sim o tamanho de seu nariz. Uma coisa impressionante que me faz a cada dia implicar mais e mais não com pessoas de narinas grandes, mas  com essa idéia de arte-instalação -  a arte dos pulhas.

Já com comichão nas pálpebras cansadas, demos uma parada na Pasticceria Bruno perto do Village, numa padaria bonita, dessas de gente bacana, que vende tudo quanto é doce colorido -  e que tem aquela gente que dá aquelas risadinha elegantes e faz pose enquanto o café esfria -  mas que no fim das contas, não vende pão na chapa.

Música do dia. Feeling Good - Nina Simone, again.

ó pá, Camões puraqui!

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía. 
 
 
 
ó pá, aqui quem fala é o homem do ríd espíquer, 
sou de além-mar e queria dizer que esta voz com este 
sotaque luso não é do Camões e muito menos do
Chico!

José Mindlin

Nunca tive a oportunidade de conhecer a José Mindlin, apesar de conhecer bem dois de seus amigos e  uma meia dúzia de seus conhecidos - que já visitaram, ou pesquisaram em sua biblioteca. Sem dúvida, José Mindlin foi um cidadão brasileiro raro. Pelo que meus amigos, chefes  e ex-chefes contam, o homem era uma espécie rara de brasileiro que combinava traços dimetrais facilmente discerníveis da natureza dos homens de sua classe social e de sua naturalidade. Foi uma espécie de self-made man, dono da Metal Leve,  fato que por si só não empolgaria em nada nossos critérios indolentes de julgamento, pois destes exitem aos montes. Mas se destacava no mundo da cultura não apenas  se tratar de um homem lido e discretíssimo, mas por seu extraordinário espírito filantrópico - este sim, raríssimo em seu meio empresarial brasileiro. Pelos idos de 2001, tive a felicidade de ser contemplado por uma bolsa da Fundação Vitae para fazer uma pesquisa. Devo à Vitae e indiretamente a Mindlin por isso. Certamente, visitarei sua biblioteca e sentarei, nem que seja por uma tarde, para ler ao menos algum trecho do Varnhagen.

The White Ribbon - A Fita Branca

Minha implicância com Haneke terminou ontem, domingo de carnaval, mais ou menos pelas sete da noite, pois The White Ribbon é uma contribuição crítica  importante para o cinema. Cumpre ainda acrescentar que este é um ótimo filme sobre gente da roça. Não se enganem, é um filme surpeendentemente linear onde o narrador, um professor de escola primária numa fictícia vila de Eichwald, narra, em suas memórias distantes, fatos ocorridos entre julho de 1913 e agosto de 1914, quando uma cadeia de acontecimentos violentos sacode a rotina de um povoado pacífico de forma aparentemente incompreensível. Aparentemente incompreensível e misteriosa até mesmo para o narrador, que adverte o público desde o começo que desconhecimento das razões e causas exatas daqueles eventos permenecerão envoltas por uma cortina de fumaça para sempre.

A vila é regida por um barão e um pastor, que determinam os destinos do universo público e privado de praticamente todos na cidade.  O puritanismo protestante é uma máxima em seus mais precisos detalhes. O médico trata da vila com dedicação. E as crianças vivem nesse universo lúdico...

Mas isso é apenas a superfície. Por ordem de bizarrices que acontecem na tentativa de mostrar o obscurantismo das formas e da vida rural, Haneke retrata o Barão que rege a vila, composta basicamente por forasteiros, com metaforicamente uma mão invisível porém pesada como o ferro. Para auxiliá-lo há a figura espiritual do pastor, um homem austero, que é responsável pela confirmação religiosa da rapazeada púbere da vila. Para preservar a pureza dessas moças e moços, é amarrada uma fita branca em seus braços como exemplo de sua diafaneidade. Quando o filho do pastor, por exemplo,  revela ao pai que realiza sobre trabalhos manuais, diríamos, onanísticos, o pai não apenas passa-lhe não um sermão sobre olhos que caem, pulmões que se infiltram de líquido e almas que padecem de castigos eternos, como o humilha verbalmente levando-o às lágrimas  por sua fraqueza moral e o castiga de maneira brutal surrando-o e amarrando-lhe as mãos todas as noites antes de dormir. Isso tudo, apenas na casa do pastor. Vejamos o médico: homem bom, viúvo, pai de dois filhos que trata as crianças da vila com amor e carinho, e que tem a ajuda de uma mulher que cuida das crianças e eventualmente trata de algum resfolego mais urgente do doutor. Essa também é apenas a superfície. Nos recônditos, o pai trata a empregada de maneira imprópria, sempre que pode humilhando-a, violentando-a fisica e verbalmente; abusa sexualmente da filha e tem uma relação ditanciada e fria com o filho menor.

A série de acontecimentos misterioso iniciam-se com um acidente. Um fio é amarrado entre duas árvores e o médico e sua montaria são gravemente feridos. Segue-se: nas festividades anuais, enquanto o bom barão abre a celebração regada a àlcool e comida, alguém vai até a plantação de repolhos do barão e a destrói, bem como rapta o seu filho e o espanca até a exaustão. Em virtude de tais acontecimentos, a babá do menino, Eva, é despedida por negligência. Sem ter a quem recorrer, parte para na casa do professor que a leva no dia seguinte à sua casa.

Nesse meio tempo, em meio a estupros, violações de menores, incestos, violência sobre os fracos e o rigorismo autoritário da moral protestante, há outras cenas mais chocantes. Sim. O filme está apenas no meio!

Uma outra série de eventos não necessariamente conectados ocorre. O estábulo do barão é incendiado criminalmente. O filho excepcional da empregada da casa do médico é violentado, amarrado a uma àrvore no bosque e tem seus olhos vazados. A empregada, desesperada, pede a bicicleta do professor emprestada pois afirma ter provas sobre a autoria da barbaridade com seu filho. A esta altura o professor já está totalmente envolvido emocionalmente com Eva – para a casa da qual se dirigia no momento de ser interpelado. Aos poucos o jovem vai ligando alguns fatos e levanta suspeitas sobre os filhos do pastor como os responsáveis pelo enfraquecimento espiritual da vila, ou seja, desconfia que os adolescentes estariam por trás da violação da criança. O pastor sabe que as acusações do professor podem ter um fundo de verdade, pois sua filha deixa seu pássaro de estimação morto com uma tesoura cravada no meio de sua escrivaninha. Entretanto, simula-se insultadíssimo, e adverte o professor que se ousasse uma vez mais acusar a algum de seus filhos seria obrigado a tomar medidas extremas que visassem seu afastamento – no caso o professor e narrador da estória, que jamais retornaria a Eichwald por questões não necessariamente relacionadas à suas acusações. E este grande filme termina no mesmo tempo do assassinato do arqueduque Francisco Ferdinando, conectando, com alguma pretensão do cineasta,  um fato histórico com elementos ficcionais que poderiam guardar as chaves de explicações históricas sobre o porvir.

O filme em si é muito bem editado. Os cortes são tão cirurgicamente precisos que sustentam até o fim o enredo de indagações sem respostas. Haneke foi muito elegante ao deixar de fora as imagens violentas e apelativas. O cara evoluiu – esqueça o Sétimo Continente, filme realmente lamentável em sua carreira  bem como o pretencioso The Piano Teacher  - desde 71 Fragments of a Chronology of Chance. Entretanto, em seu Crepúsculo dos Deuses pessoal (ou em sua mistura de crônica material de Ovo da Serpente com o universo histórico de O Jovem Torless) Haneke propõe alguns pontos controversos e até mesmo pretenciosos. Haneke desfaz a velha dicotomia entre um provincialismo viciado no rigor moral protestante cercado de pessoas mesquinhas, hipócritas e medíocres, com um universalismo de propósitos interpretativos um tanto deficiente do ponto de vista histórico. A opção é intencional pois este é um filme não apenas para críticos e cinéfilos, mas alimentando-se das mais variadas correntes de pensamento, procura um público amplo e compreensivo. Algumas vezes a concentração nessas miudezas formais, e outros bizantismos de abrandamento do fosso que separa o campo e a cidade, inverte a ordem interpretativa corrente e talvez de difícil contestação de que a Banalidade do Mal, esta mesma que condescede com o sofrimento, a tortura e a própria prática  do  mal  é um fenômeno anterior ao Fenômeno de Massas. Haneke evoluiu, mas eu ainda tenho sérias dúvidas sobre suas teses costuradas com os fios do maniqueísmo pelas beiras. Afinal, preciso muito mais do que imagens e um enredo bem amarrado para ser convencido de duas coisas. Primeiro, que o Mal é executado por pessoas normais. Segundo, que há uma distância imensa entre o Anschluss, o Nacional Socialismo e as práticas de manipulação política dos fenômenos de Massas.


Poema do dia:
A Cana-de-Açúcar Menina


A cana-de-açúcar, tão pura,
se recusa, viva, a estar nua:


desde cedo, saias folhudas
milvestem-lhe a perna andaluza.


E tão andaluza em si mesma
que cresce promíscua e honesta;

cresce em noviça, sem carinhos,
sem flores, cantos, passarinhos.  

Escola de Facas. João Cabral de Melo Neto 

Snowmageddon

Num dia assim. Como diria Lênin, Que fazer? Logicamente, assistir Tristan und Isolde: umas quatro horas garantidas...e olha que eu só assiti até o fim do segundo ato, quando Melot, melhor amigo de Tristão, lhe desfere - presumo que por questões paralelas - umas espadadas mortais no bucho quando o vê abraçado a Isolda . [amanhã:  terceiro ato]


A traveler, by the faithful hond,
Half-buried in the snow was found.
H. G. Longfellow

O Fla-Flu surgiu quarenta minutos antes do nada

Corria o ano de 1911. Vejam vocês: — 1911! O bigode do kaiser estava, então, em plena vigência; Mata-Hari, com um seio só, ateava paixões e suicídios; e as mulheres, aqui e alhures, usavam umas ancas imensas e intransportáveis. Aliás, diga-se de passagem: — é impossível não ter uma funda nostalgia dos quadris anteriores à Primeira Grande Guerra. Uma menina de catorze anos para atravessar uma porta tinha que se pôr de perfil. Convenhamos: — grande época! grande época! Pois bem. Foi em 1911, tempo dos cabelos compridos e dos espartilhos, das valsas em primeira audição e do busto unilateral de Mata-Hari, que nasceu o Flamengo. * Em tempo retifico: — nasceu a seção terrestre do Flamengo. De fato, o clube de regatas já existia, já começava a tecer a sua camoniana tradição náutica. Em 1911, aconteceu uma briga no Fluminense Discute daqui, dali, e é possível que tenha havido tapa, nome feio, o diabo. Conclusão: — cindiu-se o Fluminense e a dissidência, ainda esbravejante, ainda ululante, foi fundar, no Flamengo de regatas, o Flamengo de futebol. Naquele tempo tudo era diferente. Por exemplo: — a torcida tinha uma ênfase, uma grandiloqüência de ópera. E acontecia esta coisa sublime: — quando havia um gol, as mulheres rolavam em ataques. Eis o que empobrece liricamente o futebol atual: — a inexistência do histerismo feminino. Difícil, muito difícil, achar-se uma torcedora histérica. Por sua vez, os homens torciam como espanhóis de anedota. E os jogadores? Ah, os jogadores! A bola tinha uma importância relativa ou nula. Quantas vezes o craque esquecia a pelota e saía em frente, ceifando, dizimando, assassinando canelas, rins, tórax e baços adversários? Hoje, o homem está muito desvirilizado e já não aceita a ferocidade dos velhos tempos. Mas raciocinemos: — em 1911, ninguém bebia um copo d’água sem paixão. Passou-se. E o Flamengo joga, hoje, com a mesma alma de 1911. Admite, é claro, as convenções disciplinares que o futebol moderno exige. Mas o comportamento interior, a gana, a garra, o élan são perfeitamente inatuais. Essa fixação no tempo explica a tremenda força rubro-negra. Note-se: — não se trata de um fenômeno apenas do jogador. Mas do torcedor também. Aliás, time e torcida completam-se numa integração definitiva. O adepto de qualquer outro clube recebe um gol, uma derrota, com uma tristeza maior ou menor, que não afeta as raízes do ser. O torcedor rubronegro, não. Se entra um gol adversário, ele se crispa, ele arqueja, ele vidra os olhos, ele agoniza, ele sangra como um césar apunhalado. Também é de 911, da mentalidade anterior à Primeira Grande Guerra, o amor às cores do clube. Para qualquer um, a camisa vale tanto quanto uma gravata. Não para o Flamengo. Para o Flamengo, a camisa é tudo. Já tem acontecido várias vezes o seguinte: — quando o time não dá nada, a camisa é içada, desfraldada, por invisíveis mãos. Adversários, juizes, bandeirinhas tremem então, intimidados, acovardados, batidos. Há de chegar talvez o dia em que o Flamengo não precisará de jogadores, nem de técnicos, nem de nada. Bastará a camisa, aberta no arco. E, diante do furor impotente do adversário, a camisa rubro-negra será uma bastilha inexpugnável.
[FLAMENGO SESSENTÃO Manchete Esportiva, 26/11/1955 .Nelson Rodrigues. A Sombra das Chuteiras Imortais]

O rio que passou...

O poeta Moacyr Luz lançou um livro fundamental. Não chega ao Nobel, mas é um desses livros tal como Minutos de Sabedoria. Abre numa página por dia, e apenas deixe-se tocar pela  Luz.



Certa vez, numa entrevista, o jornalista faz uma pergunta filosófica ao ilustrador deste livro: Onde queres ser enterrado? Ele prontamente vira-se e responde. Quero ser cremado e que minhas cinzas sejam espalhadas por todos os bares que passei. Um infeliz diz lá de trás: vai faltar cinza! O entrevistado prontamente responde, completa com  a de um cavalo velho.

Dica do grande Bruno Bastos.

Cherry Blossoms

A diretora Doris Dörrie aprendeu bem com o realismo italiano. Filme com criança, cachorro e velho sempre comove. Prova disso é que tudo junto e bem feito vira um clássico como Umberto D.. Cherry Blossom é um filme absolutamente comovente pois trata essencialmente da estória de amor entre Trudi e Rudi, ambos interpretados pelos impressionantes atores Hannelore Elsner e Elma Wepper. Melhor dizendo, o filme conta a estória de duas pessoas que dividem uma cama em comum por toda uma vida conhecendo-se apenas parcialmente. Pensamo que o filme começa quando Trudi descobre que seu marido, Rudi, sofre tem uma doença terminal. Ela decide não contar nada ao marido e fazer com que aquele homem metódico que pega diariamente o trem das 7:28 da manhã a estação de Weilheim para o trabalho, torne-se menos rígido e mais aberto aos ensinamentos que a vida possa lhe proporcionar. Rudi é duro. A princípio se recusa visitar os filhos. Preferia esperar mais um ano até se aposentar. No fundo, sabe que com o passar dos anos já não tem mais espaço na vida dos filhos: um deles, o mais novo Karl, vive em Tóquio, e os outros dois vivem em Berlim. O mais velho é casado e com dois filhos viciados em joguinhos eletrônicos. A do meio, Karolin é homosexual e cheia de estigmas apaziguados por sua companheira, a adorável Franzi . As suspeitas de Rudi sobre o descaso dos filhos se confirmam quando chega a casa dos filhos. Os velhos, nem tão velhos assim, se tornam um estorvo. Trudi tenta apaziguar o ambiente que nem chega a ser hostil. É pior. É apenas indiferente de ambas as partes. Assim o filme caminha por mais de 40 minutos. Pensei: Bomba. Tempo perdido.


(Este filme deve estar em cartaz longe se sua casa, num cineclube semi-falido e frequentado por gente do tipo inteligentepracarambacomóculosdearmaçãolaranja, portanto pare de ler agora, já que a título gracioso enchi o resumo de spoilers) 

Insisti. Ainda na casa dos filhos, Trudi tenta convencer o marido para que visitem o monte Fuji. Pede alto , mas apenas convence Rudi e ela que visitem o Báltico, lugar que nunca conheceram. Num desses dias, acontece algo inesperado que passa ser o ponto central da estoria. Com os filhos sem tempo nem paciência para os pais, Frenzi decide levar Trudi a uma apresentação de Butô - uma espécie de sonho e pequeno segredo que guarda em si. Rudi, duro, fica fora esperando e talvez pensando que aquela porcaria poderia terminar logo para irem ver a cidade. Trudi consegue ao menos ver uma performance de teatro Butô, que ela adora e Rudi não suporta. Dentro, Trudi e Frenzi se emocionam juntas com a apresentação. Na segunda viagem que ele aceita fazer com a mulher, ir a um hotel beira-mar no Báltico, acontece algo inseperado. Numa noite, após um sonho com uma dançarina mascarada de Butô, no hotel à beira do Báltico, Trudi morre. E neste momento o filme comeca.

A morte de Trudi torna Rudi um homem devastado pela perda e também por algo a meio caminho da culpa pela desatenção e pela solidão da viuvez. Ainda meio desorientado, chega a Tóquio para passar uns tempos com o filho. A vida num país onde não entende a língua e menos ainda os códigos, é difícil. Aliado a isso, o filho que trabalha muitas horas por dia, não tem tempo para o pai, que vive confinado num apartamento mínimo. Para não submergir no tédio e passar o tempo da melhor maneira possível, cozinha, limpa a casa, tenta fazer a vida do filho mais fácil, sem encontrar muita receptividade ou reciprocidade do rapaz. Rudi pouco pouco passa a deambular pela cidade como Ariadne, amarrando uns lenços em lugares estratégicos para saber o caminho de volta. Um momento emocionante é quando passa a usar as roupas da mulher na tentativa de mostrar-lhe o lugar onde sempre teve vontade de estar mas não pôde. Quando encontra Yu, uma artista de rua que executa Butô num parque cercado por cerejeiras, o homem seco e metódico se torna uma pessoa diferente que percebe aos poucos o quão estúpido foi por sua insensibilidade. Yu e Rudi mal conseguem se entender flaando um inglês pralá de sofrível. Mas o essencial sim, que é viuvo e que sente falta de sua mulher. Yu passa muitas horas do dia com Rudi. Leva-o para conhecer Tóquio, vê as fotos de Trudi caracterizada em Butô, almoçam juntos, passeiam e, religiosamente, no fim do dia ela o deixa na estação de trens para voltar para casa. Num desses retornos, Rudi decide não ir para casa e seguir Yu até sua casa, descobrindo que ela é uma espécie de mendiga, sem casa ou paradeiro.

Rudi dorme do lado de fora de sua barraca de camping, e é nesse dia então que decide acompanhá-lo a uma viagem ao Monte Fuji, o maior do Japão. Trudi revelara a Rudi, uma vez, que muito queria visitar a montanha. Yu decide acompanhá-lo. Instalados num hotel barato, ficaram vários dias esperando até que o Fuji ficasse visível por trás da névoa que o cobria. Numa noite de lua cheia, finalmente, o desejo de Trudi se concretiza. No meio da noite, Rudi se maquia, veste as roupas de Butô da mulher, sai do quarto que Yu e ele dividiam e vai até a beira do lago Kawaguchi. Encena passos alguns passos de Butô, cai e morre.

A grande, grande, grande sacada, dentre as muitas sacadas deste filme é o contraponto entre o encontro de Rudi com Yu sob um parque de cerejeiras, que somente floram por uma ou duas semanas no início da primavera, e o fim de tudo em frente ao monte Fuji: A esperança que sente ao encontrar Yu sob um jardim de cerejeiras, justamente as flores chamadas como “símbolos da impermanência,” e a morte frente a permanencia rochosa e monumental da montanha. Cidadãoquevaiescrevertese, pensa bem se não é isso?

O filme podia ter acabado ai, deixando esse tom sentimental no ar. Mas Doris Dörrie que aprendeu bem com o realismo italiano, deu um drible de classe no espectador emotivo acostumado com o neorealismo italiano. Corta e continua em Weilheim. Ultima cena. Após o enterro, os filhos se reunem ao redor de uma mesa e comentam o segredo que deveriam manter: a vergonha de ter um pai morto, num quarto de hotel do Japão, com uma jovem de 21 anos, e vestido de mulher. Pensando bem, um final ótimo. Essa Doris Dörrie é pessoa que causa constrangimento no meio cinematográfico, pois pensa bem, se a Sofia Coppola gastou 4 milhões de dólares para fazer uma bomba de filme sobre o Japão chamado Lost in Translation, e essa moça faz um filme ótimo - com atores conhecidos apenas na Bavária, cheios de contrapontos entre sensibilidade e imagens cruas - , quem no final das contas tem razão sobre essa ilusão que é o cinema?
Música do dia: Blue Alert. Madeleine Peyroux
http://www.youtube.com/watch?v=QMJMsIaRYDQ


The Squid and the Whale

Tanto se fala do filme que envolve Lula, acabei assitindo um bom filme chamado The Squid and the Whale. Em meados de 1980, Bernard, professor universitário e supostamente um escritor brilhante, é casado com Joan. O casal tem dois filhos Walt, um adolescente, e Frank, recém chegado na puberdade. É uma típica família de classe média urbana americana. Os pais eloquentes, dialógicos, lidos... e os filhos com os mesmos problemas de todos os filhos adolescentes. Ou seja, tudo vai mais ou menos bem, tudo é mais ou menos sublimado, até que Joan decide se separar de Frank.

Recapitulando, vai mais ou menos bem, tudo é mais ou menos sublimado, até que Joan decide se tornar escritora e passa a adquirir relativo sucesso, enquanto Bernard amarga o posto de Creative Writting Professor num College. Bernard não suporta o sucesso da mulher e para acabar de entornar o caldo, Joan passa a sair com vários vizinhos e amigos – sem obviamente Bernard saber.

O roteiro é excelente. A composição que dá voz a cada um dos personagens. Sendo assim, a princípio, o filho mais velho é quem mais ou menos quem encarna as desilusões de todos com o Bernard. A princípio, Bernard era o modelo de pai para o filho, intelectual, snob, racional e ponderado. Na briga dos pais é Walt quem fica do lado do pai, enquanto para Frank Bernard ainda é a imagem de Creonte. Gradualmente, com a convivência, este vai se dando conta que o pai é uma pessoa mesquinha, ciumenta e egosísta. A descoberta é dolorosa para o rapaz e acontece de maneira inusitada. Para o pequeno Frank as coisas tampouco são boas. O menino começa a beber e a presenciar cenas da mãe com o namorado, seu professor de tênis. 

Walt compõe músicas e toca violão. A canção que ele compõe para sua apresentação na escola , descobre-se depois, que é Roger Waters. Plágio e puritanismo não combinam mesmo em Manhattan. A farsa é descoberta e a orientadora educacional o encaminha a um terapista, achando que o rapaz anda mal da cabeça. Nesse meio tempo o pai, acaba se envolvendo com uma de suas estudantes, pela qual Walt também tem uma queda – chegando a deixar a namoradinha na esperança de que a namorada do pai lhe desse uma chance. Na frente do analista, Walt não está muito a fim de falar. O analista insiste. Walt conta uma estória sem pé nem cabeça sobre uma visita com sua mãe ao Museu de História Natural, quando ele tinha seis anos. No Museu havia uma enorme baleia devorando uma lula gigante. Contando a estória Walt se dá conta de que era a mãe que sempre estava com ele e consequententemente se dá conta de algo mais problemático que era a eterna ausência de um pai que ao sempre racionalizar cada passo de sua família acabou criando filhos sem muita conexão com o mundo. Se dá conta da  ausência paterna em momentos fundamentais de sua vida. O analista não entende nada da estória,  e só Walt e cada espectador do filme se dão conta do ápice da estória. A partir deste momento, Walt passa a encarar o pai com outros olhos e tudo piora quando pega Bernard forçando uma barra com a aluninha. Enfim, um filme bom com uma estória e roteiro bem amarrados. Eh filme que vale a pena ser assistido, pois fala de separação, ciúmes, filhos, guarda de filhos, recomeços e todas as mesquinharias que afloram na separação, mas sem as velhas conclusões pré-fabricadas.  Pois no fundo, a grande sacada deste drama-comédia se centra na idéia de que  mesmo que Bernad e Joan tenham se separado, não significa que nada deu certo Joan, Bernard,Walt e Frank.

A propósito, a dupla de direção e produção Noah Baumbach e Wes Anderson ainda vai dar muito o que falar. Só para citar dois filmes que a dupla tocou: The Royal Tenenbaums e The Life Aquatic with Steve Zissou. The Squid and the Whale chegou a ser indicado para o Oscar de melhor roteiro. Mas era 2006, ano de Little Miss Sunshine, e ficou imbatíble.

Aliás, hoje é dia de Fellini de quem falo pouco, pois do sagrado é melhor mantê-lo. Se vivo, faria 90 anos.
Música do dia. La Strada. Nino Rota

Hedda Gabler

Hedda Gabler é mais uma das geniais peças de Ibsen que retrata a vida doméstica ao redor de famílias com mais esqueletos a esconder que closets a comportá-los. Hedda, a protagonista, é gente fina, moça de família boa, filha de um general aristocrata. Tudo bem, reconheço, a moça, casada com Jorgen Tesman, tem a cabeça meio fraca e fica claro desde o início que ela não o ama, continuando casada apenas por algum motivo relacionado a uma gravidez – ou por um compromisso moral decorrente de uma gravidez perdida, algo assim. Há uma diferença bastante sutil entre a peça escrita e a versão televisiva que assiti com Ingrid Bergman no papel de Hedda. A versão de 1963 que assisti sofreu algumas modificações pois Ingrid Bergman, ainda que exuberante, já estava com quase cinquenta (trema ou não) anos. Assim, a versão original de Hedda e Jorgen recém casados sofreu alterações significativas.

Tesman é um acadêmico que apesar de frágil e submisso, mantém boas relações em seu meio acadêmico. Isso abre as portas mas não o resgata de sua mediocridade e falta de talento. Ambiciona um passo adiante ao enquadramento da escrita monográfica, mas o que consegue é apenas o favorecimento pessoal no seu meio viciado  e corporativo graças a sua boa relação com o juiz Brack, velho amigo da família. Casada com um banana, Hedda Gabler vive num vazio sem fim até que o retorno de Ejlert Lovborg  a Oslo, traz esperanças a sua vida e um certo tormento para a vida do casal. As recentes publicações de Lovborg trazem-lhe sucesso e prestígio. Parte deste sucesso se deve a Thea Elvsted, amiga dos tempos de escola de Hedda. Thea havia deixado seu marido para viver com Lovborg e o estigma de divorciada a tornava mais obstinada na procura pela perfeição de seu amante, por isso além de ser sua mais competente e crítica revisora, é a mulher que maternalmente mantém Ejlert na linha.O retorno de Ejlert Lovborg traz um duplo tormento ao casal pois por um lado, tudo sugere que  Ejlert e Hedda haviam sido amantes -  peça sugere que isso ocorrera após o casamento de Hedda com Jorgen -, e por outro, Ejlert com suas publicações passa a ser um competidor natural de Jorgen pela vaga de professor universitário, que já contava como garantida até a chegada daquele.  Hedda, como já dito, é fraca das idéias, inconstante, irascível, mas não é tola. Está ciente de que caso o marido não consiga a vaga, não poderá manter a vida confortável e estável que o marido proporciona. Conhecendo a queda de Ejlert pela birita e ciumenta da relação deste com Thea, convida-os para a um “chá”. Papo vai papo vem, estão presentes Thea, Jorgen, e o juiz Brack.Thea exalta as qualidades dos manuscritos e os chama a produção intelectual conjunta, como a concepção de um filho. Pintando um clima entre Ejlert e Hedda, esta enciumada da influência de Thea na produção de Ejlert, provoca-o a provar seu amor e relembrar o passado tomando uma dose, dessas que não fariam mal a ninguém caso não fosse Lovborg um ex-alcoólatra. Hedda ainda exerce  ascendência sobre Ejlert Lovborg  e sabe que na mesma noite ele iria apresentar seu manuscrito numa reunião com os amigos. Conclusão: Ejlert Lovborg perde o prumo, enfia o pé na jaca, enche a cara, perde o manuscrito no meio da sala  e fecha a noite indo parar no bordel da cidade. Ibsen é dramaturgo que não se contenta com a ruína moral e psicológica de seus personagens, pois caso fosse, daria-se por satisfeitíssimo em expor a degradação moral de Ejlert na frente do juiz Brack – peso importante na decisão da vaga universtária. Mas, Ibsen opta pela tormenta.Ejlert Lovborg, aparece no dia seguinte na casa dos Tesman derrotado e resignado. Ainda numa àgua de dar dó, pensa que perdera os manuscritos, sem saber que Jorgen Tesman os encontrara e os mostrara a Hedda. Esta por sua vez mantém o segredo e em vez de os devolvê-los a Ejlert, não apenas  entrega-lhe uma das armas herdadas pela família, como reenforça a falta de sentido que seria viver naquele universo de derrota, sem a vaga universitária, sem a publicação que transformaria sua vida , e sem o amor de sua vida, no caso, ela mesma Hedda Gabler. Ele parte. Ela queima os manuscritos.

O final… Assita a peça.

Recentemente, Karl Erik Schollhammer da PUC do Rio de Janeiro, organizou um livro interessante sobre o impacto da obra de Ibsen no Brasil. Alguns artigos mostram o peso e o impacto das primeiras montagens de Hedda Gabler no Brasil retratando a protagonista ora como uma Minerva vingativa, ora como uma das primeiras protagonistas representantes do feminismo. Na primeira montagem brasileira de 1907, Eleonora Duse encara o papel de Hedda no Teatro Lírico na rua da Guarda Velha - atual Avenida 13 de Maio. Havia uma série de fatores que faziam de Ibsen persona non grata no ambiente intelequituau do Rio de Janeiro. No fundo o que fica claro é que podiam vir as atrizes italianas que fossem, encenar os clássicos que fossem,  o público carioca gostava mesmo é da opereta que adaptava Rigolettos e Mme. Butterflies para a solução fácil da vida cotidiana. Montadores e diretores modificavam as cenas que ferissem os costumes. Críticos queriam peças com princípio meio e fim e de preferência que criasse estereótipos de fácil assimilação. Uma dessas críticas ferozes à obra de Ibsen vinha de outro dramaturgo, Artur Azevedo. Para Azevedo, a abundância de diálogos, no final, por exemplo, de Casa de Bonecas – montada em 1899, no Rio de Janeiro -, criava dificuldade de assimilação para o público. Evidentemente, que o criador de personagens memoráveis como o fazendeiro mineiro Eusébio, pai da moça enganada que sai do mundo ingênuo rural para o imoral e corrompido mundo urbano do Rio de Janeiro ( e de outros personagens que atendiam pelo nome de “o proprietário,” “o gerente,” Lola,  a família do interior de Minas que chega a A Capital Federal a procura do rapaz que prometera casamento à filha...), é ainda hoje é lembrado e encenado pela profundidade de sua obra. Enquanto esse tal de Ibsen deve amargar algum panteão de literatos imortais lá naquele cafundó do Judas que é aquela Noruega, terra de exportadores de bacalhau e maus dramaturgos.Em seu brilhantismo crítico, um outro crítico, o republicano histórico Alfredo Pujol, põe os pingos nos is!  Hedda Gabler não passa de uma desequilibrada [sic], uma delinquente capaz de desestruturar lares [sic]. Os personagens e Ibsen são degenerados mentais [sic], histéricos [sic], dementes senis [sic], e essas tristes enfermidades da vida conteporânea, mais cedo ou mais tarde comprometeriam o público [sic]...



Tudo bem, eram tempos de Spencer, Sarcey, do Naturalismo e até de um certamente condenável mas presente eugenismo nas formas de ver o mundo, mas tanta confiança no próprio valor nacional e na infalibilidade das regras importadas de um Taine e de um Comte, fez com que os críticos expusessem seu exagerado cheiro de mofo.