FIM DE TARDE no fiM dO mUnDO

FIM DE TARDE EM LISBOA


O meu quarto
é um aquário
e eu um peixe
para o choupo
que me vê
do outro lado
dos vidros
da janela
As sombras
do choupo
e o Sol38
de Junho
são mãos
a dizer-me
adeus
A luz
e o rumor
do vento
nos choupos
são borboletas
brancas
É feriado
10 de junho
e Corpo de Deus
Vou ler
Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico
de Orlando Ribeiro
acabei de ler
Não matem o bebé
de Kenzaburo Oé
São 18h18
estão 26º C
no meu quarto
Já começou
a refrescar
De manhã
em Santa Isabel
foi dia
de primeiras comunhões
Calhou-me
quase uma migalha
de hóstia
havia
muita gente.


Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira precisava de um pseudônimo, então, um acadêmico de nome Miguel, inventou dois nomes Adília e Venceslau. Uma Lopes. Outro Passinas. O Passinhas, ela achou meio ridículo, o Venceslau, idem. Adília Silvério foi supostamente uma atleta, lançadora de pesos que foi até para uma olimpíada em priscos anos. A anedota era contada por Adília sem revelar o porquê de se dar a batizar por alguém, um tal Tamen, com alguma influência nos modos de pensar e sentir associados a uma certa posição social e ascendência acadêmica. Assumia assim o formato barroco, labiríntico e prosaico da repetição de idéias e algumas frases dentro de um mesmo poema. Com uma poesia peculiar que autocitava todo o tempo Maria José com franqueza, Adília Lopes virou poeta. 


Lola Ridge, Mooney and Sacco e Vanzetti

 


Rosto de Pedra


Eles te esculpiram em um rosto de pedra, Tom Mooney,

    Você, lá erguido alto na Califórnia

Sobre a agua salgada do Pacífico,

    Com seus olhos chorando... em muitas línguas,

Incitando, inúmeros

    Olhos das multidões,

Sujeitando neles todas as esperanças, medos, perseguições,

Eternamente se esforçando em uma direção.

Mesmo nos jornais de domingo, e seu rosto macerado como um punho rompido,

Os olhos têm um brilho transfixado como se tivessem vislumbrado

alguma visão e ali ferido Empalado como em uma lança brilhante.



Muito espumou da boca em você, muito

E disparatadas assinaturas estão rabiscadas em seu rosto de pedra

Em que todos tocaram com seus dedos, para dizer quem te fez durante anos

Para balbuciar como as ondas balbuciam nas pedras... você, um homem

 rude,

Educado rudemente, casualmente carregado

Por uma multidão de Primeiro de Maio em São Francisco,

Para ser lançado fora da massa cinzenta - terrivelmente gestada,

 fervilhando sem carater,

E criado com torção para a identidade.


Agora eles — que descreveram você claramente, com Sacco e o peixeiro (*),

Na onda dos pergaminho da República —

Olham para cima, com uma irritação confusa, para seu rosto fechado,

Exposto à vista de todos sob o vasto

Olhar das gerações — para ficar

Abatido ao nascer do sol, quando a Prisão de San Quentin

Capitular e suas costelas de aço

Alimento para a ferrugem... e o Governador Rolph²

Não passar de mero grão de poeira entre os arquivos.


* Bartolomeu Vanzetti, condenado a morte em Massachusetts em 1921, e executado em 1927, era peixeiro de profissão


Lola Ridge 


Rose Emily Ridge foi uma poeta irlandesa que adotou o nome Lola Ridge. Teve uma existência combativa e uma biografia que beirou o infortúnio. Apos a morte do pai, aos três anos de idade, emigou para Nova Zelandia com a mãe, onde casou-se em 1895 com Peter Webster,  um dono de uma mina de ouro, e com quem teve um filho. O Casamento durou pouco mais de sete anos. Arrumou a malas, pegou o filho de 3 anos e se mandou para Sidney estudar arte. De la pegou a mãe, entregou o filho para adoção e rumou para Nova Iorque. Na cena novaiorquina, já com 34 anos, como todo o poeta, fez de tudo um pouco, trampando em trabalhos mal remunerados seja nas linhas de produção de fábricas, seja em restaurantes, ou como modelo vivo, para descolar algum extra, num ambiente de extrema pobreza e trabalho duro por muitas horas, ao qual imigrantes eram submetidos. E são. 


Apesar de nunca ter militado especificamente em nenhum movimento politico, sua poesia sempre foi marcada pelo envolvimento constante com os movimentos anarquistas e feministas do início do século XX, com a  descrição empática das massas urbanas e comunidades de imigrantes da América, cerrando fileiras contra as execuções de Sacco e Vanzetti em 1927, tendo sido inclusive presa por isso. Na década de 1930, ela apoiou a defesa de Tom Mooney e Warren Billings, que foram incriminados por um atentado a bomba em 1916 na Parada do Dia da Preparação, um movimento que protestava contra a entrada dosUsa na Primeira Guerra,  em San Francisco.Também foi  editora de livros de vanguarda, feministas, e publicações marxistas. Ela é mais conhecida por seus longos poemas e sequências poéticas, publicados em inúmeras revistas e reunidos em cinco livros de poesia.

As longas estradas vazias, Fogos sombrios do pôr do sol, desaparecendo, O céu eterno e indiferente - Willa Cather

 Prairie Spring


Evening and the flat land,

Rich and sombre and always silent;

The miles of fresh-plowed soil,

Heavy and black, full of strength and harshness;

The growing wheat, the growing weeds,

The toiling horses, the tired men; 

The long empty roads, 

Sullen fires of sunset, fading, 

The eternal, unresponsive sky. 

Against all this, Youth, 

Flaming like the wild roses, 

Singing like the larks over the plowed fields, 

Flashing like a star out of the twilight; 

Youth with its insupportable sweetness, 

Its fierce necessity, Its sharp desire, 

Singing and singing, 

Out of the lips of silence,

Out of the earthy dusk.



Pradaria Vernal


O entardecer e a terra plana,

Rico e sombria, sempre silenciosos;

Os quilômetros de solo recém-arado,

Pesado e negro, cheio de força e aspereza; 

O trigo em crescimento, o mato em crescimento, 

Os cavalos labutando, os homens cansados; 

As longas estradas vazias, 

Fogos sombrios do pôr do sol, desaparecendo, 

O céu eterno e indiferente. 

Contra tudo isso, Juventude, 

Flamejante como as rosas selvagens, 

Cantando como as cotovias sobre os campos arados, 

Brilhando como uma estrela no crepúsculo; 

Juventude com sua doçura insuportável, 

Sua necessidade feroz, 

Seu desejo agudo, 

Cantando e cantando, 

Ausente dos lábios do silêncio,

Ausente do crepúsculo terrestre.

Melhores leituras de 2024, segundo o Mundo de K

 



Uma honra ter ficado entre os melhores livros de 2024, nas leituras do meu amigo Alexandre Kovacs, leitor voraz e bibliófilo, a quem conheço por mais de 20 anos...


"Francisco Rogido - Náufragos do Escolho

Literatura brasileira contemporânea
Francisco Rogido - Náufragos do Escolho (Ou os 98 infernos possíveis, 63 takes, dois jogos de armar e algumas armas mortais) - Editora 7Letras - 196 Páginas - Capa e ilustrações: Lula Palomanes - Lançamento: 2023.

O título desta coletânea de contos de Francisco Rogido é apropriado porque os personagens se assemelham realmente a náufragos, perdidos e perdedores na vida, ousando nascer no lugar e no momento errados; gente simples que sobrevive a cada novo dia e em todo lugar à nossa volta sem nem mesmo percebermos. Para esses homens e mulheres, resta apenas a teimosa persistência na busca de uma felicidade possível em meio à pobreza, violência e falta de perspectivas de um cotidiano digno nos grandes centros urbanos. Apesar de tudo, notamos os rastros de uma humanidade difusa que permeia todas as narrativas, afinal, "não há ninguém que não seja estranho a si mesmo", como nos lembra a epígrafe certeira ao citar Nietzsche.

Esses traços de humanidade podem estar presentes nos protagonistas mais improváveis, como no ótimo "5x7", cuja narrativa é conduzida por um cachorro do além, relembrando momentos de sua convivência pregressa com alguns humanos, nem tão humanos assim, diga-se de passagem. Este mesmo cachorro volta a ser citado em "...dente por dente", estratégia utilizada pelo autor ao conectar personagens em diferentes contos, estabelecendo assim uma estrutura fragmentada em forma de quebra-cabeças que renova o interesse na leitura, caso da cuidadora Cecília, protagonista em "Planta exótica em solo frívolo" e que, contudo, participa também como uma personagem secundária em "Cenários de uma gênese" e "O homem que virou suco".

"Janela de terceiro andar, com luz acesa, às duas e quarenta e cinco da manhã, num conjunto habitacional de subúrbio, é uma coisa muito rara de se ver. Principalmente se é de uma segunda para uma terça-feira. Dá para ver do outro lado da linha do trem que naquela janela tem alguém com insonia. O que aquele passageiro do Uber não sabe é que Cecília já se revirou na cama várias vezes, ajeitou o travesseiro, tentou de tudo, suspirou não como náufraga submersa por embalagens de comprimidos, olhou para o lado, deitou de bruços, de barriga para cima, e pensar que chegou às onze da noite da faculdade, cruzou as mãos no peito, fechou os olhos, cataplasmas, chás medicinais e orações ao Divino Espírito Santo, tipo morta, e nesse instante os intestinos de gatos no cio começam a chiar do lado de fora. Agora, não ia dormir mesmo. Nesse instante Cecília aproveita para se levantar e vai até à janela. Olha para a linha do trem, para a luz dos postes, para os carros estacionados lá embaixo, para a rua vazia. É uma noite sem estrelas. Quente. Respira fundo e pensa com resignação que em duas horas tem que acordar, pegar um trem e um ônibus cheios para ir trabalhar do outro lado da cidade. Uma brisa leva lentamente dois sacos plásticos. [...]" (p. 18) - Trecho do conto Planta exótica em solo frívolo

Mesmo seguindo referências literárias famosas tais como Julio Cortázar e Augusto Monterosso, assim como citações a clássicos do cinema de diretores como Alfred Hitchcock, Jim Jarmusch e Robert Altman, o autor consegue manter um estilo próprio e original que se caracteriza por uma linguagem direta, sem floreios, e uma condução narrativa extremamente visual que surpreende pela segurança em experimentar, sem menosprezar a inteligência do leitor, exemplo no conto "Números" com sua hilária protagonista idosa e sagaz ao descrever um típico dia de sábado na pracinha local, certamente tem uma praça assim bem próximo à sua casa: "malandro junto com trabalhador", onde "a merda dos vira-latas fica aí, misturada com as fezes dos pedigrees". 

"A pracinha está calma, na verdade está mais para uma rotunda que para uma praça; hoje é o dia do presente, tudo bem normal na vida humana em suas insignificâncias; bom dia... bom dia dona Ana Neri, enfermeira heroína da Guerra do Paraguai, te picharam de novo! Sim... Somente eu devo saber disso no meio dessa praça infecta, sim, hoje é sábado, olha aí, casa cheia, malandro junto com trabalhador, olha lá no boteco, da esquina que nunca fecha, ainda os resquícios daqueles homens vazios, resquícios da sexta, movimento perpétuo, porque hoje é sábado, amanhã é domingo, hoje dia de feira e tem gente à beça, gente a dar de pau, tipo as moscas de Monterroso; xadrez, ronda, dominó, carteado à vera, nas mesas de cimento, a merda dos vira-latas fica aí, misturada com as fezes dos pedigrees. E esses velhos babões, cruz-credo, deus me livre, alimentando pombos; olha lá o Pastor... Pastor à paisana parado na frente de um poste, pensa que ninguém vê, anúncios de 'Juma, Mulher' e 'Verônica Travesti, superativa', as babás cuidando dos filhos-de-alguém, cuidadoras cuidando dos pais de alguém; sim, manhã amena, tudo bem normal, ó tudo doido para descolar algum, os craquelados acordando com fome, olha ali, daqui a pouco começam a pedir dinheiro, puxam até caco de vidro, tudo por causa de uma pedrinha, já até deixo 10 merréis separados na bolsa, tudo em moedinha, documento, tudo xerox, celular esse do mais baratinhos mesmo, aí vem um eu dou, vem outro dou, assim eles vão te conhecendo, mas sabe que eu gosto daqui... Cenário perfeito... [...]" (pp. 37-8) - Trecho do conto Números

No conto "Amar é..." um lutador de MMA brasileiro enfrenta a luta da sua vida em Las Vegas mas, no decorrer do combate, as lembranças do relacionamento com Rute podem comprometer o seu desempenho no ringue. Já em "Os falsos profetas", um pequeno papel distribuído na Central do Brasil oferece os serviços da Vovó Margarida do Amor que garante a volta da pessoa amada e ainda uma defumação completa, incluída no preço da consulta, para abrir os caminhos. Assim tem início a saga de João para reconquistar a mulher que termina com uma caixa de bombons recheados com um estranho licor. "Náufragos do Escolho" comprova a força da literatura brasileira contemporânea que se renova nesse conjunto de contos perturbadores.

"PRIMEIRO ROUND. Ali dentro éramos três. Eu, ele e Deus contra nós dois. O russo mastigava o protetor com a boca aberta como um cachorro que não larga o osso. Espalhava os braços, acenava para o pessoal, socava o ar e dava uns saltinhos igual a uma bicha, como se estivesse me desafiando. Como se estivesse dizendo: 'tá vendo seu merda, eles me adoram e você está sozinho'. Eu estava cansado e puto da vida. Na noite anterior a vaca da Rute resolveu brigar e revirar um monte de coisas da minha vida, do passado, sabendo que a luta era hoje. Eu saí do hotel e fiquei andando um tempão por Las Vegas, pensando no tempo em que eu ficava na entrada do Home Depot esperando o trampo do dia, ou lavando prato, lavando carro, todo molhado e tossindo sem parar. Nem dormi pensando que eu tinha vindo pra esse inferno cheio de luz ardendo na minha vista por causa dela, pra juntar um dinheiro e voltar. Eu olhei pra ele e fiquei com medo, dele e de mim, pois no momento que começasse a quebrar aquela cara branca com meu soco eu não ia parar. Sei lá, eu tinha uma coisa meio animal que até me dava medo." (p. 180) - Trecho do conto Amar é...

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Francisco Rogido nasceu no Rio de Janeiro em 1972. É mestre em História, escritor e tradutor. Trabalhou por alguns anos como tradutor do projeto Biblioteca Digital Mundial (WDL) da Biblioteca do Congresso/Unesco em Washington D.C. Teve contos publicados em sites literários portugueses como Pnet Literatura, na Revista Cult (Brasil), Agália (Espanha), e Revista da Faculdade de Letras de O Porto, E-Fabulações. Os contos reunidos em Náufragos do escolho ficaram entre os dez finalistas do Prêmio Latino-Americano de Literatura Jovem da Aliança Francesa de São Paulo-Brasil/2008.

Onde encontrar o livroClique aqui para comprar Náufragos do Escolho de Francisco Rogido"