Kafka e o confinamento horizontal

Certo dia, ao acordar após sonhos estranhos, Gregor Samsa viu-se na sua cama, metamorfoseado num monstruoso inseto. Mas, Gregor é vocacional, não se preocupa com sua transformação, e sim com o fato de estar atrasado para o trabalho.

 

Chega ao trabalho e sem se dar conta de seu aspecto meio escroto, Gregor, após muitas dificuldades, consegue abrir a porta do local. Todos se assustam, inclusive o gerente, que sai correndo. Samsa avança em direção a ele, forçando-o a entrar de volta no escritório. Após esse episódio, Gregor é demitido. Demitido nessas circunstâncias com esse aspecto, sua família o rejeita e sua única alternativa é o confinamento social HORIZONTAL. Entendeu?

 

A partir daí, Gregor, que sem conseguir fazer nada, ouve sua família discutindo aos berros como vão fazer para se sustentar a casa. Agora, tinham uma renda a menos na casa, e como pagariam a educação dos filhos, as aulas de violino da menina…

 

A propósito, em alguns momentos de seu drama, a irmã mostra certa compaixão por ele levando uma comida, e tal.

 




Nisso, Gregor sente uma forte angústia por não poder fazer nada, nem opinar sobre o que fazer. A família compadecida com a falta de espaço do quarto, retira os móveis, mas na operação de retirada, Samsa tenta fugir, no que é impedido pelo pai que lhe atira uma série de maçãs.

 

No final das contas os Samsa, (sem contar com a opinião de Gregor, claro) decidem sublocar  um quarto para complementar a renda. O quarto é alugado por três inquilinos, que vivem na casa por um tempo. Num certo dia, Ana esquece a porta, que ligava a sala ao quarto de Gregor, aberta.

 

Justo na hora da jantar, Greta tocava o seu violino para os inquilinos. Gregor, do seu quarto, ouve inebriado o som e segue em direção à sala de jantar. Nos primeiros momentos, ninguém o percebe, mas após alguns segundos um dos inquilinos o vê e grita de pavor.

Sr. Samsa tenta afastar os inquilinos de modo que não vejam o inseto e ao mesmo tempo fazer com que a criatura volte para o seu quarto.

 

Depois desse incidente, Greta, a única que ainda via Gregor com certa compassividade e não como um monstro horroroso que atormentava a sua família, perde toda a compaixão e chega à conclusão que eles devem se livrar dele.

 

Kafka ainda fala várias vezes sobre a maçã, atirada pelo pai, e encravada nas costas de Gregor, que vai apodrecendo gradualmente em suas costas.

 

Depois é o que se sabe. O personagem de Kafka, confinado HORIZONTALMENTE não tem de se levantar cedo para ir trabalhar, continua vivendo confinado no seu quarto,  deitado no canto mais escuro e convencido de que se transformara em algo muito diferente de um homem. Como se recusa comer, acaba morrendo, com o corpo exaurido e seco, encontrado pela dona diarista.

 

Após sua morte, a família sente um grande alívio. Ana acabar de limpar o quarto do falecido, a família sai da casa feliz. Já não pensavam na morte de Gregor e viam uma certa esperança num futuro próximo, em que poderiam comprar uma casa mais confortável.

 

Os três períodos da relação da família perante Gregor são sintomáticos. No primeiro, a família sente medo mas deixa-o ali pela na casa; no segundo aceita-o, mas esconde-o do mundo; já no terceiro, odeia-o, vê ele como um peso desnecessário e quer livrar-se dele a qualquer custo.

 

Nesse momento político meta-pós-apocalíptico-carnavalesco-pandêmico brasileiro(!) em que não há nem esquerda combativa, nem oposição coerente, nem imprensa confiável, nem Supremo imparcial, nem Legislativo  mínimamente ético, nem porra nenhuma, o meio social degradado gera uma consciência social igualmente degradada. Posso até estar enganado, mas esse nosso nazifascisminho moreno que se apossou de um meio social totalmente degradado é um falso axioma por que o raciocínio do fascista moreno é todo baseado em falsas verdades.  Formado por uma tropa de choque vinda de um lumpesinato, bastante semelhante às milícias militares de baixa patente e segmentos fanatizados de cultos religiosos, sem falar na classe média temerosa de seu empobrecimento e rancorosa em seus preconceitos temos hoje uma família Samsa muito unida. O único problema, é que o inseto que apodrece no quarto somos nós, os que não foram e nem querem se incluir. 


2 comentários:

Anônimo disse...

A situação desse (novo)Gregor, um "Gregor Samsa da Silva" ou "Gregor Samsa de Souza" é definitivamente CLAUSTROFÓBICA. Vivendo num quarto, num casebre, num barraco ou em uma cela!
E assim como Joseph K. esse Gregor tupi morrerá esperando um amigo, uma boa alma, alguém que
queira ajudar, esperando ainda o auxílio. Morrerá esperando pelo juiz que ele nunca viu e pelo alto tribunal que ele nunca alcançou.
"Como um cão!"

Chico disse...

Grande Rodrigo, eu concordo. Hoje, mais que nunca, precisamos das metáforas. Kafka e O teatro do absurdo perdem para o Brasil, hoje.