Matarás teu pai, de quem odeias o braço hercúleo. Profanarás o íntimo colo da tua mãe, de quem arrancarás o útero. Devorarás o próximo, embora a fome não te roa o estômago. Gargalharás e dançarás sobre os ossos do patriarca cuja desgraça maior terá sido a de ter gerado - a ti, filho das trevas.
Nota: Por falar em Moçambique e em Nós Gordios, o Ednodio Quintero é um escritor venezuelano muito pouco conhecido no Brasil. Nasceu em Las Mesitas (Trujillo), um lugar nos cafundós dos judas dos Andes venezulanos. Tem uma penca de livros publicados. Tem uma penca de frases de efeito - - como esta acima - - espalhadas em contos que andam com um pé fora outro dentro do chamado realismo mágico.
Nota 2: Nunca ouvi falar do cidadão que segura o livro de Ednodio, na foto acima. Lembro-me apenas que quando eu servia mesas num café de Port Bou, encontrei um caderno de apontamentos com letra miúda e frases sem sentido algum. O caderno pertencia a este senhor aí da foto, que o esquecera sobre a mesa. Lembro bem, jamais poderia esquecer daquele rosto, apesar de que à época ser mais magro e ter mais cabelos. Neste dia, minutos antes, ele conversava com um senhor bem mais velho que ele, com entradas bem vincadas no couro cabeludo e de quem apenas sei seu nome, Marcel Duchamps, pelo cartão de crédito do Banco BBV usado para pagar a conta de dois cafés e duas doses de Domecq Carlos I Imperial. Havia um título nas páginas do caderno: Laberinto de Odradeks. E na terceira página do caderno, à minha frente, ao lado do nome Ednodio, atravessado por um risco, há o nome de Hermann Kromberg.
Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
Who's Camus Anyway
Filme Who’s Camus Anyway é um filme surpreendente. Retrata a dinâmica de uma comunidade de jovens que vivem da árdua tarefa de fazer cinema. O filme se passa nos últimos cinco dias de filmagem que o grupo de estudantes universitários – orientados por um professor - leva adiante. A estória filmada trata de um estudante que é levado a assassinar uma velha pelo simples prazer de matar. A referência implícita a Raskolnikov passa por nossas cabeças, evidentemente, mas não deixa muitas raízes por não importar a estória contada em si, mas a preparação de toda a produção em torno ao filme.
O diretor Mitsuo Anagimachi mostrou sem dúvida o totem de uma experiência insular única que combina nuances das pequenas perversidades da vida acadêmica com a experiência individual dos que trabalham na industria cinematográfica. As experiências individuais acabam interferindo na dinâmica do filme. Matsukawa é um jovem diretor que respira cinema, mas sua doce e sufocante namorada, que não entende nada de cinema, apenas se preocupa com uma coisa: casar. Ele se nega, pois só se casaria depois de realizar uma grande obra. Yukari, a namorada obsessiva, diz que se o pegar com outra mulher o mata, e chega a aventar a hipótese de colocar seu esperma num banco – e ele diga-se de passagem aceita com a condição de que ela lhe dê o dinheiro para comprar um Final Cut Pro, um desses softwares de edição da vida. Os companheiros de filmagem não levam a relação a sério, primeiro por que vêem Matsukawa não como um exemplo maior de fidelidade, e segundo por que enxergam a Yukari como uma cópia xerox de Isabelle Adjani em The Story of Adele H.. O professor Najako, que presta orientação aos pupilos, é um personagem à parte. Fascinado por uma jovem estudante, a quem vê passar todos os dias, é apelidado de Aschenbach pelos alunos, o personagem de Morte em Veneza. Aliás o professor, em sua crise da meia idade, protagoniza uma cena da tão ou mais humilhante que a vivida por Aschenbach no filme de Visconti. Sabendo que um de seus estudantes pendurados por nota, é amigo da menina, manipula para que o rapaz propicie um almoço entre os dois, professor e aluna. No final do almoço, após ser sutilmente humilhado pelo casal – que sugere inclusive um ménage à trois, desde que pudessem ganahar uma bolsa de estudos para Paris - , volta para seu escritório dá pra beber.
O filme nos mostra como um filme de baixo orçamento é feito. Tudo começa pelo orçamento, pela seleção dos atores, pelo set mais barato de filmagem, pelo cenário mais barato...enfim, começa não da estória em si, mas das limitações materiais impostas à produção. É como passar a assistir filmes com essa dimensão que nos daria uma noção muito mais real de como se faz cinema – e que os americanos inverteram em nossas cabeças.
O diretor Mitsuo Anagimachi mostrou sem dúvida o totem de uma experiência insular única que combina nuances das pequenas perversidades da vida acadêmica com a experiência individual dos que trabalham na industria cinematográfica. As experiências individuais acabam interferindo na dinâmica do filme. Matsukawa é um jovem diretor que respira cinema, mas sua doce e sufocante namorada, que não entende nada de cinema, apenas se preocupa com uma coisa: casar. Ele se nega, pois só se casaria depois de realizar uma grande obra. Yukari, a namorada obsessiva, diz que se o pegar com outra mulher o mata, e chega a aventar a hipótese de colocar seu esperma num banco – e ele diga-se de passagem aceita com a condição de que ela lhe dê o dinheiro para comprar um Final Cut Pro, um desses softwares de edição da vida. Os companheiros de filmagem não levam a relação a sério, primeiro por que vêem Matsukawa não como um exemplo maior de fidelidade, e segundo por que enxergam a Yukari como uma cópia xerox de Isabelle Adjani em The Story of Adele H.. O professor Najako, que presta orientação aos pupilos, é um personagem à parte. Fascinado por uma jovem estudante, a quem vê passar todos os dias, é apelidado de Aschenbach pelos alunos, o personagem de Morte em Veneza. Aliás o professor, em sua crise da meia idade, protagoniza uma cena da tão ou mais humilhante que a vivida por Aschenbach no filme de Visconti. Sabendo que um de seus estudantes pendurados por nota, é amigo da menina, manipula para que o rapaz propicie um almoço entre os dois, professor e aluna. No final do almoço, após ser sutilmente humilhado pelo casal – que sugere inclusive um ménage à trois, desde que pudessem ganahar uma bolsa de estudos para Paris - , volta para seu escritório dá pra beber.
O filme nos mostra como um filme de baixo orçamento é feito. Tudo começa pelo orçamento, pela seleção dos atores, pelo set mais barato de filmagem, pelo cenário mais barato...enfim, começa não da estória em si, mas das limitações materiais impostas à produção. É como passar a assistir filmes com essa dimensão que nos daria uma noção muito mais real de como se faz cinema – e que os americanos inverteram em nossas cabeças.
Cada cena do filme parece ter sido pensada cuidadosamente, de forma que nunca se sabe ao certo se uma sequência que começa é do filme em si ou do filme sobre o filme. A própria trilha sonora, dando contorno e impacto a determinadas cenas mais dramáticas, foi capaz de evidenciar o cunho emocional de determiandas cenas. No fundo, as estórias que se imbricam umas com as outras e com a própria estória do filme a ser filmado tornam todo o filme de Mitsuo Anagimachi uma grande tapeçaria de Robert Altman. O hiperrealismo do estranho é de grande importância, por exemplo no impacto emocional causado no protagonista após cada cena em que se entrega de corpo e alma ao papel do personagem encarnado, arriscando perder todo o senso de realidade – coisa pra lá de Stanislavski! É como se os personagens do filme - e do filme filmado – só pudessem sentir a partir do princípio que regia a razão de Meursault, a partir apenas de uma realidade física em si. Daí que nas últimas impressionantes sequências do filme, já não se sabe se estamos assistindo a cena final do filme filmado ou do filme narrado. Por isso, muito bem sacadaa última cena, onde todo o cast limpa o sangue do tapete da sala....
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