É curioso que o livro de Luis Peixoto sobre um tal cemitério de pianos me tenha sido dado a ler, faz pouco tempo, pelo meu chapa Carlos Quiroga. Ao contrário de outros, Carlos, em Santiago, parece não querer interferir nos nossos pensamentos. No máximo sugere. Ele mais funcionava como um amigo mais velhom, sem ceder à vaidade acadêmica de conduzir as opiniões. Com total despretensão, está sempre disposto a ouvir uma frase que um de nós tente construir, de modo a deixá-la fluir e captar-lhe dialética a simplicidade sucinta. No último papo que tivemos pelas ruas molhadas de Santiago, ele me presenteou o livro do Luis Peixoto. Disse-me apenas que era para ser lido com atenção. Achei por bem seguir seu conselho. Não me arrependi.
O cemitério de pianos é uma sala fechada dentro de uma carpintaria em Benfica. Um local onde descansam pianos e memórias de vários tipos, e de onde sairão as peças de reposição para que outros pianos sejam restaurados.
Ao redor do cemitério giram várias gerações de Lázaros. Francisco é o nome do pai e do filho. O filho corredor que vem a falecer na Olimpíada de Estocolmo de 1912. O pai, um restaurador de pianos, um homem austero, impassível, rígido, que tem o fantasma de um cigano a rondar sua casa, sua vida, seus próprios fantasmas e sua mulher. A narrativa confunde – a propósito, diga-se de passagem - a história do seu neto, que perde o pai no dia do nascimento e a história do seu filho Francisco Lázaro, corredor da maratona dos Jogos Olímpicos de 1912 (onde falece no decorrer da mesma), e dos seus outros três filhos, Marta, Maria e Simão. A saga de Francisco Lázaro e seu sofrimento ao longo da maratona que o levaria à morte é o leitmotif para narrar a história das filhas do patriarca, dos genros, dos netos que vivem num equilíbrio frágil, permeado pelo adultério, e que pode ser rompido a qualquer momento. Sobre esse contexto é narrado o cotidiano das relações familiares com o traço luminoso da vivência diária de várias gerações.
Usando das idas e vindas na história, da narração fragmentada – bem ao gosto pós-moderno -, do tema da morte, Peixoto, ao contrário do que se esperaria, não aponta para um fim. Com seus fragmentos, costura mais uma síntese que uma ruptura concentrando-se na quase banalidade do cotidiano. E a estratégia que usa para costurá-la está na voz que dá aos vários personagens que se reconstroem uns nos outros. Peixoto é hábil ao dar voz a cada personagem. A capacidade de narrar os fatos sob uma perspectiva plausível e dando um diferente ponto de vista para sua própria história, tendo denominador comum o amor idealizado por cada um deles aos Lázaros, pai e filho. Esse mesmo cotidiano é permeado pelos extremos da monotonia de uma terça-feira e dos ruídos familiares de uma manhã de domingo, com a família na casa, as crianças a correr e a matriarca a cozinhar. Tal como no neo-realismo italiano, ou melhor dizendo, numa tomada de Visconti, os acontecimentos narrados pelo Peixoto dosam o silêncio e a sonoridade de um piano. Dosam a delicadeza, por onde se equilibra, e a mecânica com que, muitas vezes, é conduzida uma relação familiar.
Um trecho...
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nem sequer impossível. A verdade, como o silêncio, existe apenas onde não estou. O silêncio existe por trás das palavras que se animam no seu interior, que se combatem, se destroem e qye, nessa luta, abrem rasgões de sangue dentro de mim. Quando penso, o silêncio existe fora daquilo que penso. Quando paro de pensar e me fixo, por exemplo, nas ruinas de uma casa, há vento que agita as pedras abandonadas deste lugar, ha vento que traz sons distantes e, então o silêncio existe nos momentos de pensamento. Intocado e intocável. Quando volto a meus pensamentos, o silêncio regressa a essa casa morta. É também aí, nessa ausência de mim que existe a verdade.
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o mais depressa que consigo, como se fugisse daquilo que mais me assusta, como se fosse possível fugir daquilo que levo no interior da minha pele e vai comigo para todos os lugares, corro
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Música do dia. Noturno no. 2 em E maior, Op. 9 no.2
Um comentário:
um óptimo livro
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