«La estatua ecuestre del general Francisco Franco que presidía el acceso principal de la Academia General Militar de Zaragoza se está retirando a lo largo de hoy, tal y como estaba previsto por el Ministerio de Defensa. Este departamento, ha convocado un concurso de ideas para instalar un nuevo monumento que recoja el papel de las Fuerzas Armadas en la Constitución Española.»
http://www.20minutos.es/noticia/147630/0/retiran/estatua/franco/
Contentemo-nos com a Ilusão da Semelhança, porém, em verdade lhe digo, senhor doutor, se me posso exprimir em estilo profético, que o interesse da vida onde sempre esteve foi nas diferenças,
Gibbon ri.
A vida aqui eh insuperavel. Nesta semana terminam duas das mais eletrizantes series da FOX. 24 e American Idol.
24 eh uma serie onde o protagonista, Jack Bauer, eh um heroi do estilo durao que trabalha para um treco chamado CTU - que ateh agora eu nao sei o que eh. Ele eh um desses caras que dao tiro a torto e a direito, de graca, torturam e matam sem piedade, com o objetivo unico de salvar a America de um grupo de terroristas - que geralmente podem ser russos comunistas comedores de criancas, chechenos independentistas, arabes barbeados ou chineses maoista-confucionistas. So para resumir o cara, luta, da pernada, da tiro com precisao, fala russo, aguenta as mais terriveis torturas de inimigos implacaveis pra caramba, e ainda por cima sai andando, com leves dores, como se apenas topasse na cadeira da sala. E isso tudo em 24 horas, sem nenhuma substancia alcaloide, que eh o tempo que ele tem para ser convencido pelo presidente que soh ele pode fazer o servico, recuperar a bomba atomica, salvar um parente, matar os terroristas, e no final beijar a moca e respirar aliviado de mais um dia de trabalho cumprido.
O American Idol eh um programa mais hardcore. Este eh um programa do tipo Miss Universo versao americana, so que os concorrentes em vez de mostrar seus atributos digamos fisicos, exibem suas vozes esganicadas, seu talento para diversos generos musicais e suas personalidades unicas - aquela que fara deles mais um idolo americano. Neste ano foram para a final um tal de Blake e uma tal de Jordan. Um deles sera o proximo idolo da America. Nesse ano teve ateh um Indu-descendente - o politicamente correto para os descendendes de indianos na America - que cantava mal, era feio, pintava o cabelo, tinha as olheiras e a magreza de onanista, mas fazia um sucesso danado com as adolescentes. Resumindo, o programa, que ja deve ter com certeza versao brasileira, eh constrangedor. Alias, tudo eh contrangedor. Desde os aspirantes a cantores com suas vozes agudas como o granir de javalis capados, ateh a presenca de Paula Abdul - lembra disso? Entao tenta esquecer - e a de um cara chamado Simon Cowell que eh uma versao mal acabada, do Carlos Imperial no Cassino do Chacrinha - e que por acaso foi um dos criadores dos Teletubes.
Enfim, se voces me permitem, eu prefiro nao falar mais nisso. Eh duro e constrangedor pra mim. Por que no fundo eu sinto vergonha. Vergonha pela versao vitrola-digital do Blake; pelo mau gosto dos trajes e o choro da Jordan ao abracar os perdedores; pelas plasticas mal acabadas da Paula Abdul e sua imagem meio drogada e decadente; pela violencia sociopata do Jack Bauer que so ele acha valida, enfim pelas minha noites de segundas-feiras que bem podiam ser perdidas na frente do Sundance Channel ou do TCM.
Gibbon devia estar certo, e agora ri....
24 eh uma serie onde o protagonista, Jack Bauer, eh um heroi do estilo durao que trabalha para um treco chamado CTU - que ateh agora eu nao sei o que eh. Ele eh um desses caras que dao tiro a torto e a direito, de graca, torturam e matam sem piedade, com o objetivo unico de salvar a America de um grupo de terroristas - que geralmente podem ser russos comunistas comedores de criancas, chechenos independentistas, arabes barbeados ou chineses maoista-confucionistas. So para resumir o cara, luta, da pernada, da tiro com precisao, fala russo, aguenta as mais terriveis torturas de inimigos implacaveis pra caramba, e ainda por cima sai andando, com leves dores, como se apenas topasse na cadeira da sala. E isso tudo em 24 horas, sem nenhuma substancia alcaloide, que eh o tempo que ele tem para ser convencido pelo presidente que soh ele pode fazer o servico, recuperar a bomba atomica, salvar um parente, matar os terroristas, e no final beijar a moca e respirar aliviado de mais um dia de trabalho cumprido.
O American Idol eh um programa mais hardcore. Este eh um programa do tipo Miss Universo versao americana, so que os concorrentes em vez de mostrar seus atributos digamos fisicos, exibem suas vozes esganicadas, seu talento para diversos generos musicais e suas personalidades unicas - aquela que fara deles mais um idolo americano. Neste ano foram para a final um tal de Blake e uma tal de Jordan. Um deles sera o proximo idolo da America. Nesse ano teve ateh um Indu-descendente - o politicamente correto para os descendendes de indianos na America - que cantava mal, era feio, pintava o cabelo, tinha as olheiras e a magreza de onanista, mas fazia um sucesso danado com as adolescentes. Resumindo, o programa, que ja deve ter com certeza versao brasileira, eh constrangedor. Alias, tudo eh contrangedor. Desde os aspirantes a cantores com suas vozes agudas como o granir de javalis capados, ateh a presenca de Paula Abdul - lembra disso? Entao tenta esquecer - e a de um cara chamado Simon Cowell que eh uma versao mal acabada, do Carlos Imperial no Cassino do Chacrinha - e que por acaso foi um dos criadores dos Teletubes.
Enfim, se voces me permitem, eu prefiro nao falar mais nisso. Eh duro e constrangedor pra mim. Por que no fundo eu sinto vergonha. Vergonha pela versao vitrola-digital do Blake; pelo mau gosto dos trajes e o choro da Jordan ao abracar os perdedores; pelas plasticas mal acabadas da Paula Abdul e sua imagem meio drogada e decadente; pela violencia sociopata do Jack Bauer que so ele acha valida, enfim pelas minha noites de segundas-feiras que bem podiam ser perdidas na frente do Sundance Channel ou do TCM.
Gibbon devia estar certo, e agora ri....
Peter Greenaway
O filme The Pillow Book do Peter Greenaway nao chega a ser uma obra prima, mas eh bem montado e com um roteiro redondinho. O filme baseia-se na historia de um livro pertencente a uma cortesa japonesa, Sei Shonagon, que viveu durante a dinastia Heian, la pelo seculo X. Nagiko, uma modelo japonesa, encontra o livro e isso desencadeia uma serie de emocoes na moca. A leitura do livro, o gosto por poesia e a procura de novas experiencias amorosas, levam a moca a procurar parceiros que embarquem em suas experiencias. E nao eh que ela encontra o cara certo que possa preencher sua ansia por poesia e sexo. Jerome eh um ingles, que por suas experiencias passadas acaba tendo problemas com o pai da moca.... o resto fica na memoria.
Esse eh um filme interessante, com uma bela fotografia. E eh realmente uma pena essa minha ignorancia sobre a cultura oriental. Se nao fosse assim, eu bem poderia entender um pouco mais do tanto de tudo que o Greenaway quis me dizer.
Video do filme de Peter Greenaway, Pillow Book. Pra mim eh um grande filme de um cara que so fui parar para prestar atencao agora.
Bento que bento é frade, na boca do lobo
http://degredados.blogspot.com/2007/05/senhor-perdoai-os.html
Musica do dia: Clara Nunes. A Deusa dos Orixas
Musica do dia: Clara Nunes. A Deusa dos Orixas
Sentença do Consorte
Voltei ao Dostoievski. Comprei a obra completa, há dois anos, que foi trazida do Brasil pelo meu chapa-xara, o erudito laico Chico Octavio. Deixei-a decantar na estante até outubro passado – por absoluta falta de tempo. Desde então já passaram pelo crivo O Jogador e Crime e Castigo. Mas não estou aqui para falar nem da obsessão de Raskolnikov ao matar não a usuraria mas todo um sistema, nem tampouco da frustração do jogador absorvido pelo o amor não correspondido e a sedução do ganho fácil no bacará e na roleta, e sim do Eterno Marido.
Muitos a consideram um obra menor. André Guide considera a obra curta mais bem acabada de Dostoievski. Acho que tendo a concordar que essa é uma obra-prima pela maestria como constroi a densidade psicológica dos personagens, que nos faz mudar de opinião o tempo todo. Essa cotina de fumaça criada pelo autor é um dos pontos altos do livro, pois num determinado momento pensamos que o eterno marido, Páviel Pávlovitch Trussótzki, é um pobre coitado, condenado a viver só pelo amor devotado a mulher morta, Natália Nassílievna. Noutro momento, pensamos que Aleksiéi Ivânovitch Vieltchâninov, ex-amante da mulher de Páviel Pávlovitch, é um crápula sem sentimentos.
Com o andar da carruagem vamos tendo a sensação de que as coisa não são bem assim... nem Páviel é um corno otário e manso como um bovino, nem Vieltchâninov é o crápula que pensávamos, nem Natália Nassílievna é a Madame Bovary, em versão russo-rodriguana.
A estória começa com o reencontro do dois, numa situação completamente inusitada pois Páviel ronda a casa de Vieltchâninov por vários dias, a procura de respostas, para se certificar de que ele era mesmo o amigo da família com quem convivera há dez anos passados. De posse de umas cartas de amor da viúva, acaba encontrando o paradeiro do suposto amante - que diga-se de passgem naotem a certeza de ser Vieltchâninov.
Entre as incertezas e os delirios de Páviel Pávlovitch Trussótzki, a trama acaba mais complexa pois Natália tivera uma filha, Lisa, logo depois de terminado o caso com Vieltchâninov. A questão de quem seria o pai verdadeiro de Lisa ronda a estória como um fantasma que não aparece mas que todos suspeitam estar naquela casa do passado. De quem seria a filha? De Trussótzki, a quem a menina sempre tratara como pai? De Vieltchâninov, que dera uma rápida e saíra fora? Ou de um terceiro personagem, um jovem militar -se nao me engano - , com quem Natália tivera um relacionamento depois que Vieltchâninov deixara aquela província?
Um toque de humor é dado pelo lado bufo alcoólatra e destemperado de Páviel Pávlovitch Trussótzki, um pouco caricaturado demais pelo autor. Acho que isso se deve a opção de Dostoievski em vê-lo e descrevê-lo sempre pelos olhos do amante como um homem incapaz de ter uma vida paralela, uma aventura, um romance, ja que Natália exercia sobre ele certa ascencência. Enfim, um homem incapaz de ter vida fora do casamento:
”Um homem assim nasce e desenvolve-se unicamente para se casar e para, depois do casamento, se tornar imediatamente num apêndice da sua mulher, mesmo no caso de ter um carácter individual incontestável. A principal característica deste marido é um enfeite bem conhecido. Não pode deixar de ser cornudo, do mesmo modo que o sol não pode deixar de ser brilhante, mas não só nunca sabe disso, como também, de acordo com as leis da própria natureza, é incapaz de sabê-lo.”
Chega a ser ironica a curiosidade de meu concunhado ao me ver com o livro nas maos na semana de seu casamento.... Ah... a familia...
Muitos a consideram um obra menor. André Guide considera a obra curta mais bem acabada de Dostoievski. Acho que tendo a concordar que essa é uma obra-prima pela maestria como constroi a densidade psicológica dos personagens, que nos faz mudar de opinião o tempo todo. Essa cotina de fumaça criada pelo autor é um dos pontos altos do livro, pois num determinado momento pensamos que o eterno marido, Páviel Pávlovitch Trussótzki, é um pobre coitado, condenado a viver só pelo amor devotado a mulher morta, Natália Nassílievna. Noutro momento, pensamos que Aleksiéi Ivânovitch Vieltchâninov, ex-amante da mulher de Páviel Pávlovitch, é um crápula sem sentimentos.
Com o andar da carruagem vamos tendo a sensação de que as coisa não são bem assim... nem Páviel é um corno otário e manso como um bovino, nem Vieltchâninov é o crápula que pensávamos, nem Natália Nassílievna é a Madame Bovary, em versão russo-rodriguana.
A estória começa com o reencontro do dois, numa situação completamente inusitada pois Páviel ronda a casa de Vieltchâninov por vários dias, a procura de respostas, para se certificar de que ele era mesmo o amigo da família com quem convivera há dez anos passados. De posse de umas cartas de amor da viúva, acaba encontrando o paradeiro do suposto amante - que diga-se de passgem naotem a certeza de ser Vieltchâninov.
Entre as incertezas e os delirios de Páviel Pávlovitch Trussótzki, a trama acaba mais complexa pois Natália tivera uma filha, Lisa, logo depois de terminado o caso com Vieltchâninov. A questão de quem seria o pai verdadeiro de Lisa ronda a estória como um fantasma que não aparece mas que todos suspeitam estar naquela casa do passado. De quem seria a filha? De Trussótzki, a quem a menina sempre tratara como pai? De Vieltchâninov, que dera uma rápida e saíra fora? Ou de um terceiro personagem, um jovem militar -se nao me engano - , com quem Natália tivera um relacionamento depois que Vieltchâninov deixara aquela província?
Um toque de humor é dado pelo lado bufo alcoólatra e destemperado de Páviel Pávlovitch Trussótzki, um pouco caricaturado demais pelo autor. Acho que isso se deve a opção de Dostoievski em vê-lo e descrevê-lo sempre pelos olhos do amante como um homem incapaz de ter uma vida paralela, uma aventura, um romance, ja que Natália exercia sobre ele certa ascencência. Enfim, um homem incapaz de ter vida fora do casamento:
”Um homem assim nasce e desenvolve-se unicamente para se casar e para, depois do casamento, se tornar imediatamente num apêndice da sua mulher, mesmo no caso de ter um carácter individual incontestável. A principal característica deste marido é um enfeite bem conhecido. Não pode deixar de ser cornudo, do mesmo modo que o sol não pode deixar de ser brilhante, mas não só nunca sabe disso, como também, de acordo com as leis da própria natureza, é incapaz de sabê-lo.”
Chega a ser ironica a curiosidade de meu concunhado ao me ver com o livro nas maos na semana de seu casamento.... Ah... a familia...
Imagem: Fritz Eichenberg (1901-1990)
Musica do dia: Concerto para Piano No. 3 de Rachmaninoff
Olho por olho
Olho por olho....
Dentes de ouro, sorriso suasório. Após juntar algum dinheiro em pedras e jóias com a lida do garimpo, parece que la pro Norte, Moacir decidiu partir. Sonhava em parar numa cidade pequena abrir um secos & molhados e levar Josefina consigo. O filho que levavam consigo fazia, ele, de conta que era seu. Os seus, de fato e de direito, providenciaria assim que sentassem praça. O cão, o destino do cão que seguia Moacir por toda a parte talvez nunca se venha a saber, talvez fosse melhor não perguntarmos qual será o destino do animal, ignaro e disperso por natureza, que vive apenas os dias sem um fio condutor que ligue seus acontecimentos cotidianos a um sentido da vida, que não aquele de seguir e proteger seu proprietário, se é que aí esteja o verdadeiro sentido da felicidade animal, o de não refletir sobre seus semelhantes seres, sobre a mudez das coisas, o sentidos presentes e ausentes, as origens, os fins, as razões, as margens das intenções, os desesperos dos gestos... Escolheram para viver, aquela pequena cidade de interior, com o busto do filho ilustre, igreja e prefeitura. Meio padaria, meio armarinho: vitrine com carnes boiando em caldos engordurados, salgados, ovos cozidos, restos de aguardente nos copos sobre balcão, mesa de totó, ovo rosa, maria-mole, mortadela pendurado, linhas de diversas cores, pipas coloridas, garrafas de cana penduradas, enlatados nas prateleiras que iam até o teto. Em poucas semanas os clientes já tinham caderno de fiados, e sem que Moacir percebesse os visitadores entravam pelos fundos do bar. Os comentários já se espelhavam pela cidade e à alcunha de forasteiro se agregou a de corno.
Quando descobre que é traído, na tarde em que buscaria os filhos na casa da cunhada, mas que por obra do acaso ou do azar, nesse caso, caminhando lado a lado em significado e infortúnio, retorna com a sensação, comprovada ao olhar a mesa de centro da sala, de que tinha esquecidos as chaves de casa, Moacir, trincando os molares de ouro, sorrateiro, escuta os ruídos no quarto, ouve os gemidos, risos. Recolhe suas lembranças em tudo que se desordena ao seu redor; aproveita um dos passeios matinais de Josefina à igreja e tranca o portão dos fundos, veda as janelas, trocas as fechaduras e envenena o cão estimado da casa, afeto da mulher. Os clientes estranharam a loja vazia no meio da manhã. Quando Josefina retorna, ele aplaca o coração partido, aqui significando estilhaços de um paraíso possível para sempre perdido, sentido fragmentário que o abandono do corpo exprime em juízos vingativos, reativos, violentos, que vão sendo cardados, fiados, tecidos dia-a-dia silenciosamente, mas que no caso de Moacir o golpe de asa negra do orgulho o impulsionou, intenção precedida de uma profunda dor na alma, a prende no quarto para sempre. Nunca mais se viu Josefina, as lendas eram muitas, dizem que ela criou fiapos de barba no queixo e no buço, a pele esverdeou de tanta escuridão e os olhos exoftálmicos denotavam avançado estado de miopia. Como não se teve mais notícias dizem que ela aceitou seu destino recluso. Uns elogiavam, outros condenavam a atitude de Moacir. O fato é que todas as noites antes de se deitar ao lado de Josefina, sentado aos pés da cama acendia uma vela na mesinha de cabeceira, rezava um Pai Nosso, uma Ave Maria, riscava o sinal-da-cruz sobre o peito e dormia o que lhe parecia ser o sono dos justos.
...dente por dente
Durante uns dois meses Moacir passou a sentir fortes engulhos. Semanas se passavam. Alguns diziam que era úlcera, outros chegaram até a desconfiar de tuberculose e deixaram de freqüentar a Mercearia de Moacir. Os filhos iam crescendo com a ausência da mãe, que recebia a comida por baixo da porta - os excrementos eram acumulados num barril no canto do quarto e recolhidos quinzenalmente. No fim do segundo ciclo lunar a quitanda foi aberta sem a presença de Moacir. A sombra de Josefina que reaparecia, após doze anos de reclusão, não se comparava com a exuberância daquela outra mulher do passado. Os corpos de Moacir e Estógio nunca foram encontrados na cidade. Mas, secretamente, Josefina passou a exibir um cordão de ouro onde o que chamava a atenção era o crucifixo de pedras esmeraldas, ladeados por dois caninos de cão.
Dentes de ouro, sorriso suasório. Após juntar algum dinheiro em pedras e jóias com a lida do garimpo, parece que la pro Norte, Moacir decidiu partir. Sonhava em parar numa cidade pequena abrir um secos & molhados e levar Josefina consigo. O filho que levavam consigo fazia, ele, de conta que era seu. Os seus, de fato e de direito, providenciaria assim que sentassem praça. O cão, o destino do cão que seguia Moacir por toda a parte talvez nunca se venha a saber, talvez fosse melhor não perguntarmos qual será o destino do animal, ignaro e disperso por natureza, que vive apenas os dias sem um fio condutor que ligue seus acontecimentos cotidianos a um sentido da vida, que não aquele de seguir e proteger seu proprietário, se é que aí esteja o verdadeiro sentido da felicidade animal, o de não refletir sobre seus semelhantes seres, sobre a mudez das coisas, o sentidos presentes e ausentes, as origens, os fins, as razões, as margens das intenções, os desesperos dos gestos... Escolheram para viver, aquela pequena cidade de interior, com o busto do filho ilustre, igreja e prefeitura. Meio padaria, meio armarinho: vitrine com carnes boiando em caldos engordurados, salgados, ovos cozidos, restos de aguardente nos copos sobre balcão, mesa de totó, ovo rosa, maria-mole, mortadela pendurado, linhas de diversas cores, pipas coloridas, garrafas de cana penduradas, enlatados nas prateleiras que iam até o teto. Em poucas semanas os clientes já tinham caderno de fiados, e sem que Moacir percebesse os visitadores entravam pelos fundos do bar. Os comentários já se espelhavam pela cidade e à alcunha de forasteiro se agregou a de corno.
Quando descobre que é traído, na tarde em que buscaria os filhos na casa da cunhada, mas que por obra do acaso ou do azar, nesse caso, caminhando lado a lado em significado e infortúnio, retorna com a sensação, comprovada ao olhar a mesa de centro da sala, de que tinha esquecidos as chaves de casa, Moacir, trincando os molares de ouro, sorrateiro, escuta os ruídos no quarto, ouve os gemidos, risos. Recolhe suas lembranças em tudo que se desordena ao seu redor; aproveita um dos passeios matinais de Josefina à igreja e tranca o portão dos fundos, veda as janelas, trocas as fechaduras e envenena o cão estimado da casa, afeto da mulher. Os clientes estranharam a loja vazia no meio da manhã. Quando Josefina retorna, ele aplaca o coração partido, aqui significando estilhaços de um paraíso possível para sempre perdido, sentido fragmentário que o abandono do corpo exprime em juízos vingativos, reativos, violentos, que vão sendo cardados, fiados, tecidos dia-a-dia silenciosamente, mas que no caso de Moacir o golpe de asa negra do orgulho o impulsionou, intenção precedida de uma profunda dor na alma, a prende no quarto para sempre. Nunca mais se viu Josefina, as lendas eram muitas, dizem que ela criou fiapos de barba no queixo e no buço, a pele esverdeou de tanta escuridão e os olhos exoftálmicos denotavam avançado estado de miopia. Como não se teve mais notícias dizem que ela aceitou seu destino recluso. Uns elogiavam, outros condenavam a atitude de Moacir. O fato é que todas as noites antes de se deitar ao lado de Josefina, sentado aos pés da cama acendia uma vela na mesinha de cabeceira, rezava um Pai Nosso, uma Ave Maria, riscava o sinal-da-cruz sobre o peito e dormia o que lhe parecia ser o sono dos justos.
...dente por dente
Durante uns dois meses Moacir passou a sentir fortes engulhos. Semanas se passavam. Alguns diziam que era úlcera, outros chegaram até a desconfiar de tuberculose e deixaram de freqüentar a Mercearia de Moacir. Os filhos iam crescendo com a ausência da mãe, que recebia a comida por baixo da porta - os excrementos eram acumulados num barril no canto do quarto e recolhidos quinzenalmente. No fim do segundo ciclo lunar a quitanda foi aberta sem a presença de Moacir. A sombra de Josefina que reaparecia, após doze anos de reclusão, não se comparava com a exuberância daquela outra mulher do passado. Os corpos de Moacir e Estógio nunca foram encontrados na cidade. Mas, secretamente, Josefina passou a exibir um cordão de ouro onde o que chamava a atenção era o crucifixo de pedras esmeraldas, ladeados por dois caninos de cão.
Das Leben der Anderen
The Lives of Others
Na década de 1980 o comunismo já não andava bem das pernas, mas a Alemanha Oriental buscava mater o controle sobre seus cidadãos através de um retrógrado sistema de vigilância e inteligência. O capitão Anton Grubitz busca a todo custo ser promovido em sua carreira. Para isso tenta se achegar aos influentes círculos políticos com o intuito de usar o medo palpável que todos sentiam pelo tanto que desconheciam. Numa espécie de fins nobres justificando os meios perversos dá ao fiel subordinado, Gerd Wiesler, a missão de coletar evidências contra o dramaturgo Georg Dreyman e sua namorada, a atriz Christa-Maria Sieland.
Georg Dreyman ama Christa-Maria Sieland que é uma atriz bem sucedida, apaixonada e insegura. As ansiedades da jovem são controladas a base de las famosas pain killers, memedinhos que servem para controle da dor e que dão um barato só se tomados com regularidade. Para conseguir as pilulas, controladas pelo Estado, a pobre Christa torna-se amante do ministro Bruno Hepf – por acaso, chefe do nosso Anton Grubitz que sabe bem que num lugar onde não há progresso econômico nem dinheiro, informação privilegiada e prestígio podem abrir muitas portas. A coisa muda de figura quando Christa decide terminar seu caso com o figurão do governo. Evidentemente, Bruno Hepf não deixaria barato. Entra em cena, então, o sempre laborioso e prestativo capitão Anton Grubitz que passa a perseguir a moça e exigir dela uma delação, acusando o namorado escritor de traição ao regime. E ela o faz.
Como se vê, um filme onde é difícil formular juizos de valor já que todos são delicadamente movidos por paixões e interesses, inclusive os bonzinhos e sensiveis como o escritor Georg Dreyman – interpretado canastrão Sebastian Kock - que só resolve questionar o regime quando seu amigo dissidente, oprimido pelo ostracismo e pela depressão, se suicida. E assim mesmo, vamos ser sinceros, em proveito proprio. Sem duvida, classificar os personagens é dificil. Florian Henckel von Donnersmarck, como confirmou no Goethe-Institut/DC antes do Oscar, criou varios finais para o filme - inclusive o do encontro de Georg Dreyman com Gerd Weisler, descartado, obviamente, para nao apelar ao sentimentalismo barato. Por isso mesmo, nem mesmo o vilão Gerd Weisler escapa da sensibilidade do von Donnersmarck. So que na mao inversa.
Gerd Weisler, interpretado pelo excelente Ulrich Muhe - que até lembra um pouco o Foulcault - , encarregado de vigiar a casa de Dreyman com equipamentos que deixariam o Gene Hackman – no The Conversation – com complexo de inferioridade, é um tipo exemplar. Profissional acima de qualquer suspeita, amante do regime, patriota exemplar... até que passa a ver na alteridade de Georg Dreyman uma alternativa às suas angústias e ansiedades, passando assim a protegê-lo – omitindo e adulterando relatórios para Anton Grubitz.
Foulcault diria que a prática clínica, responsável por seculos pela classificação física e mental dos indivíduos aptos a conviver socialmente, foi e é um poderoso mecanismo de controle social. Já Althusser diria que o tal aparelho ideologico do Estado não funcionaria sem sua parte repressiva, que seria composta pela polícia e pelas forças armadas. Toda essa geração de intelectuais pensou criticamente os contornos do capitalismo e do comunismo de forma a não deixar pedra sobre pedra. O problema é que, mesmo analisando as variantes dos malucos e totalitarios, eles não haviam assistido ao sutil Das Leben der Anderen. Uma pena.
O filme de Florian Henckel von Donnersmarck é um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. O roteiro é muito bom e a direção tem um toque muito evidente de sensibilidade e atenção aos detalhes humanos.
O filme de Florian Henckel von Donnersmarck é um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. O roteiro é muito bom e a direção tem um toque muito evidente de sensibilidade e atenção aos detalhes humanos.
Na década de 1980 o comunismo já não andava bem das pernas, mas a Alemanha Oriental buscava mater o controle sobre seus cidadãos através de um retrógrado sistema de vigilância e inteligência. O capitão Anton Grubitz busca a todo custo ser promovido em sua carreira. Para isso tenta se achegar aos influentes círculos políticos com o intuito de usar o medo palpável que todos sentiam pelo tanto que desconheciam. Numa espécie de fins nobres justificando os meios perversos dá ao fiel subordinado, Gerd Wiesler, a missão de coletar evidências contra o dramaturgo Georg Dreyman e sua namorada, a atriz Christa-Maria Sieland.
Georg Dreyman ama Christa-Maria Sieland que é uma atriz bem sucedida, apaixonada e insegura. As ansiedades da jovem são controladas a base de las famosas pain killers, memedinhos que servem para controle da dor e que dão um barato só se tomados com regularidade. Para conseguir as pilulas, controladas pelo Estado, a pobre Christa torna-se amante do ministro Bruno Hepf – por acaso, chefe do nosso Anton Grubitz que sabe bem que num lugar onde não há progresso econômico nem dinheiro, informação privilegiada e prestígio podem abrir muitas portas. A coisa muda de figura quando Christa decide terminar seu caso com o figurão do governo. Evidentemente, Bruno Hepf não deixaria barato. Entra em cena, então, o sempre laborioso e prestativo capitão Anton Grubitz que passa a perseguir a moça e exigir dela uma delação, acusando o namorado escritor de traição ao regime. E ela o faz.
Como se vê, um filme onde é difícil formular juizos de valor já que todos são delicadamente movidos por paixões e interesses, inclusive os bonzinhos e sensiveis como o escritor Georg Dreyman – interpretado canastrão Sebastian Kock - que só resolve questionar o regime quando seu amigo dissidente, oprimido pelo ostracismo e pela depressão, se suicida. E assim mesmo, vamos ser sinceros, em proveito proprio. Sem duvida, classificar os personagens é dificil. Florian Henckel von Donnersmarck, como confirmou no Goethe-Institut/DC antes do Oscar, criou varios finais para o filme - inclusive o do encontro de Georg Dreyman com Gerd Weisler, descartado, obviamente, para nao apelar ao sentimentalismo barato. Por isso mesmo, nem mesmo o vilão Gerd Weisler escapa da sensibilidade do von Donnersmarck. So que na mao inversa.
Gerd Weisler, interpretado pelo excelente Ulrich Muhe - que até lembra um pouco o Foulcault - , encarregado de vigiar a casa de Dreyman com equipamentos que deixariam o Gene Hackman – no The Conversation – com complexo de inferioridade, é um tipo exemplar. Profissional acima de qualquer suspeita, amante do regime, patriota exemplar... até que passa a ver na alteridade de Georg Dreyman uma alternativa às suas angústias e ansiedades, passando assim a protegê-lo – omitindo e adulterando relatórios para Anton Grubitz.
Finalmente, o que mais atrai no vilão - ao contrário do que repulsa em Georg Dreyman - é seu lado humano, sua capacidade de romper as proprias convicções e de penetrar na mente do suposto traidor do regime, Georg Dreyman, percebendo suas fraquezas, angustias e acima de tudo aprendendo com ele - e com as leituras furtivas de Brecht - a superar a mediocridade de sua trajetória humana, percebendo que se iludira.
Gerd Weisler é, sem dúvida, um tipo e vilão incômodo, digamos assim, encantador....
Gerd Weisler é, sem dúvida, um tipo e vilão incômodo, digamos assim, encantador....
Geografia de uma Aquisicao
Em Washington recebo uma chamada telefonica de alguem que me perguntava se estaria eu interessado na aquisicao de uma especie de tesouro. Que especie de tesouro? Algo que me interessaria, sem duvida, disse a voz. respondi que sim, mas evidentemente com uma seria desconfianca, pois a despeito de nao reconhecer a voz, ou de ser ou nao ser uma preciosidade aquilo me ofereciam, oferta semelhente deveria ser sempre vista com extrema reserva, mais ainda por envolver os riscos que a aguardavam. A voz entao me diz que me mandaria imediatas instrucoes por email. Desliguei o telefone e corri para meu computador. Start. Clique no E retorcido de Internet Explorer. No adress digitei www.hotmail.com. Surge entao uma tela onde escrevo meu endereco eletronico e minha senha pessoal, intransferivel, inalienavel. E isso eh um outro problema, pois volta e meio fico com essa coisa de Zelig que nao me larga. Na terceira mensagem de cima para baixo estavam as instrucoes que eu esperava com o mapa para chegar ao local exato em San Diego, CA, porem impondo a condicao, para alem de minha vontade, de que o tesouro deveria sair dos EUA antes de retornar a DC. Alem disso o nome da proxima cidade so me seria revelado em San Diego.
Ao comprar o bilhete de ida, intui que deveria cruzar a fronteira para o Mexico, o que tornaria meus planos de traze-los, todos, mais complicados.
De San Diego rumamos para San Jose del Cabo, cidade numa peninsula espremida entre o Mar de Cortez e o Oceano Pacifico. Passei uns dias na cidade a qual, talvez, nunca mais volte. Em Cabo San Lucas recebo novas intrucoes. Instrucao 1: Me hospedar no Pueblo Bonito Rose com todas as despesas pagas. Instrucao 2: Alugar um carro e rumar a San Jose del Cabo. Intrucao 3: Deixar os objetos nos fundos de uma 'paleteria'. Instrucao 4: Esperar a chamada de um homem chamado Morales confirmando os carimbos, para so entao voar de volta aos EUA. O voo de San Jose-Atlanta e Atlanta-Washington foi quente cheio e apertado, como so a Delta pode proporcionar. Cheguei a casa tarde, apos 6 dias, 5 cidades, 3 codigos postais, 4climas e 3 prefixos telefonicos.
Chegando, segui imediatamente a ultima instrucao. Tomei fotos dos quadrantes opostos dos dicos e enviei-as para meu blog. Assim como Richard Madden, que desde o comeco do Jardim das Veredas que se Bifurcam , conhecia os limites do entendimento bem como os riscos de sua operacao, esperando calmamente pela morte do orientalista Stephen Albert, ocultei varios detalhes essenciais da historia da aquisicao destes discos, como por exemplo e nocao do tempo. Tambem ocultei seus detalhes dolorosos tais como a solidao e o definhamento fisico da natureza humana que a velhice nos traz, mas sua geografia caotica esta toda ai, com a excecao do pesar que me traz por ser uma especie de espolio inconcluso - o qual sua dona ainda segue viva numa assisted living house em Orange County, CA.
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