Quem já passou dos 40 anos lembra bem o que estava fazendo às 19:00hs, no primeiro domingo do mês de agosto de 1984. Estava assistindo Os Trapalhões! Naquele hiato entre o domingo de sol e aquela música horrenda do Fantástico a nos lembrar da segunda-feira, entrava o melhor programa da televisão brasileira para a molecada. Intelectuais de plantão irão dizer que o programa promovia violências intelectuais contra minorias étnicas, raciais e de gênero. Ô da poltrona, à época eu tomava cascudo dos guris mais velhos e cheguei a cair na porrada na porta da escola sem saber que isso era bullying por que o que importava para nós era exatamente isso, Samba, Mé e Trapalhões!
A biografia do jornalista Juliano Barreto sobre Antônio Carlos Bernardes Gomes, o “Mussum”, lançado pela grande editora LeYa, é muito legal. Eu sei que o termo “legal” é impreciso, mas é o que me vem à cabeça quando lembro que não consegui levantar o forévis da cadeira enquanto não terminei o livro. O livro resgata memórias de um tempo em que as fotos coloridas ainda eram em papel fotográfico meio avermelhado e a família sempre aparecia meio desbotada. Não chega a ser uma ótima biografia, pois fiquei com um gosto de querer saber mais da história do Mussum e de sua vida pessoal. Mas reconheço o esforço do jornalista ao tentar resgatar o passado de um cidadão que nasceu pobre, filho de mãe solteira negra e analfabeta, batalhadora, e com no máximo uma certidão de nascimento, deve ter sido hercúloe.
A biografia conta com partes de como cresceu num colégio interno esbanjando simpatia, trabalhando como mecânico, morando em cortiços para sobreviver, enquanto a fama não o tocava. Sempre enchendo a cara, mas sempre pontual, nas segunda-feira pela manhã, independente do tamanho da ressaca que o afligisse o homem era uma muralha. Partes tristes como quando teve que romper com Os Originais do Samba, e deixar para trás os amigos de longa data, para se dedicar aos Trapalhões, e inúmeras partes engraçadíssimas que te fazem rir sozinho. Em resumo, a biografia mostra um grande homem por trás do humorista, mostra sua generosidade, sua impressionante capacidade de trabalho, e até mesmo sua relação com suas ex-mulheres que - se recusaram a detraí-lo mesmo após a fama.
Sua trajetória televisiva, vista criticamente, mostra o esteriótipo de um homem negro alcoólatra. O problema deste tipo de análise eram as segundas-feiras pois quando chegávamos à escola, as conversas inocentes sempre passavam pelo mé e pelo forévis de alguém. É inquestionável a presença de Mussum em nossas vidas, mesmo na das pessoas que juram de pés juntos não terem assistido Os Trapalhões.
Música do dia. Ray Charles and Betty Carter. Cocktails for two