“O mundo é guiado pelo acaso, a contingência nos persegue todos os dias de nossas vidas...” Comprado em Manaus numa livraria de qualidade duvidosa de uma loja de departamentos , que em nada se parece com a papelaria do Mr. Chang, o livro que acabo de ler me aproxima um pouco do protagonista Sid Orr. O Livro: Noites do Oráculo do Paul Auster. O Acaso: dias antes estava eu numa reunião com o dono das lojas tratando dos princípios fundamentais dos grandes sistemas do marketing, do mercado, da produção, da distribuição, do consumo, da comunicação, dos partidos políticos, da eleições, onde o que estava em jogo, na verdade era o lucro. Fecha parênteses.
Em Setembro de
1982 o escritor Sidney Orr entra numa papelaria de um chinês do Brooklyn e
compra um bloco de notas azul português. O dia é quente, abafado, como um dia
normal da época das chuvas em Manaus. A
chegada à papelaria quase se poderia dizer que foi uma saga. Sidney, recém saído
de um estado de convalescência, dá pequenas saídas à pé, sente-se inseguro,
fraco e suas caminhadas são medidas como os passos de que reaprende a andar. Sid entra na papelaria de Mr. Chang e fica fascinado por um caderno de
capa azul, que lhe tira da passividade. Traz de volta a vontade de escrever,
depois de tantos meses parado. No momento em que o compra e trava um estranho
diálogo com Mr. Chang, Sid não sonha que a sua vida começa naquele momento a
perder, gradualmente, consistência. A sua mulher, Grace, começa a ter um
comportamento incomum, passando por estados de extremo laconismo, seguidos de edulcoradas
declarações de amor, que o deixam um confuso e em estado de pânico. Seu medo é perder a pessoa mais importante da sua vida.
Nos nove dias
que se seguem, tudo parece estar estranhamente vinculado ao caderno de notas, e
no que nele é rabiscado. Parece que tudo que escreve no tal caderno ganha um
peso sobrenatural de premonições, ou de apenas alucinações. Em todo o caso os
acontecimentos são desconcertantes. Como aqueles em que você cruza com a mesma
pessoa estranha duas ou três vezes num mesmo dia, em lugares completamente
diferentes. Você nunca viu a pessoa, não sabe quem é, e imponderável e
desnecessário é procurá-la no facebook. No
caso de Sid, os acontecimentos minam seu casamento com Gracie, que segundo ele
passa a se comportar de maneira muito estranha. Mais uma vez, Auster constrói
uma rede de narrativas em que personagens e situações se espelham e se
sobrepõem. Na mesma semana em que adquire o tal caderno, o chinês fecha seu estabelecimento
de forma absolutamente inusitada.
No
caderno, Sid começa a escrever a estória de Nick Bowen, um editor que tenta se
livrar de seu passado, e recomeçar a partir do zero num lugar onde ninguém o
conhece – e claro que isso é uma metáfora em se tratando de Auster, pois o
Eldorado nova-iorquino não existe. Bowen é casado com Eva. O casamento já tem
cinco anos e entra numa redução em primeira marcha, com a falta de estímulo, e
acaba estacionando no cotidiano. Nick prefere ficar numa oficina mecânica em
Tribeca montando e desmontando um velho carro. A medida em que as estórias de de Sid e de Bowen vão sendo contadas temos a
impressão de que são paralelas. Numa sexta à tarde um manuscrito inédito de
Sylvia Maxwell cai em sua mesa. O título da obra é Noite do Oráculo. Nela um escritor que vê a sua filha morrer afogada e
que faz uma ligação improvável entre o que aconteceu e aquilo que tinha
escrito, deixa de escrever, pois "as palavras podiam alterar a
realidade e, portanto eram demasiado perigosas para serem confiadas a um homem
que as amava acima de tudo."
As
estórias de Auster não necessariamente têm finais felizes – como no caso do
aborto de Grace -, não necessariamente se encaixam, e felizmente tudo parece humano demasiadamente humano
onde as verdades são aquelas ilusões das quais falavam Nietzsche, que
esquecemos serem ilusões - abre parênteses - contidas nos oráculos que imitam a vida.
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