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Discursos dos Eleitos

O Ilusão da Semelhaça renasce como Fawkes hoje...

Quando soube que Ronald Reagan não escrevia seus próprios discursos, confesso que passei a desconfiar do óbvio: o ator lia os scripts feitos sob medida pela equipe de Larry Speakes. A saia justa de Speakes em Reagan ao anunciar que os discursos do chefe eram um bando de citações clonadas e adaptadas às circunstâncias, nunca foi confirmada por Reagan que, ao contrário, preferiu desmentir o subordinado, afirmando que nunca confiou muito no seu Press Secretary. Mas o mais estranho de tudo é que, independente de quem as escreveu, duas frases de Reagan não me saem da cabeça hoje:
 

Status quo, you know, is Latin for “the mess we’re in”
 

I think the best possible social program is a job.



Sou um leitor compulsivo. Dentro de minha patologia, uma das alterações morfológicas mais evidentes pode ser vista em minhas prateleiras de livros: as biografias. Leio biografias de vivos e mortos. Em ambas há um interesse mórbido, no caso dos mortos, ou uma intenção no mínimo prosaica de especular sobre a vida alheia, no caso dos vivos. Mesmo nesse caso, não procuro o meramente factual na cara amassada do biografado acordando as 6.30 da manhã para trocar a fralda dos filhos, ou o cotidiano de uma entrega ao alcoolismo, mas aquela dose de criatividade, de fantasia, de porosidade por onde o cotidiano é filtrado na criação literária de um texto talentosamente bem escrito.  Por isso acompanho com alguma dose de curiosidade esse debate sobre a polêmica das biografias, num país onde é comumente dito que o público e o privado vivem de  maneira promíscua.

Na minha estante, há biografias autorizadas e não-autorizadas. Tenho  biografias de D. João VI, escrita pelo Oliveira Lima, à biografia de Bogart, escrita Sperber e Lax, de Patápio Silva, à várias do Sinatra,  Clarice Lispector, Billy Wilder, Vargas, Coltrane, Rio Branco, Balzac, Garrincha, David  Selznic,  Tim Maia, e até as não autorizadas do Roberto Carlos e do Noel Rosa. Portanto, ler biografias não-autorizadas  não está em minhas preferências, ao menos estatísticas. O interesse que me levou a ler a biografia escrita por Lord Roy Jenkins, não foi o mesmo que me levou a ler a biografia do Zico, evidentemente. Um fumava charuto, prevaricava todo o tempo e tratava socialistas como scumbags, o outro sonegou o fisco no Japão e na Itália, mas nem por isso, ou talvez por isso mesmo, nunca deixou de ser meu maior ídolo no esporte.

Ainda nesse tema sobre o direito que me pertence como leitor ao ler uma biografia, assisti a uma palestra de Paulo Cesar de Araújo em New Orleans, há uns anos. O rapaz se emocionou ao falar da biografia que escrevera e que se encontrava proibida de circular. Se emocionou  não pelo dinheiro que deixou de ganhar numa dedicação de mais de 20 anos de pesquisa, mas pela frieza com que O Rei o tratou na Corte, cara a cara, afirmando que só que tinha o direito de escrever sua – do Rei -  biografia seria ele próprio.

Sentimetalismo à parte, o  que está em jogo hoje é a biografia como ativo comercial. Todos querem ganhar. De um lado editoras - argentárias sim. De outro, artistas, esposas de artistas, advogados, proles, ex-esposas de artistas, encabeçando um grupo de interesse pecuniário chamado Procure Saber. Há um terceiro lado, que é o do biógrafo, mas esse não conta, por se tratar de um trabalhador braçal, aquele que só deseja segurança  para realizar seu trabalho e paz para se dedicar a sua escrita. Parafraseando o pai de um dos personagens envolvidos na polêmica, mais uma vez vivemos a velha  dicotomia de Raizes do Brasil, entre o aventureiro e o trabalhador . O primeiro, aquele que ignora as fronteiras e, onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes. Assim como o aventureiro, o artista também é desejoso dessas novas sensações e por consequência a consideração pública, pois no fundo é um homem público. Impedir um trabalhador de narrar feitos, sucessos e fraquezas  de um biografado é um desconforto para o leitor contemporâneo.

E o pior é que me foram incomodar até o François Dosse lá na École des Annales, para receberem uma resposta óbvia e desconcertante.

2012, a eternidade, a amizade e outras vagas noções da vida

 
Hamlet disse: Give thy thougths no tongue, Nor any unproportioned thought his act. Be thou familiar, but by no means vulgar. Those friends thou hast, and their adoption tried, Grapple them to thy soul with hoops of steel.

Pois então, duas dessas grandes amizade que que gostaria de agarrar, tal como queria o príncipe da Dinamarca,  à minha alma com mãos de aço:

Um é Thiago de Mello, a quem tive o imenso prazer de conhecer em Manaus e com quem passei uma tarde impressionante falando de poesia, Machado de Assis, Flaubert, Balzac e sobre uma infinidade de detalhes do Estatuto do Homem, dos detalhes de sua amizade com Bandeira e Neruda, e Miró e Benedetti... Thiago de Mello,  que um dia em Silêncio e Palavra escreveu... Estimo o velejar fácil de barca singrando o rio sem qualquer ânsia de porto. No singrar já se compraz. Em 2013, se a vida e o trabalho me derem um descanso, prometo injuriar a eternidade e visitar Thiago em sua casa na selva, nem que seja por um fim de semana.

Outro é o inigualável Simão Pessoa, com quem tive a honra, o prazer e a ajuda das Moiras, de trabalhar - além de derrubar hectolitros de Red Label em rodas de poetas e sindicalistas. Autor de quem Millôr um dia escreveu... Livro sincero, a começar pelo título. Um prêmio a quem encontrar uma linha politicamente correta. Obra-prima do gênero. Dei uma gargalhada por página... Assim é Simão, um homem que como todo o grande gozador é um cara sério. Para tanto se você colocar o ouvido direito no seu peito de Simão, ouvirá nitidamente uma grande algazarra. São vozes do Marques de Sade, Jacques Munier, Ovídio, Nabokov... pô Nabokov com certeza, vai quase prestidigitar as páginas do Diário de Dom Rigoberto do Vargas Llosa, orquestrados na clave daquele biriteiro que bebe ao nosso lado em qualquer botequim da vida... isso, claro, quem frequenta esses tipos de lugares, entenderá de que autores eu falo.

 
Música do dia: Fly me to the Moon. Do disco It Might as Well be Swing de Frank Sinatra and Count Basie, arranjado por Quincy Jones.

Grande Hotel



A belga Lotte Stoops reinventa com elegância o presente e revive imprecisão passado do Grande Hotel, um suntuoso hotel que teve vida curta durante os últimos anos da colonização portuguesa no território africano, mais especificamente na cidade de Beira em Moçambique. O seu documentário sobre uma das mais mal acabadas obras do “poder colonial” português na Africa é um exemplo do muito que nos diz, a brasileiros e moçambicanos, sobres os sentidos da colonização. Uma vez fabulosamente rico, o Grande Hotel, um edifício que é mais uma cidade dentro da cidade, foi um luxuoso hotel foi construído em 1955 pelo empreendedor português Arthur Brandão, numa enorme àrea de 12.000 metros quadrados. Desta cidade e do gigantesco hotel, sobrou apenas um esqueleto, povoado hoje em dia por 3.500 seres viventes que habitam suas ruínas, tentando criar em cada canto um lugar habitável em meios aos escombros e a sujeira. Mais do que um simples documentário sobre a história deste hotel, o filme retrata que nem a megalomania colonial, nem a vaidade ideológica, conseguiram tornar o lugar eficiente.

Mesmo antes do colapso colonial, o hotel ja havia falido pelo fato de que a obra deixou de ser rentável já na planta. Construído em 1955, o hotel ofereceu aos seus residentes este pequeno paraíso em grande dimensões por apenas 11 anos. Com a falência, dez anos antes da queda do sistema colonial, não demorou muito até que as suites se transformassem em lixeiras, as salas de jogo em bordeis e a piscina num pântano. A revolução, e guerra civil, acabou com seu propósito – se é que havia algum. Grande Hotel passou a ser uma grande ruína, e o lugar que, supostamente, uma vez recebeu presidentes, reis, políticos e o mais alto escalão do poder colonial, passou a hospedar trabalhadores, refugiados, conselhos guerrilheiros, prostitutas e fanáticos religiosos.

O luxo desapareceu. O que restou foi sendo dilapidado, roubado e vendido. E nesse processo, tudo passou a ser moeda de troca: azulejos, portas, vitrais, janelas. Hoje em dia, no lugar dos corredores há todo o tipo de comércio e prestação de serviços que vão desde a venda de comida em condições de higiene precária à presença de salões de cabelereiras. E para um lugar onde não há luz, água, saneamento, nem esperança, há uma dinâmica paralela, que Lotte Stoops se esforça em mostrar intercalando os comentários mais non-sense daqueles que viveram e ainda se lembram do hotel, com imagens dessa estranha miséria que gera uma honesta solidariedade.

As passagens onde uma hospede octagenária lembra com ingenuidade e barbárie de uma recepção de casamento, anos após o fechamento do hotel, de um ofical colonial de alta patente portuguesa é impagável sobre o choque de culturas. A pobre mulher diz que a festa tinha sido tão opulenta, que só se lembrava das muitas vezes que fora ao banheiro para forçar o vômito e voltar para o salão para comer tudo de bom que o banquete da festa oferecia. Todo o luxo que habitou aquelas paredes, desapareceu para sempre.

A diretora, além de percorrer todo o edifício e entrevistar os que lá vivem, mostrando o seu quotidiano, teve o cuidado de intercalar comentários bizarros e muitas vezes preconceituosos com a realidade presente das pessoas que vivem lá e se adaptam à adversidade de viver nas ruínas. Algumas imagens muitas vezes reforçam o argumento dos que frequentavam o hotel como hóspedes. Por exemplo, onde um dia foi o centro de conferências hoje temos uma mesquita, e a piscina olímpica, hoje com um resto de àgua verde, serve de lavadouro de roupas e balneário público. Entretanto, os seus atuais habitantes, que por sua capacidade de adaptação e a estranha solidariedade que a adversidade gera, já se consideram “whato munos”, nativos. Com sua capacidade de adaptação criaram seus próprios mecanismos de defesa e vigilância, onde em cada corredor de dez apartamentos há um vigilante. Um destes é Mateus, uma espécie de zelador/síndico do edifício. Segunda geração no prédio, ele é filho de um antigo funcionário do Hotel, ainda do tempo em queo Hotel recebia hóspedes como Kim Novak, alugava seus quartos para ir fazer safaris na Africa.

Música do dia. O Povo no Poder. Azagaia.

Caro Francis

“Caro Francis” é um documentário sobre o jornalista Franz Paulo Trannin Heilborn, mais conhecido como Paulo Francis. Se você pensa em encontrar, nesse documentário, respostas para a explicação sobre o sucesso de Paulo Francis, esqueça. O documentário feito por Nelson Hoineff, o mesmo do famoso Documento Especial na antiga TV Manchete, tenta desvelar ainda mais o lado polêmico de Francis, tanto quanto tenta reforçar a veia transgressora do jornalista que um dia escreveu isso.

A imagem do Francis já velho no Manhattan Connection era uma caricatura gasta do personagem que ele próprio criou para si. Já em meados dos anos 90, Francis passava a imagem de um homem inteligente, arrogante e botocudamente grosseiro. Mas se você pensa que foi sempre assim, esta redondamente certo. O documentário mostra bem, em termos próprios como desde as suas polêmicas críticas teatrais e insultos a Paulo Autran e Tônia Carreiro, até a sua saida do Pasquim, Francis já alimentava essa imagem pública de polemista nem sempre elegante mas incrivelmente engraçado. E um dos seus grandes méritos foi exatamente o de se tornar um fenômeno de comunicação, tanto na palavras escrita como na palavra falada e televisionada, transplantando de um meio para o outro suas características críticas e méritos intelectuais, sempre com uma boa dose bufa.

Se no ambiente público era esse tipo discutível, no ambiente privado, entre amigos, não havia ressalvas. Todos tinham sempre um causo interessantissimo e nunca repetido para contar sobre Francis. Jaguar, se não me engano, certa vez disse que detestava discutir com Francis pois ele sempre escolhia como cenário um taxi sem destino fixo, o que o levava - a Jaguar - sempre a se desconcentrar do bate-boca e desesperar-se com o taxímentro. Lucas Mendes, no documentário, dizendo que certa vez Francis termina um texto, levanta o papel da máquina de escrever com virulência e se vangloria: “nenhum advérbio de modo!” Ou o ataque ao amigo Fausto Wolff, dizendo que um dia escreveria um livro sobre todas as suas ignorâncias. Ou seja, uma figura impagável e divertidíssima. Ou seja, melhorando essa frase, uma figura impagável, por ser cara; incomprável por só trazer problemas; e invendável pois a partir dos anos 90 seu tipo de jornalismo pitoresco, impressionista e irresponsável – criado prêt-à-porter para a televisão - passou a ser um problema para as redações e uma impossibilidade para os canais de TV aberta. Prova disso é que hoje em dia, figuras como Reynaldo Azevedo e Diogo Mainardi transcencem ao espaço das colunas escritas apenas para o universo dos blogues onde encontram o feedback apenas de prosélitos.

O sinal desses tempos que vivemos hoje, é bem mostrado no final do documentários, com a saída de Francis da Folha de São Paulo, sua ida para o Manhattan Connection e sua polêmica com o antigo presidente da Petrobrás Joel Rennó, quando numa edição do programa Manhattan connection, Francis afirmou que os diretores da empresa tinham dinheiro na Suíça, formando “a maior quadrilha que já existiu no Brasil”. Uma absoluta inverdade comparado com os padrões de tamanho, organização e eficiência dos esquemas de corrupção atuais. Mas merecidamente ou não, nesse caso específico, foi processado por tratar uma das empresar mais fortes do Estado brasileiro, bem como a seus gestores, como quem sempre se habituou a tratar a esqueda. E não se deu bem.
O documentário conta ainda com uma irrelevante surreal carta lida pela viúva, sobre a morte de sua gata de estimação, e uma “bombástica” acusação de negligência médica no caso de seu infarte, tratado como bursite ou algo que o valha por insignificante que fosse. Felizmente a viúva trata logo de desmentir o terrível e melancólico fechamento-Conrad Murray-Michael Jackson que Diogo Mainardi calhordamente tenta, com a beneplácito de edição do diretor, imprimir no final. Isso tudo ao som de Wagner.

Música do dia. A Pipa do Vovô não sobe mais. Marchinha de Carnaval.

Blanche Ebelin-Koning faleceu na quinta-feira. Trabalhei com ela por três anos na Oliveira Lima Library e sempre a admirei, não apenas por sua personalidade forte, mas por sua ironia fina. Catalogadora de livros raros e tradutora, era capaz de ler 7 línguas, incluindo o latim. Nos últimos anos andava a trabalhar numa criteriosa tradução do holandês para o inglês de um  livro do historiador e poeta humanista Gaspar Barlaeus.

Barlaeus se propôs a narrar os feitos do conde Maurício de Nassau na obra Rerum per octennium in Brasilia (História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil).  As ilustrações do livro são um espetáculo à parte que poucos no mundo tiveram o privilégio de presenciar, até por que deve haver no máximo 5 copias coloridas no mundo - eu conheço 3, incluindo a da Fundação Biblioteca Nacional. Trata-se de 340 páginas e 56 ilustrações, entre elas o retrato de Nassau por Theodor Matham (1605-1660), mapas de George Marcgraf (1610-1644) e gravuras de Frans Post (1612-1680) retratando a paisagem pernambucana, o cotidiano dos escravos, dos engenhos, dos portos e do comércio.

A edição em português, foi organizada em 1940 por Cláudio Brandão e concordo quando Blanche a criticava. É absolutamente ilegível e displicente. Em contrapartida, em sua tradução - sou testemunha -  ela preocupava-se em encontrar  forma perfeita para o que melhor definisse os nomes de frutas, tipos de armas descritas, os monstros narrados, os nomes dos rios, os nomes dos tubérculos definidos pelos índios, as etnias indígenas, as embarcações, os equipamentos e nós náuticos. Enfim, um trabalho absolutamente impressionante que por vezes me parecia interminável principalmente por sua  incansável busca da expressão que melhor traduzisse do holandês - seu idioma nativo - para o inglês - sua língua de uso -  com minúcia e destreza as expressões holandesas do século XVII.

Traduzir o texto de um erudito como Barlaeus não é tarefa das mais fáceis. Além de historiador e poeta, Barlaeus foi um teólogo defensor da causa arminianiana, doutrina pela qual os seres humanos são incapazes de fazer qualquer esforço para salvação e que nenhuma obra do esforço humano pode causar ou contribuir para a salvação.

Enfim, em meio a luta para terminar a tradução, na última quinta-feira, Blanche nos deixou. Diagnosticada com um problema numa das válvulas do coração, os médicos lhe deram um ano de vida caso não se operasse. Operou-se e não resistiu. Parece retórico, mas assim com Barleaus ela era uma Humanista plena. Deixou registrado que não queria enterro nem cerimoniais póstumos. Não sei o que fez com a sua pequena casa em Greenbelt. Não sei se acreditava na salvação da carne, na remissão dos pecados, na vida eterna e em todas essas inúmeras bobagens. Provavelmente não, pois doou em vida seu corpo para estudos científicos.

No último ano acompanhei a sua luta, pari passu a sua gradual fragilidade física - para terminar a tradução que tanto a atormentava - certa vez, nuum de nosso almoços confessou que sonhava com pernambuco colonial. Nos últimos anos, andava perdendo muito peso o que lhe acentuava a fragilidade, mas eu não desconfiava dos sempre silenciosos e traiçoeiros problemas cardíacos. Almoçávamos quase todas as semanas pois ela vinha a Library para terminar as inúmeras revisões. Viúva de um economista que trabalhara na ONU, ela nunca tivera filhos. Em fevereiro último estive com ela quase três dias no hospital, pois ela teve um sério problema gástrico... e desde março não tinha notícias dela. Engraçado... semana passada pensei em telefonar, mas a inútil correira do dia-a-dia E recebi a notícia ontem com um choque.
Acompanhei sua luta para terminar esta tradução, tentando conseguir finaciamento e cartas de recomendação com scholars que tinham idade para serem filhos dela, da Library of Congress, para pagar pelas imagens que a biblitoteca detentora da obra somente liberaria mediante pecúlio... e que a editora se recusava a publicar integralmente por tornar a edição do livro muito cara... Blanche literalmente lutou até o fim por este livro. O mais irônico de toda a luta... entregou ao editor a última revisão de sua tradução de Barlaeus duas semanas antes da operação e não chegou a vê-la publicada...

Madama Butterfly

A 17 de Fevereiro, no ano de 1904, no teatro La Scala de Milão, era encenada pela primeira vez a Madama Butterfly. Portanto, lá se vão 107 anos. Na época Puccini fora acusado de repetitivo, já que Cio-Cio-San guarda alguns traços com a Mimi de La Bohème. E pelo que tudo indica parece mesmo que era cópia, pois pelo que andei lendo – minha fonte principal para temas de opera é o velho e mal traduzido História das Grande Operas de Ernest Newman - Puccini, ao longo da vida, fez inúmeras modificações no enredo. Dizem até as más línguas, nas interenétis da vida, que a ópera original era ruim mesmo, mas como não vi o dilúvio, quem sou eu para duvidar dos sobreviventes?

Bom, assim como LaBohème, a nossa Madama é uma ópera popular. Mas nem por isso deixa de ser um ótimo entretenimento para terça-feira à noite, pois a obra combina todos os bons elementos que uma ópera deve ter. Exótica, romântica e trágica,  a estória, base do libreto, foi tirada do conto de John Luther Long e narra as desventuras de uma gueixa japonesa, Cio-Cio-San, que casa com o oficial da marinha americana B.F Pinkerton. Casamento estranhíssimo, ou seja, mais estranho que os normais. Neste, o americano faz um acordo esquisitíssimo onde ele se casa com a moça por 999 anos, com o direito a revogar o contrato a cada mês. Casamento, diga-se de passagem, nulo perante a lei americana. O mais absurdo é que ele tem direito a se casar com a menina de 15 anos ao comprar um imóvel perto do porto de Nagasaki, e a jovem vem como ‘brinde’ intermediado pelo agente imobiliário Goro. Desconhecendo boa parte  dos acordos escusos triangulados por Pinkerton, Goro e Sharpless – Cônsul americano na região – e para provar seu amor por Pinkerton, Cio-Cio-San rompe com a família, converte-se ao cristianismo, e passa a desprezar  a tradição japonesa. Pinkerton por sua vez, ainda no primeiro ato, mostra sua natureza calhorda, expulsando a família da consorte, que não aprova o casamento, admitindo para Sharpless que pretende voltar aos Estados Unidos e arranjar uma esposa americana.

Até o fim do primeiro ato,  percebe-se que Cio-Cio-San, sempre acompanhada pela fiel criada Suzuki, terminou o primeiro ato em maus lençóis literalmente. A gueixa, que virara cristã na esperança de agradar o marido, que simplesmente ignorava ou desprezava – a linha é tênue – sua crença no budismo, passa a ser desprezada pela família, e além de abandonada pelo marido, e tem um filho ao longo da ópera. Ou seja, sendo uma ex-gueixa que decide endireitar na vida, mãe-solteira e apóstata, fica difícil acreditar em que a relação pode dar certo, ainda mais pelo fato de que Pinkerton dá provas mais que suficientes, em suas conversas com o Cônsul americano, Sharpless, de sua mais completa cafagestagem.

No segundo ato, já se passara 3 anos desde a partida de Pinkerton. Neste ato é quando Puccini nos dá praticamente a perspectiva da fibra e do caráter da moça. Butterfly tem um filho de 3 anos, fruto da relação com Pinkerton. Ou seja, como já disse,  ex-geixa, apóstata, renegada pela família e posteriormente pelo marido, e ainda mãe-solteira, o futuro da moça parece não ser nada estável. Com crise de consciência, ou almejando talvez mais um bom negócio, Goro e Sharpless  visitam a moça. Goro, trazendo o principe Yamadori, com a esperança de que ela se case com ele e acabe com aquela angústia da espera por algo que pode nunca alcançar. E Sharpless a visita de posse de uma carta de Pinkerton. Tal a emoção da moça ao escutar a leitura da carta, interrompendo-o a todo o momento, que Sharpless não consegue terminar a carta com todos os trágicos detalhes do eventual retorno do amigo marujo a Nagasaki. Remoído pelo remorso, Sharpless interrompe a leitura, sofrendo antecipadamente pelo destino de Cio-Cio-San. Nesse momento a ópera dá uma virada, em termos de enredo e música.  Nesse contexto é que  uma das  mais belas árias de toda a ópera é executada, Un bel dì vedremo, quando ela, canta sua esperança no retorno de Pinkerton.  Aliás entre o segundo e o terceiro ato há também o dueto Sccuoti quella fronda di ciliegio, cantado por Cio-Cio-San e sua empregada e amiga Suzuki, enaquanto decoram a casa com flores de cerejeiras – muito bonito -; sem esquecer do coro de sussurros Coro a bocca chiusa, que vela a noite em claro de Cio-Cio-San ao escutar os canhões do navio de Pinkerton ao entrar na baía de Nagasaki.

Já no terceiro ato, Pinkerton aparece com a sua mulher americana, e leva o seu filho sob custódia para os Estados Unidos enquanto Cio-Cio-San se  desespera. Ana Maria Martínez, empresta sua voz vibrante e dramática a Cio-Cio-San, enquanto o brasileiro Thiago Arancam interpreta Pinkerton. A regência é de Plácido Domingos, e uma outra novidade da Vanuatu National Opera é a inclusão de um outro brasileiro, Ron Daniels, que estréia como diretor da Companhia. Daniel tem uma longa história de montagens no Brasil e na Inglaterra. No Brasil foi um dos fundadores, junto a Jose Celso Martinez Correa, do Teatro Oficina em São Paulo, e porteriormente trabalhou por anos em Londres na Royal Shakespeare Company.

Enfim, noite de terça-feira, nada de melhor pra fazer, duas opções: ligar a televisão no ABC, ou, Madama Butterfly.

O Lugar dos Zé Manés no Mundo do Trabalho

Um dos grandes dilemas do homem que trabalha, que se esforça numa jornada de 8, 9, 10 horas por dia e volta para a casa esperando no fim do mês por um salário que muitas vezes, simplesmente, não dá, não é mais o cerne da questão no mundo do trabalho. Não, não é. O que nos torna reféns do devir, hoje, é o medo de perder o emprego num mundo do trabalho sem ética.
Para Richard Sennett, professor de sociologia da Universidade de Nova Iork e da London School of Economics e autor também do ensaio Carne e Pedra, O Declínio do Homem Público e The Hidden Injuries of Class, estamos imersos numa nova face do capitalismo que afeta o caráter de indivíduos em seus mais sutis detalhes na vida pessoal. E um dos pontos de partida, para que Sennett sustente seu argumento, reside exatamente a falta de condições para que o homem contemporâneo construa uma narrativa linear de sua vida profissional e pessoal, sustentada na experiência - como a daqueles dos anos que o Fordismo vigorava.

A “CORROSÃO DO CARÁTER – conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo,” lido em português, afanado por meu caráter corroído, da casa de minha prima, é trabalho muito bom, dividido em oito didáticos breves capítulos, onde se define a nova idéia de tempo capitalista, e se mostra as dificuldades de se compreender as novas relações de trabalho num mundo onde as referências e a ambição individual – ou a muitas vezes confundida, luta pela sobrevivência - é cada vez mais anti-ética. Além disso, o livro trata dos aspectos mais psicológicos dessa diluição do caráter. Os sentimentos despertos nos indivíduo como o fracasso, o desnorteamento, e a decorrente depressão.

O livro, apesar de ser anterior à bolha imobiliária que afetou Estados Unidos e União Européia de maneira violenta, é muito atual com até um certo ar de saudosismo. O autor começa a exemplificar seu argumento logo nas primeiras páginas com a estória de Enrico, um imigrante que fundou uma família e a sustentou com os esforço – sem querer ser piegas – de seu trabalho e seu suor. Enrico era o típico exemplo de trabalhador fordista. Tinha um emprego rotineiro e repetitivo, baseado no uso disciplinado do tempo. Através de seu salário, sustentava sua família e mesmo sem grandes perspectivas de ascensão profissional – devido à sua condição de imigrante e baixa escolarização – sentia-se à vontade em seu trabalho baixamente qualificado mas relativamente estável, pois contava com uma rede de proteção sindical bastante eficiente. Através desse trabalho Enrico podia contruir uma narrativa composta de estórias cumulativas de vitórias e até mesmo derrotas em sua vida. Já com seu filho, Rico, e com sua nora, a estória é outra. Ambos são profissionais qualificados num ambiente de crise econômica, o que os obriga muitas vezes a term empregos em cidades distintas, obrigando-os a viajar de avião pendularmente. Ou seja, Rico se esforça para não demonstrar nenhum laço ou vestígio com o universo do trabalhado braçal ao qual o pai pertencia. No novo Sonho americano Rico quer fugir da rotina. O grande problema é que esta rotina baseada no tempo linear foi substituída por novas formas de domínio e controle, mas Rico não se dá conta disso. Rico, com um trabalho muito mais intelectualizado que o pai, e educado para ser um trabalhador muito mais competitivo, tem uma rotina de incertezas e mudanças constantes.

Sennett compara, não por acaso, esse dois modelos de trabalhadores. O trabalhador fordista, burocratizado e rotinizado, que planeja sua própria vida familiar e suas metas se baseando em um tempo linear, cumulativo e disciplinado, e que constrói sua própria história e expectativas a partir de uma perspectiva de longo prazo. E o trabalhador flexibilizado do capitalismo das últimas décadas, que muda de endereço freqüentemente, que não estabelece laços duráveis de afinidade com os vizinhos, muda de emprego e de casa constantemente, ou seja, vive uma vida de incertezas e descartável, mas acima de tudo de laços frágeis. O trabalhador flexível não possui laços duráveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, a dificuldade de se estabelecer laços duráveis está corrompendo o caráter e como isso acontece é demonstrado ao longo do ensaio.
Neste sentido, Sennett considera que a sociedade se depara com a ponta de um dilema. O problema do antigo trabalho rotineiro com o da reestruturação do tempo implicam em instituições mais flexíveis, criando novas formas de poder e controle. Essas novas formas de flexibilização geram um movimento estrutural de reinvenção institucional, de ruptura do presente com o passado de forma a minar a burocracia aumentando o grau de especialização, num mercado que ocupa apenas temporariamente um nicho de consumidores.

Com isso as formas de controle do RH mudam também. O trabalho em casa, o chamado teleworking, toma o lugar do trabalho no escritório; “o controle face-aface” cede ao controle eletrônico de troca de emails e mensagens diretas. Isso, espelhado num trabalho em equipe, parece dar mais libertade ao trabalhador, ludibriado pela falsa idéia de que a concentração de poder sem centralização dá ao trabalho em equipes, maior controle sob o trabalho que se desenvolve. Grande balela! Sennett afirma que isso é conversa pra boi dormir, pois na verdade quem decide o que fazer e quando, ainda é o capitalista, restando aos trabalhadores apenas o refugo das decisões de como realizar as suas atividades ASAP, ou seja, “rapidinho mermão senão você roda.”

A aparente liberdade dada ao trabalhador através do trabalho em equipe, sem o patrão por perto para vigiá-lo, na verdade colocou o trabalhador ainda mais sob o jugo do capitalista, já que a atomização cada vez maior das suas tarefas fez com que este não se precisasse mais de tanto treinamento. Como conseqüência, deixou de possuir o domínio sobre seu emprego, por isso ele sempre está mudando de área, e como já não possui vínculos fortes com suas tarefas na empresa, muda de função e até mesmo de emprego de manaira mais fácil e rápida.

Toda essa flexibilização aparentemente positiva tem uma outra face que afeta o indivíduo, conceito que sociológicamente poderia ser descrito como o “Zé Mané”. O Zé Mané é esse cidadão que se mata de trabalhar no mundo flexibilizado e que não se dá conta de uma coisa muito grave.... a corrosão de seu prórpio caráter.

Segundo Sennett, o caráter é mais ou menos algo que lembra vagamente, na ética aristotélica, “o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas relações com os outros, ou se preferirmos ... são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem.” Buscar essa coesão de significado é algo que era possível no mundo de Enrico, mas não no de Rico, seu filho. Por que?

Bom, primeiro por que o trabalho flexível leva a um processo de degradação dos antigos profissionais de ofício (o velho trabalho do técnico, do especialista em alguma àrea...), à degradação das metas de longo prazo, à tolerância, e por fim a flexibilização do caráter também. A nova ordem do mundo da produção concentra-se na capacidade imediata, não leva em conta que acumulação da experiência. Daí a preferência do capitalismo pelos mais jovens, como Rico, por serem mais adaptáveis às formas flexíveis de trabalho.
A questão é… até então, na crista da onda, Rico se sentia afetado por isso?
Claaaro que não. Rico não passa de um Zé Mané.

Um Zé Mané de classe média não conseguia ver os riscos desse mundo com o qual corroborou, pois mesmo com seu caráter, cheio de grafite, já mais oxidado que uma canalização de ferro fundido, só via que no jogo capitalista atual todos acreditam ser potenciais vencedores, e sabem que os vencedores fazem parte de um minúsculo grupo, e que portanto não se mexer é condenar-se ao fracasso. Mas tem gente que fracassa e Rico ainda não era um destes.

Ele acrditava que o trabalho em equipe gera um novo tipo de caráter, onde o homem motivado é o homem irônico, que ganha prosélitos nas esferas superiores, e em decorrência de viver em um tempo flexível, sem padrão de autoridade por perto e com responsabilidade voláteis, não consegue se reconectar com a ética e o respeito ao próximo.Mas tampouco isso é algo que o afete tão profundamente. O Zé Mané de Rico estava na crista da onda. O problema é como construir essa nova história de vida sem valores muito sólidos, e em um capitalismo em que as pessoas estão nesse mesmo barco à deriva. A resposta para esse estado de natureza, esse salve-se quem puder, esta na maneira como as pessoas enfrentam o fracasso.

Para Rico, a resposta veio com o sentimento de esvaziamento, frente ao medo de perder o emprego. Até aí tudo bem, pois esse era um medo do seu pai também, e de qualquer outro homem e mulher com ou sem juízo – como eu ou você, meu caro leitor. Mas, em Rico foi mais profundo pois numa dessas fases de desemprego sentiu mais dificuldade em se recolocar no mercado percebendo que perdeu o contato com a moral social e cultural. Caiu na real pois seu pai frequentava um clube de imigrantes onde ele tinha amigos com os quais ele conversava sobre os mesmo temas. Rico, forçado a constantes viagens e a muitas horas de trabalho, não tem vida social. Portanto, percebe que não tem com quem dividir seu drama.

Fracassar é ruim. Lógico. E como diria Alvaro de Campos, “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.” Mas o fracasso é algo que atinge as pessoas e para superá-lo é necessário compartilhar a experiência do fracasso com um grupo ou uma comunidade para que este adquira um senso de coerência coletiva e não passe apenas como uma injustiça sofrida por um indivíduo. Isso o pai de Rico tinha esse senso. Rico, não, mas como é um Zé Mané, ainda estava jovem, na crista da onda, com os filhos relativamente pequenos, só se deu conta do buraco em que estava mais tarde.

O grande mérito de Sennett foi o de aproximar a teoria sociológica do leitor comum. Ele consegue demonstrar como esta corrosão acontece gradativamente utilizando exemplos reais, de operários, prestadores de serviço, e desempregados da IBM, ao optar pela narrativa e não puramente o uso de estatísticas e tabelas. Sennett consegue dar vida as hipóteses de planilha mostrando que as novas relações do novo capitalismo flexível corromperam e corrompem o caráter do ser humano. Mais ainda, ao demonstrar esses exemplos reais de atomização das relações humanas e trabalhistas, Sennett mostra que o homem do novo milênio sofre com a própria construção de sua narrativa de vida e narrativa histórica pois o cabra fica impossibilitado, sem padrão e nem responsabilidade.

Hipóteses como a de um Rico em dois tempos, em duas entrevistas, uma anos atrás e uma recente, Sennett descobriu duas pessoas. Dois Ricos. O primeiro arrogante, sentado ao seu lado num vôo local pelos Estados Unidos. No outro, um Rico mais modesto, workaholic sem tempo para se dedicar à educação dos filhos, sem saber se os filhos estão na escola ou se estão o dia todo zanzando pelos shopping centers ao arbítrio dos perigos que rondam adolescentes num país onde tudo é muito fácil se conseguir, e mais fácil ainda se corroer. O trabalhador flexível não possui laços duráveis nem com sua própria família. Segundo Sennett, a dificuldade de se estabelecer laços duráveis, num universo onde o poder existe mas onde a autoridade é invisível, está corrompendo o caráter. Ou seja, um Rico menos Zé Mané... mas, devido ao seu isolamento, seu caráter completamente enferrujado, chega um pouco atrasado para pegar a tempo seu bonde na História.


A questão mais profunda para um Zé Mané como Rico é... "Que lugar ocupo eu, no Mundo do Trabalho?"



Música do dia. Roda Viva. Chico Buarque.
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os culpados pela música brasileira ser o que é...


Brasileirinho Encontros do Choro Contemporâneo
Lida - Yamandu Costa
Yamandu Costa + Dominguinhos
Violão Brasileiro - Rogério Souza
Brasilianos 2 - Hamilton de Holanda
Intimo - Hamilton de Holanda

As UPPs de Frederick Wensley contra a preguiça Serpico


Sem desconsiderar Scarface e o próprio Poderoso Chefão, ainda penso que Serpico é um dos melhores filmes onde assisti Al Pacino atuando. O Filme é de Sydney Lumet – um dos mais irregulares monstros sagrados do cinema americano de quem Hollywood quase não fala. Nos dividendos de Lumet estão o Assassinato no Expresso do Oriente (uma bomba de filme!), mas no saldo estão obras primas como o 12 Angry Men, com o Henry Fonda, e o The Pownbroker, com o Rod Steiger. Em suma, Lumet tem uma qualidade essencial: sabe escolher a dedo seus protagonistas. Em Serpico, não é diferente.

Hoje, vendo essa realidade do Rio de Janeiro, um filme oportuno para nos fazer refletir sobre o caráter corrosivo da corrupção policial no Rio de Janeiro. O filme é atual, mas  nem é um grande filme, pois é bastante biográfico e linear. Fato é que Al Pacino empresta à pele de Frank Serpico, da Polícia de Nova Iorque, toda a angústia, o desespero e o estoicismo de um policial honesto cercado por corrupção e desonestidade por todos os lados. O filme começa com Serpico coberto de sangue, com as sirenes ligadas e chegando ao hospital. Acabava de ser baleado na cara. O resto do filme conta a história de Serpico, um policial que recusa se misturar com a banda podre da polícia... e por isso paga um preço caro.

O jovem policial é idealista e extremamente frustrado com a política. Sua vida pessoal, por estar sempre meio que exilado de seu meio, acaba por torná-lo um cara meio evasivo até mesmo para a noiva. Ele tem um pouco dos hippies. Carrega todo o peso da aura contracultural, se veste de maneira extravagante, mora no Greenwich Village, num bairro artístico, tem a barba sempre grande e sempre está rodeado de hippies e amigos ligados a movimentos de esquerda. Ou seja, um cara meio maconheiro, mas meio esquisitão. Ao se negar a receber propina e participar dos pequenos esquemas de corrupção, ele passa a se tornar um estranho no ninho do NYPD, levantando a desconfiança de seus companheiros de farda. Em pouco tempo está depondo na temida Knapp Commission, uma comissão de investigação no esquema de Corregedoria policial com o aval do Juiz Percy Whitman Knapp, que apurava casos de corrupção policial na NYPD.

Ainda por conta do teatro mediático dos últimos dias no Rio de Janeiro, eu, um quase agnóstico militante, fiquei pensado em Tomé,  o apóstolo. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Ele apenas disse que precisava tocar nas chagas para crer na ressurreição. Muito incauto pensa que tocou pois ficam vendo essas telas do Caravaggio e passam a acreditar que tocou e que a partir daí é que passou a crer na existência da vida nova. Tocou nada! Tomé acreditou na palavra. Imagine, se ia trocar o único bem que tinha - o do benefício da dúvida - pelo bem que imaginava obter - uma hipótese insustentável. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra, que gera o benefício da dúvida.

Crer cegamente é confortável. Crer que a polícia está do lado do bem os bandidos do lado do mal, é reconfortante. Folheava eu hoje pela manhã um livro interessante chamado The Scotland Yard Files de Allan Moss. Evidentemente não li o livro todo, pois acho esse assunto para lá de enfadonho, mas de saltos em saltos pude constatar que a história da Scotland Yard, assim como a história da polícia do Rio de Janeiro, está cercada de brutalidade e corrupção. Mas tudo bem, pois o pensamento sempre foi o de: se está funcionando, deixa como está.

A chamada Polícia Metropolitana de Londres surge em 1829 pela aprovação do Metropolitan Police Act. As atribuições dessa nova polícia eram as de prestar proteção a personalidades públicas, comunidades, patrulhas e todas as demais atribuições de uma polícia do século XIX. A partir de 1842 parte da Scotland Yard passa a andar à paisana. Ou seja, os policiais que já não tinham boa fama fardados, não podiam mais reconhecidos. E em poucos anos, a polícia já era um exemplo do que uma polícia não deveria ser. O naipe de irregularidades ia desde a asociação com máfias irlandesas, prostituição, jogo, até crimes de gênero.

Em 1877 a instituição era tão corrompida e desacreditada que 4 de 5 elementos que ocupavam os postos de mais alto escalão na hierarquia são julgados e acusados de conspiração e formação de quadrilha. Dez anos mais tarde acontece o famoso “Bloody Sunday” - imortalizado na música de uma banda que ”existiu” na década de 90, chamada U2 – quando 2000 policiais avançam contra uma manifestação pacífica de trabalhadores da Social Democratic Federation matando 100 trabalhadores.

Foi necessário quase 50 anos para chegar um cara chamado Frederick Wensley. O apelido dele, provavelmente dado por seus detratores, era weasel, ou furão ou fuinha, uma espécie de rato dentuço. Fato é que o homem ficou à frente da Scotland Yard por mais de 40 anos. Foi ele quem implementou a transformação radical da instituição. Primeiro, mudou de prédio de lugar. Segundo, aumentou o número de policiais. Só para se ter uma idéia, em 1890, o número de policiais subiu de 1000 para mais de 13000. Ou seja, injetou uma tropa com sangue novo e transferiu todos os corruptos para funções burocráticas, longe das ruas e portanto longe das atividades ilícitas. Em duas décadas, conseguiu "limpar" a polícia londrina.

Bem, mas resta saber se toda essa política de reestruturação da polícia do Rio de Janeiro, baseada na tomada de territórios, armas e drogas dos traficantes será acompanhada por uma reestruturação geracional da polícia. Sabe-se, por leitura de jornais, que as UPPs usando “mão-de-obra fresca“ procuram suprir e substituir com novos e entusiásticos policiais, uma tropa já viciada em velhas práticas.

Sou muito cético em relação a isso, pois há um componente histórico nisso tudo -  e por favor vejam os trabalhos do historiador Marcos Bretas da UFRJ sobre a formação da Polícia Militar e a história de como se formou a Guarda Nacional do Império.  Curiosamente, a nossa polícia era tão corrupta e brutal quanto a Scotland Yard, e mais curioso ainda é que a nossa, formou suas primeiras tropas incorporando justamente milícias estaduais. Milícias de homens armados que trabalhavam para grandes proprietários de terras, ou o grande capital urbano.

Mas concentrando-se apenas nos fatos... O governo fala de 40 UPPs, ou seja, mais 28 unidades nos próximos quatro anos. Com base em critérios técnicos da Secretaria de Segurança Pública, eles alegam que isso seria suficiente para ocupar todas as comunidades que são controladas pelo poder paralelo.

Um conhecido meu que entende muito desse negócio de UPP, me diz que cada UPP tem atualmente uma média de 150 PMs, o estado precisará de mais 4200 soldados nos próximos quatro anos. No seu argumento, o governo acaba de ampliar a capacidade de formação da academia da PM, que agora poderá recrutar e formar 20 mil soldados no próximo mandato.

Ainda seguindo seu argumento, a média de PMs que deixam a corporação por aposentadoria ou por mudança de profissão mantiver-se constante, ou seja, pouco acima de 1000 ao ano, o Estado vai perder menos de 5 mil PMs nos próximos quatro anos. Assim, o saldo em 2014 pode ser superior a 15 mil novos PMs, bem mais do que suficiente para as UPPs e para o patrulhamento das ruas. Mesmo que as próximas unidades exijam efetivos bem maiores, como será o caso do Complexo do Alemão e da Rocinha, PMs não será um problema.

Essas são as contas deste conhecido, douto em políticas públicas.... ou seja, uma pessoa muito inteligente!

***********

Agora, eu mostro as minhas contas...

Fazendo uma matemática rápida em cima de uma entrevista recente do recente Secretário de Segurança para a recente Revista Epoca, para 10 comunidades, a polícia precisaria de 1880 homens. Ou seja, ele precisa de quase 200 homens para cada favela - dependendo do tamanho de cada uma, obviamente.

No fundo, estamos falando de mais de mais ou menos 800 favelas no Rio de Janeiro, mais de 1.5 milhão de pessoas morando em comunidades pobres. 1.5 milhão de pessoas é mais ou menos 10% da população do estado do Rio de Janeiro. Você pode até discordar do meu ceticismo e das minhas conclusões, mas você há de convir que é gente pra dedéu.

Bom, mas ainda baseado na entrevista do Secretário, para pacificar 800 favelas, ele precisaria multiplicar 188 homens x 800 favelas. No fundo ele precisaria de mais de 150 mil soldados para cobrir todas as favelas. E ele diz que a ACADEPOL pode formar 4000 por ano. Ou seja, o plano é bom mas é eleitoreiro exatamente nesse ponto, pois em 4 - 5 anos ele somente poderá colocar no máximo 20 mil soldados em UPPs. Vamos ser sinceros, isso vai cobrir mais ou menos 15% do total de favelas do Rio de Janeiro.

Por isso, a impressão que me passa é a de que o atual Governador – por mais bem intencionado que esteja e digo desde já que só em ter tocado nesse vespeiro já ganha minha simpatia - está combatendo com recursos parcos e limitados apenas o varejo. O atacado da droga e da arma, não é abalado pois depende de combate nas esferas federais.

Somente para concluir... do que eu estava falando mesmo... ah sim, do filme Serpico.... penso que o atual governo do Estado está incorporando ar proselitista desde que assumiu, dizendo que não pode prender o traficante x y z por preservar vidas… pode ser. A atuação no Complexo do Alemão provou isso. E alguma coisa mudou desde que ele asumiu. Pois o Alemão já tinha sido invadido em meados do primeiro mandato do atual Governador. E foi aquele desastre com 30 mortos repercutindo mal pra caramba - com os traficante trazendo os corpos em carrinhos de mão para a entrada da favela para a policia recolher.

Ainda há as contas que um outro amigo que não entende nada de nada, mas é engenheiro e tem MBA nos Estados Unidos, ou seja, entende de matemática. Ele acaba de me passar dados baseados no blog do Luis Nassif.... e cá pra nós, assustam mais:

[ Fiquei curioso para saber o preço das armas usadas pelo narcotráfico, como a UZI e a AK-47. Eu imaginava que estas armas custariam milhares de dólares -  mesmo no mercado negro.

Para minha surpresa, descobri que o custo é bastante acessível: vai de $400 a $800. (Fonte:http://www.atlanticfirearms.com)

Assumindo uma média de $500, o custo para armar um grupo de 600 homens é de $300 mil.

Parece muito, mas é o equivalente a apenas 6kg de cocaína ($50/g) ou 300kg de maconha ($1/g).

Só para ter idéia dos números do tráfico, a Secretaria de Segurança Pública do Rio informou que, entre domingo e ontem, foram apreendidos 33 toneladas de maconha e 235 quilos de cocaína no conjunto de favelas do Alemão.

Considerando que a demanda por drogas vai seguir existindo (isto é um fato), todo este dinheiro irá para os traficantes de outros morros. Pior: eles ganharão ainda mais devido à escassez temporária.

Dá para entender por que a guerra contra as drogas não funciona?]

Mas voltando a Serpico. Tomé NUNCA tocou em Jesus ressuscitado. Acreditam que tocou. Faz bem acreditar. Mas no fundo ele so creu na palavra. Acreditar na palavra, isso é o que se pede de quem confia. A crença na honra da palavra. Na palavra de honra. Dá pra acreditar? Que dá dá, mas...

En los naufragios, al hundirse la nave, los marineros del Danubio rezaban: “Duermo; luego vuelvo a remar”

Escrevi isso na segunda-feira às seis horas da manhã. Relutei muito em postar isso aqui, por se tratar de um blog de idéias mal alinhavadas sobre literatura e cinema. Mas após assistir a entrevista de Luiz Eduardo Soares no Roda Viva decidi publicar. Afinal, após a entrevista, sempre ponderada, entendo e me certifico de que aquilo que aconteceu na semana passada também é um tipo de ficção. Sendo assim por que não entrar aqui?




Na História da Eternidade, Borges utiliza a metáfora do sono, do sonho, da noite para expressar a idéia da morte – sem obviamente jamais usar a palavra “morte” em sua essência.


En el Antiguo Testamento se lee (I Reyes:2:10): “Y David durmió con sus padres, y fue enterrado en la ciudad de David”. En los naufragios, al hundirse la nave, los marineros del Danubio rezaban: “Duermo; luego vuelvo a remar”. Hermano de la Muerte hijo del Sueño, Homero, en la “Ilíada”; de esta hermandad diversos monumentos funerarios son testimonio, según Lesing. Mono de la Muerte (Affe de Todes) le dijo Wilhelm Klemm, que escribió asimismo: “La muerte es la primera noche tranquila”. Antes, Heine había escrito: “La muerte es la noche fresca; la vida, el día tormentoso...” (…) “Lo que el sueño es para el individuo, es para la especie la muerte” (Weltals Wille, II: 41). El lector ya habrá recordado las palabras de Hamlet: “Morir, dormir, tal vez soñar”, y su temor a que sean atroces los sueños de la muerte. (Borges, 1997:81-82).


Me admirou muito o uso das metáforas nesse episódio lamentável da invasão de das favelas no Rio de Janeiro. Além do uso e abuso das mais ridículas metáforas, me admirou a capacidade de autoridades civis e militares criarem uma espécie de panacéia verbal para contornar as imagens que os canais de tv, com seu sencacionalismo mediático de praxe, exibiam ao vivo.


Mas uma hora tinha que acontecer. A UPP tinha que chegar ao subúrbio do Rio de Janeiro para não se tornar um plano apenas eleitoreiro do governador Sérgio Cabral Filho, que foi empossado em janeiro de 2007 e apenas iniciou o tal plano em fins de 2008. De lá para cá, já há algumas instaladas, evidentemente, mas em comunidades pequenas. O que ainda me fazem desconfiar de se tratarem apenas planos pilotos.


A primeira grande operação começa de forma atabalhoada. Precisava-se dar uma resposta firme à série de ataques a civis na última semana. Uma série de boatos se espalha pela cidade. Alguns dão conta que uma grande quantidade de dinamite estaria em mãos do tráfico e dos paramilitares. E que a ponte Rio-Niterói seria explodida. Outro boato dava conta que a Rede Globo negociara com a Secretaria de Segurança a não divulgação de que o Secretário de Segurança havia sofrido um atentado com carro bomba. Todos boatos, ou não. Então, motivados pela pressão e pela insustentabilidade da situação, a primeira grande operação começa ela Vila Cruzeiro.


Fato. Começa pela Vila Cruzeiro em represália aos mais de 100 veículos queimados na cidade nas últimas duas semanas. Entretanto, há àreas na nesse complexo de favelas que a polícia não conseguia chegar há anos, com barreiras físicas e bélicas que a polícia não conseguia transpor de forma convencional. Precisava-se então de tanques. Aliás, o episódio da entrada das forças armadas nessa ação ainda está MUITO mal contada. A única força que ofereceu apoio logístico inicial foi a Marinha com os Fuzileiros Navais.


“Hora de Show Time”


Entraram os tanques. Tanques de guerra. Tanques que passam por muros de até um metro de altura. Impressiona? Lógico que impressiona! Uma arma que dispara rajadas de balas .50 é algo brutal em zonas urbanas. A expectativa até sábado era a de que haveria um massacre. Constitucionalmente, atirar com um negócio desses em alvos civis em tempo de paz é impossível, ilegal e inconstitucional. Qualquer pessoa sabe disso, até o Governador. Mas os tanques impressionam e geram expectativa.


As imagens de criminosos fugindo da Vila Cruzeiro e migrando para o Complexo do Alemão também impressionou a todos e também está MUITO mal contada. Principalmente pela quantidade. Era muito bandido junto. Por que não havia um cerco esperando? Evidente. Não havia um plano imediato para isso.


Na versão oficial, não havia estrutura para duas operações tão complexas, simultâneas e seguras. E por isso se preferiu a tática de acuamento. Sem dúvida, uma saída negociada, sem sangue, sem perda de vidas. Preferiu-se não quebrar os ovos. No fundo um jogo onde ambos lados ganhavam tempo para minimizar os riscos de mácula nas imagens públicas.


No fundo, o governo do estado do Rio de Janeiro se apóia na errônea idéia de que os recursos do Estado são ilimitados, em comparação com os dos bandidos que sem moeda de troca (que seria na visão do Secretário de Segurança Mariano Beltrame, o território, a arma e a droga) tornam-se frágeis. Errônea idéia, por que: Por que um bandido não deixa de ser bandido da noite para o dia. Por que munição e drogas continuam entrando pela Baía de Guanabara, pelas estradas e pelas fronteiras. Por que já se fala de uma luta de bem contra o mal, como se obtusamente policiais corruptos tenham deixado de existir e de corromper o sistema por dentro.


No fundo, no fundo, a polícia hoje passa e recolhe corpos, bandidos recalcitrantes, drogas e armas. Ou seja, 400 quilos de cocaína, 50 toneladas de maconha e até agora sabe-se muito pouco sobre o armamento apreendido, menos ainda sobre os chefes do tráfico, e menos ainda sobre o apradeiro dos mais de 500 fugitivos. Foi um golpe no tráfico? Claro que sim. Isso deve corresponder a um prejuízo de seis meses nas contas do tráfico. Foi um golpe midiático? Claro que sim, pois cá pra nós, pelas proporções da operação e pelo pequeno número de prisões, tudo não passou de um golpe de vista que durou uns dias e depois será esquecido, pois em fevereiro tem Carnaval, e em dois ou quatro anos temos Olimpiadas, Copa, Visita do Papa, Posse do Sultão da Bessarábia, sem esquecer a Conferência Internacional sobre Entomologia Neurotropical.


O resto são metáforas extemporânea, como a da mãe do bandido Mister M que leva o bandido à delegacia dizendo “Filhinho vamo sintregá cua mamaen” [absurdo: como se isso fosse amor de mãe]; o rapaz da ONG negociadora que se imbui do poder evitar um “extermínio étnico”[absurdo: como se na comunidade apenas negros sofreriam com o desfecho violento]; o Secretário de Segurança chamando o Complexo do Alemão de o “Coração do Mal”[absurdo: como se o coração vivesse sem cérebro]; “vitória da ordem e fim do caos” [absurdo: comos e houvesse dois lados]; a atendente do Disque Denúncia chamando seu serviço de “Bacia das Almas”[ absurso: como se estivessemos esperando apenas os óleos santos]; e a melhor de todas

“Fernand

inho

bera mar” [sic] tatuado no braço de um infeliz.


Nota. Fotografia - Roberto (Bear) Guerra. Complexo do Alemão 2008.

Efemerides, pobre dos que vivem delas...

Carta Testamento do Presidente Getúlio Vargas

 
"Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.


Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.


Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.


Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.


Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.


E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História." (Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)

Nunca disse que o homem cordial é bonzinho - Sergio Buarque

Como no jogo do bicho, vale o que está escrito. No Haiti, já se fala em 30 mil mortos.
Interessante acompanhar o que está escrito nas manchetes dos jornais e comparar, por exemplo o enfoque que o New York Times dá à tragédia e o que O Globo prioriza.





O NYT fala na devastação do país, na busca de desaparecidos haitianos, nas vítimas haitiana, nos esforços conjuntos para reconstruir serviços básicos do Haiti, como hospitais e até mesmo a torre de navegação do aeroporto de Port-au-Prince...



 ... e O Globo, na versão online, também fala do Haiti, mas de outra maneira...(a versão em papel é algo pior)

As vezes a teoria do homem cordial -  que de cordial tem quase nada - do Sergio Buarque de Holanda, me causa certa acidez de estômago, e chega a me dar vergonha de ter de explicar a amigos estrangeiros essas coisas que passam quase despercebidas...

Nota. O site da Cruz Vermelha Internacional está aceitando doações.
Telefone 1-800-733-2767.

Revanchismo ou Revisionismo

A atual discussão em torno ao Programa Nacional de Direitos Humanos, que determina a criação até abril de 2010 de uma comissão suprapartidária para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas pela repressão militar de 1964 a 1985, está interessante. O problema é que  em 28 de agosto de 1979 o presidente Figueiredo – diga-se tristemente: o terceiro presidente de que tenho memória política – sancionou a Lei da Anistia colocando uma pedra jurídica pesada no assunto.


De uns anos para cá a sociedade civil se mobilizou no sentido de mover essa pedra. O Presidente da República anterior bem que tentou. Criou uma forma de compensação monetária para as vítimas. Como tudo que envolve o tema gera um debate muitas vezes irracional, aceito até que se discuta sobre valores e montantes, jamais sobre os méritos. Jamais sobre os méritos. O desdobramento lógico da questão é a abertura ampla dos arquivos e a investigação da Comissão Nacional da Verdade. Obvio.

Não sei se Darcy Ribeiro estava certo ao dizer que o Brasil é um país aos trancos e barrancos. Mas sei que se estivesse vivo diria que esta Lei de Anistia junto à emenda Dante de Oliveira foi nosso Pacto de Moncloa aos trancos e barrancos, pois em 1979, na ocasião do sancionamento, não houve desmantelamento dos órgãos de repressão, e além disso, muito pior, criou-se logo uma democracia às pressas, rapidinho, pois alguém decidiu que o Brasil não tinha mais tempo de olhar para trás. Como bem disse Daniel Aarão Reis,  foi o que foi possível ser acordado. 

Posso estar enganado, mas o debate delicado que nos acompanhará até abril, ou até a caída de algum Ministro, se centra em duas correntes. Uma que dá conta de que a Lei de Anistia era uma lei  recíproca, ou seja, ‘beneficiava’ – perdoem pelo eufemismo -  torturadores e torturados, igualando vítimas e algozes de maneira desonesta. A outra, que a lei não previa explicitamente a anistia dos torturadores já que estes juridicamente não sofreram condenação formal.

No fundo, os historiadores sabem que  revanchismo e revisionismo, por seus extremos absolutos, são dois elementos perigosos em se tratando de História. O primeiro, por razões óbvias, cria distorções sérias. O segundo implica numa forma bastante parcial de história que inclui no estudo do campo os vícios e distorções da prática do agency, muito cara à historiografia americana.

Em todo o caso, uma entrevista elucidativa do Miguel Conde. 
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2010/01/09/historiadores-discutem-revogacao-da-lei-de-anistia-255996.asp

Assinado no último dia 21 de dezembro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Programa Nacional de Direitos Humanos determina a criação até abril de 2010 de uma comissão “plural e suprapartidária (...) para examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto de repressão política” de 1964 a 1985. Além disso, ordena também a criação de projetos de lei propondo a “revogação de leis remanescentes do período 1964-1985 que sejam contrárias à garantia dos Direitos Humanos ou tenham dado sustentação a graves violações”. Os comandantes militares pressionaram o presidente para rever os dois pontos do Programa, em particular o último, interpretado como uma brecha para uma possível revogação da Lei da Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979 pelo presidente Figueiredo.

Lula deixou a decisão para depois das férias, mas a discussão chegou às páginas de jornais e divide opiniões, inclusive entre pesquisadores do tema. Dois dos principais estudiosos da ditadura brasileira, os historiadores Daniel Aarão Reis e Carlos Fico têm opiniões divergentes sobre uma possível revisão da Lei de Anistia. Para Reis, a lei já foi revista em vários pontos, e os militares que participaram de políticas de repressão e extermínio devem agora ser processados, principalmente pelo efeito pedagógico que isso teria para a sociedade brasileira. Já Fico diz que iniciativas como a Lei dos Desaparecidos, de 1995, foram uma ampliação e não uma revisão da Lei de Anistia, e que processar os agentes da ditadura seria tentar refazer a História. Ambos defendem, no entanto, a abertura dos arquivos da ditadura (em particular os dos órgãos de inteligência militar) e são favoráveis a outros pontos do Programa Nacional de Direitos Humanos, como a criação de uma Comissão Nacional da Verdade — com a ressalva de que ela deve ter uma orientação pluralista.

Ex-integrante do grupo armado MR-8, como historiador Reis tem trabalhado para desfazer a imagem romântica dos grupos revolucionários de esquerda, sublinhando que seus projetos eram ditatoriais. Apesar disso, ele e Fico concordam que a ditadura poderia ter combatido as ações armadas dentro da lei, e que não o fez porque tinha um plano mais amplo de repressão.

O Brasil deve rever sua Lei de Anistia?

DANIEL AARÃO REIS: Em primeiro lugar, cabe uma avaliação da Lei de Anistia. Há muitos que sustentam que a Lei é recíproca, e há outros para quem a Lei não prevê explicitamente a anistia dos torturadores. Penso que a Anistia, embora não em seus termos jurídicos, politicamente foi uma lei que abrigou tanto os opositores da ditadura quanto os que em nome da ditadura praticaram atos criminosos. Foi o que eu chamaria de um pacto de sociedade que houve em 1979, uma conciliação apoiada pela imensa maioria, ainda que não de maneira satisfatória para muitos. Alguns setores mais radicais, dos quais eu fazia parte, exigiam uma anistia ampla, geral e irrestrita, e também o desmantelamento dos órgãos de repressão, mas esse programa não foi contemplado pela Lei. Desde então colocou-se o problema da revisão da Lei de Anistia.


CARLOS FICO: A Lei de Anistia foi o principal componente da transição brasileira para a democracia. Havia consciência clara entre os parlamentares que a menção aos “crimes conexos” era sim um perdão aos torturadores. Considero que essa menção foi posta ali de maneira dúbia para resguardar não só os torturadores, mas todos os militares, inclusive os generais, que foram responsáveis por uma série de graves irregularidades. O regime militar não teria aceitado de maneira nenhuma a não inclusão desse perdão.

Vocês dois enfatizam a ideia de uma negociação, e de que a Lei foi então o acordo possível naquele momento...

REIS: (Interrompendo) Eu queria fazer uma retificação, Fico. Você usou a palavra perdão. Acho que a palavra mais adequada é esquecimento.

FICO: É, sim.


REIS: Por que você pode esquecer sem perdoar. Nesse sentido, o pacto de sociedade propunha o esquecimento...

FICO: A anistia mesmo. Mas o dado curioso é que você não pode anistiar quem não foi condenado. O curioso nessa história é que a anistia aos torturadores é completamente exótica, porque eles não foram jamais presos ou condenados.

Completando a pergunta: os dois dizem que a Lei foi o acordo possível naquele momento. Nas circunstâncias atuais, ela deve ser revista?

REIS: A partir da aprovação da Lei começou a luta pela revisão da Lei, e ela já foi revista em muitos de seus aspectos. Os presos que já tinham sido julgados não eram contemplados pela Anistia. Então reviu-se a Lei de Segurança Nacional e reduziu-se drasticamente as penas para que todos saíssem, o que já foi uma forma de revisão. Depois em 1988 a Constituição, e finalmente as Leis da Reparação, com o Fernando Henrique Cardoso. A Lei já foi revista aqui, como em outros países da América Latina. O argumento de que isso poderia desestabilizar o país é falso. O importante neste momento é ver até que ponto a revisão da Lei deve incluir uma discussão sobre a adoção da tortura como política de Estado. Aqui eu marco minha diferença com os ministros Paulo Vannuchi e Tarso Genro, que fazem questão de não implicar as Forças Armadas na política de tortura. Eles dizem sempre que foram algumas dezenas de militares que praticaram excessos. Isso é uma distorção da História. O valor da revisão atual está na possibilidade de a sociedade discutir a adoção da tortura como política de Estado no Brasil. Isso abre uma discussão mais geral sobre a história do país. Em 50 anos, esse país teve dois regimes usando tortura como política de Estado. Pouca gente fala que isso aconteceu no Estado Novo. E eu temo que daqui a 30 anos pouca gente esteja falando que a ditadura brasileira fez isso.

FICO: Concordo que não há a menor chance de uma desestabilização do regime. A discussão sobre a Lei de Anistia já está acontecendo. Há no Supremo Tribunal Federal uma ação iniciada pela OAB que mais cedo ou mais tarde será julgada. Há a proposta de interpretar a Lei não contemplando os torturadores. É com essa interpretação que eu não concordo. E acho isso ineficaz do ponto de vista de enfrentarmos a verdade sobre a ditadura. Há muitos caminhos possíveis, eficazes, legítimos, que podem ser trilhados. Nós temos que nos empenhar por exemplo em conseguir que esses comandantes militares sejam enquadrados diante da lei e obrigados a transferir para o Arquivo Nacional os três arquivos que faltam, do CIE, Cenimar e Cisa (siglas dos três centros de informações militares). O Brasil tem o maior acervo documental dos países do Cone Sul em relação à ditadura, mas ainda faltam esses três, que são os essenciais. E nós temos quase certeza que eles existem, por uma série de razões. Esse tipo de questão é muito mais importante.

Mas o projeto não fala exatamente em outra interpretação da Lei de Anistia. Ele cria um grupo de trabalho para discutir com o Congresso Nacional “legislação propondo a revogação de leis remanescentes do período 1964-1985 contrárias à garantia dos Direitos Humanos”.

FICO: O projeto é ambíguo. Ele propõe a remoção do entulho autoritário, mas lá pelas tantas menciona a possibilidade de propor a discussão de leis que contrariem normas internacionais, que é o principal argumento de quem quer rever a Lei de Anistia, já que a tortura é um crime imprescritível. Ele deixa margem para dúvida.

O senhor fala da Anistia como uma coisa que passou e por isso não deve ser alterada...

FICO: (Interrompendo) Passou não, a Anistia é um processo. Eu aliás diria que houve uma ampliação, e não uma revisão da Anistia.

Mas eu queria enfatizar uma diferença nas argumentações dos dois. O senhor usou a expressão “refazer a História”, dando a ideia de uma coisa que já foi feita e na qual não se deveria mexer. Já o Daniel enfatizou uma permanência, a permanência da tortura como política de Estado no Brasil...

FICO: (Interrompendo) Eu não acho que não se deva mexer, pelo contrário. Acho que o caminho mais adequado são outros. Por exemplo, a abertura dos documentos. Os governos do Fernando Henrique e do Lula foram fundamentais. O Fernando Henrique com a criação da Comissão dos Mortos e Desaparecidos, e o Lula que fez com que o Brasil se tornasse o detentor do mair acervo documental sobre as ditaduras na América Latina. Temos avançado, e um caminho legítimo é o dessa Comissão de Verdade. Especialmente se ficar claro que não se trata de revanchismo. Muitas comissões de verdade se chamaram comissão de verdade e reconciliação.

REIS: Em 1979, a Lei de Anistia foi expressão de um pacto de sociedade. Mas a partir daí se dá uma transição que não tem regras, não tem padrões. Você tem certos países em que essa comissão de Justiça, ou Verdade, é imediata. Caso por exemplo do regime do apartheid na África do Sul. Já a França levou quase 50 anos para começar a admitir que o colaboracionismo com os nazistas tinha sido amplo. Isso foi muito doloroso. Não há um procedimento usual. Os pactos de sociedade evoluem com o tempo. O pacto de 1979 envelheceu. Era compreensível naquele momento, em função do pensamento predominante, mas me parece que hoje a sociedade brasileira é capaz de enfrentar essa questão.

Vocês concordam sobre a importância do acesso aos arquivos, mas discordam quanto a processar os militares. Por que os julgamentos são importantes, na sua opinião?

REIS: Para mim, a questão central é discutir a política como tortura de Estado, fazer a sociedade brasileira pensar nisso. Mas me parece também importante processar os torturadores. Porque eles cometeram crimes contra a Humanidade, e esses crimes são imprescritíveis segundo tratados que o Brasil assinou. Revanchismo é um termo que se aplicaria se alguém quisesse pegar os torturadores e fazer com eles o que eles fizeram com os opositores da ditadura na época. Não conheço ninguém em sã consciência que proponha que eles sejam presos, não sejam julgados. O que se está propondo é esclarecer a situação, dando a eles todo direito de defesa. Mas eles não podem ser comparados aos torturados. Os torturados foram perseguidos, presos, condenados, mortos, exilados, enquanto eles não sofreram nada. É preciso julgá-los. É isso que se quer agora, seria pedagógico para a sociedade brasileira, para que essas coisas não se repitam. A melhor maneira de ser capturado por uma tradição é não compreendê-la.

FICO: Os comandantes militares estão cometendo um erro enorme persistindo nessa atitude acovardada, defensiva, de não reconhecer o erro, ficar retendo documentos. Eles deveriam reconhecer em termos institucionais e históricos esse erro, e se desculpar por ele. Isso seria um passo importante para tornar as Forças Armadas mais dignas diante da sociedade brasileira. O Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade em relação a esses crimes de tortura e assassinato, mas as Forças Armadas até hoje não reconheceram.

O GLOBO fez uma pesquisa no site perguntando aos leitores o que eles achavam dessa discussão. A opção mais votada era favorável à revisão, desde que fossem processados também os grupos de esquerda. O que vocês acham disso?

REIS: É fundamental informar a essas pessoas que os grupos de esquerda já foram processados. E muitos militantes, sobretudo os que foram presos, foram torturados e mortos. Reabrir o processo das pessoas que já foram processadas? Se alguém ainda falta ser processado nesse país são os torturadores.

FICO: Muita gente embarca na história contada pelos militares segundo a qual a polícia não tinha condições de enfrentar os grupos armados. Isso é conversa fiada. As pesquisas históricas mostram que o regime tinha toda condição de enfrentar as ações armadas dentro da legalidade. Por que isso não foi feito? Porque essa repressão violentíssima, de tortura e extermínio, não visava apenas as ações armadas urbanas e a Guerrilha do Araguaia, muito menos passeata estudantil. Foi um processo repressivo com uma abrangência muito maior.

REIS: Uma das justificativas das Forças Armadas para fazer a repressão foi que o Brasil vivia uma guerra, uma guerra suja onde não havia leis etc. Mas é evidente que o Brasil não viveu uma guerra. Aquilo fazia parte das expectativas de grupos revolucionários, dos quais eu participei, mas que em nenhum momento alcançaram ressonância social. O governo brasileiro tinha todas as condições de debelar aquele surto revolucionário sem recorrer à tortura como política de Estado. Tivemos no Brasil grupos que tentavam derrubar a ditadura não com ideais democráticos, mas para instaurar uma ditadura revolucionária. É bom que isso volte ao debate. Como também é importante que se diga que os integrantes desses grupos já foram julgados, condenados e torturados.



Nota. Tenho um carissimo amigo que sempre fecha seus emails com uma frase que não me saiu da cabeça hoje, desde que passei os olhos na entrevista: "O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos" (Simone de Beauvoir).