La Ronde

Parafraseando Raymond Queneau, o filme La Ronde, de 1950, é um elegante exercício de estilo. Poucos filmes dos anos 50, talvez com a exceção dos filmes de Billy Wilder, tem uma carga de sexualidade tão grande e consequentemente tão divertida. A estória se centra numa peça de teatro vienense do século XIX, de Arthur Schnitzler, que causara muita polêmica à época, pois falava do tão famigerado fantasma que assola a história da literatura, desde que o homem é homem e a mulher é mulher: o adultério, i.e. o mais popularmente conhecido, par de cornos.  No filme de Max Ophuls os vários personagens ocupam uma série de vignettes que adquirem uma lógica circular num enredo que envolve, amor, pequenas traições, sedução e uma crítica sobre a moral, permeada por diálogos absolutamente fantásticos e divertidos. Ophuls borda uma reflexão sobre o desejo sexual e seus mecanismos de controle tomando como metáfora um carrossel onde todos somos passivos objetos da vontade dos deuses. As referências – morais, sexuais, religiosas, familiares, profissionais – são mostradas no filme com uma nostalgia da virtude - nas próprias palavras do marido Charles Breitkopt que antes de dormir conversa com a esposa Emma, exausta após uma tarde digna de Belle de Jour. Ophus mostra como as referências morais são fajutas, esvaziadas, quando não hipócitas e absurdas. O filme é genial.

Logo na primeira cena uma prostituta flerta com um soldado, e na segunda cena uma empregada é seduzida pelo seu patrão. Tudo de maneira muito natural, sem resistências nem grande entusiasmos de ambas as partes, até a cena final com a prostituta voltando à cena. A maneira circular e a transitorialidade das paixões está toda ali em amores passageiros, que duram apenas o que tem para durar. Ophus imprime, através de um narrador onipresente, Walbrook,  a cada cena, um fatalismo irônico na narrativa. O Racounter assume várias formas diferentes. Guia pratiamente todas as cenas e introduz as várias intrigas chegando mesmo a filosofar entre as cenas. Não incidentalmente, ele é o próprio operador do carrossel. Algumas cenas são geniais. Algumas vezes quando os encontros amorosos não se realizam por algum motivo, o mestre de cerimônias para a cena e faz reparos no carrossel para que o amor continue girando. As suas criaturas vagam e desconhecem que não passam de atores em cenas criadas por ele próprio e que habitam um palco. Numa outra dimensão, o enredo exige dos atores um exercício de exigente de interpretação, por exemplo, do poeta Barraut que numa das cenas seduz uma jovem e ingênua com uma verborragia e um exagero de gestos e atitudes que adquire uma face quase caricata, e numa outra trava uma pragmática conversação com uma atriz mais velha e temperamental por quem é apaixonado. Com esta, mede as palavras, é um paciente crítico de sua condição, as vezes agitado, mas sempre atordoado com a possibilidade de perdê-la.

Com o filme, Ophus mostra como as referências morais são fajutas, esvaziadas, quando não hipócitas e absurdas, isso muito antes da série Californication! Filme é genial.

Money is not required to buy one necessity of the soul


Tomo  a palavra para dizer que estes são apenas cinco dos 60 discos que comprei por 70 dinheiros estrangeiros. Dentre as preciosidades estão Carmen McRae, Miles, Charlie Byrd Trio, Stan Getz, o rarissimo Veloso, Gil Bethania - Bethania canta Noel de 68, Django Reinhardt, Ahmad Jamal e Wes Montgomery, dentre muita coisa boa. E a frase é do Henry Thoreau, pois no fim das contas money que é good nós num have!

Os Efeitos Maléficos de Hollywood

Quando adolescente, eu queria ser um desses jovens fora-da-lei. Queria andar por aí com um camarada meio sórdido como o Edward G. Robinson, ou um que que suasse muito, e que fosse conhecedor de todas as malandragens das ruas como o James Cagney. Eu era uma espécie de Antoine Doinel, que gostava de faltar as aulas e andar pela cidade com meus amigos. As vezes pegávamos o trem no subúrbio e íamos até quase a Central do Brasil. Por isso eu inventava meus amigos. Dava-lhes apelidos. Claro que eu guardava o papel do Bogart para mim. Eu era magricela, e apesar de magricela eu era metido a machão e sentimental, como o Bogart. Eu só não tinha aquele mel que ele usava com a Lauren Bacal, mas eu sabia que isso era só um detalhe. Eu pensava que era apenas questão de treino, pois quando eu ficasse mais velho a coisa viria naturalmente. Eu tinha até  um amigo negão, o que não é nada demais. No subúrbio do Rio de Janeiro todo mundo tem pelo menos dois amigos negões. Ele ficava aguentando minhas bebedeiras  até de madrugada. Eu pedia sempre para ele, toca aquela. E em vez de um “As time goes by”, o que sempre saia do violão do Sam era um Chico Buarque. Os porres geralmente eram por conta de alguma atriz que não queria se encaixar no papel que eu criara especialmente para ela. 


Geralmente, eu não era chegado em mulheres do tipo da Ingrid Bergman ou Barbara Stanwick. Muito finas, muito sofisticadas, eu até chegava a cogitar que elas tinham sido feitas mesmo para o Cary Grant – mas obviamente, na época, eu não ficava por aí dizendo essas coisas. Eu nem saberia o que dizer para uma mulher assim. Gostava das barraqueiras, das ciumentas, das possessivas, das mulheres que pudessem ter algum vínculo metafísico com o subúrbio. Tipo... a Elizabeth Taylor em Who’s afraid of Virginia Wolf?, ou o que por tabela seria a  Gene Tierney em Leave Her to Heaven.  Com elas eu treinava meu Humphrey Bogart. Eu as chamava de angel e precious  com um Gauloise no canto da boca – nessa época eu já era professor e entre uma aula e outra, eu fumava quase um maço de Malboro por dia. Elas não entendiam nada e me achavam um cara meio maluco.  


Depois eu acabei mudando de bairro e me juntei com uma turma mais prosaica. Éramos eu, Owen Wilson e o Adrian Brondi. Os tipos gostavam de fazer poesia e fumar uns negócios. Eu não. Eu só lia, passava o dia inteiro lendo, assistindo filmes,  e as vezes escrevendo ficção. A turma em que eles andavam era meio chata. Um bando de garotos e garotas metidos a intelectuais que ficava lendo Ricoeur, Queneau e Holderin, achando o máximo comunicar coisas que ninguém entendia.  Eu estava ali junto com eles, mas no fundo eu os via como num trailer de filme do Billy Wilder.
Numa determinada fase da minha vida, passei por um dilema terrível: houve uma mulher de quem gostei muito, a Anita Ekberg. Era mais velha. Um colosso: aprendi muitas coisas com ela. Mas com o tempo, não apenas a diferença de idade, os peitos também foram pesando. Além do mais,  essa coisa de mulher ficar perguntando umas 180 vezes por semana  se você a ama, começa a aborrecer. No fundo, eu achei que ela ia ser mais feliz sozinha, procurando sua vida, preferia ela como amiga a amante. Enfim, mesmo que as vezes baixasse um espírito de Doris Day nela, eu já estava em outra. Era um amor de pessoa, mas de uma mulher chata é melhor se separar.
Minha primeira grande paixão, paixão de verdade, aconteceu nessa fase da minha vida. E foi traumática. Não era bem uma namorada, pois eu tinha uma namoradinha. Ela era minha amante. Passamos por todas as fases da paixão:  encontros clandestinos pelas tarde, telefonemas afobados, cartas assinadas com um “Eu”.  Quando estávamos juntos eu imitava atores famosos, Karloff, Gary Cooper e o James Stewart. Ela imitava atrizes de filme B fazendo strip-tease.  E cheguei a bater com a cabeça quando vi que tudo estava acabado, mas eu sabia que não havia o que fazer. Eu não era nada, mas na época de jovem imaturo eu ainda acreditei que pudesse bater o Blue Eyes e tomar de assalto o coração daquela indomável Ava Garner. Pura ilusão pois ele devia cantar no ouvidinho dela. O que me magoou de verdade foi a frase que ela soltou nos jornais após uma das muitas brigas com Sinatra: “Éramos fantásticos na cama, mas as brigas começavam a caminho do bidê.” Isso ela disse quando nos separamos!  Depois foi para o New York Times dizer que isso era coisa do Sinatra. Doeu.
O que eu quero dizer é que não é nada bom querer ser o Bogart. O Frank Sinatra quis ardentemente  e se deu mal. Assim como eu a perdi para ele, ele a perdeu para um troureiro espanhol, desses que usam umas calças colantes e ficam rebolando no meio da arena. Esse negócio de querer ser quem não se pode não dá certo. Nunca dá.
Música do dia. Concierto de Aranjuez, Lado A, Faixa 1. Miles Davis. Scketches of Spain.