O AFI exibe em todo o mês de abril e maio uma série de filmes do cineasta tchevo František Vláčil chamada Poetry of the Past: The Visionary Films of František Vláčil. The Devil´s Trap é o segundo filme de uma trilogia que conta ainda com Marketa Lazarova e O Vale das Abelhas, ambos de 1967. The Devil´s Trap, particularmente, se passa na região da Boemia no século XVI, ou seja em pleno contexto da inquisição, e nele há o componente do peso da religião, do conflito ideológico e a revolta individual.
Logo na abertura uma série de dissonantes acordes cappella, e uma imagem que pode chocar puritanos e pessoas devotas fraquinhas. Uma imagem retorcida de Cristo, à frnte de uma paisagem árida e em segundo plano uma minúscula figura humana caminhando num deserto à distância. A mensagem é clara: a religião impondo-se sobre o homem, e a qualquer um ai que desafia o status quo.
A estória propriamente dita começa quando o governante local Valecský de Valce, tipicamente caracterizado como fanfarrão glutão, ordena que um terreno seja escavado para a construção de um celeiro, na tentativa de evitar os efeitos da seca do ano anterior. O ferreiro Spálený, com conhecimentos da terra muito mais amplos que que os do governante, e até com certo ar previdente, acha que o local indicado para as fundações é inadequado e sua divergência com as autoridades começa a levantar suspeitas de que ele e seus antepassados tinham um pacto com o diabo. Os rumores vinham desde seus avós, quando os suecos, numa tentativa de invadir a aldeia, queimaram a casa, mas a família escapara ilesa. O “milagre” condenara-os e as divergências entre o governante local e o ferreiro se tornam públicas quando Spálený separa uma briga entre seu filho e um dos guardas do administrador – que tenta seduzir a futura nora de Spálený. Spálený afastando a contenda, contraria o governante que tem sua diversão interrompida.
Uma figura tão interessante como repentina é a do padre Prokus que chega sem anunciar como um representante da inquisição. Não fica claro se ele foi chamado e chegou por acaso, mas a sua presença favorece os interesses corruptos do governante local que visa construir o celeiro, e evidentemente neutralizar as críticas do ferreiro Spálený. O padre é muito mais cuidadoso com a imagem de Spálený que o governante. Contornando cuidadosamente as indulgências, sabe que em última instância a Igreja pode tirar algum proveito dos talentos previdentes do ferreiro. Para a cidade, em seus sermões, evita o confronto, e nos bastidores investiga sem cessar os supostos poderes do homem.
Todo o filme tem um sentido bastante alegórico. Há uma série de imagens aparentemente desconexas que acabam fazendo sentido no decorrer da estória. O trigo cortado por trabalhadores com foices e um corte imediato para uma cena onde um jarro de água cai enquanto Filip, filho de Spálený, está num momento íntimo com Martina. Noutra cena, pilhas de velas acumuladas ajudam a iluminar o trabalho noturno de Spálený. Os amantes repetidamente separados, primeiro por uma parede de pedra grossa, e depois pela própria terra, como Martina percorre os campos enquanto o rapaz percorre um labirinto de cavernas e reservatórios subterrâneos em busca de seu pai. Ou seja, vários objetos, planos e sequências possuem significado simbólico que enfatizam uma certa incursão no realismo mágico.